Em respeito aos polvos: fascinantes animais sencientes

O presente artigo visa atrair atenção para a importância dos polvos na percepção ecossistêmica, correlacionando-a com a exploração comercial e a ética em experimentos científicos.

Os polvos surgiram há mais de seis milhões de anos no oceano. Vivem em águas marinhas, preferindo a proximidade com estruturas rochosas e recifes de corais, para abrigo e alimento. São capazes de fazer suas próprias tocas, tanto com conchas e carapaças, como com latas e outros lixos descartados no mar.

São moluscos que não possuem conchas, esqueleto ou espinha dorsal. Possuem dois grandes olhos e três corações. O coração principal bombeia sangue pelo corpo, e os dois corações secundários enviam sangue para as guelras. Têm oito fortes braços (tentáculos) com ventosas, as quais possibilitam, por exemplo, agarrarem-se ao dorso de seus predadores [1; 2].

Alimentam-se de caranguejos, siris, ostras, mexilhões, peixes e lagostas. Servem de alimento para tubarões, entre outros peixes, tartarugas, golfinhos e baleias. Portanto, possuem grande importância na cadeia alimentar do oceano.

A pesca por grandes redes de arrasto, é usada para polvos, camarões, peixes, lagostas e caranguejos. Outra modalidade é a captura por mergulhadores. A sobrepesca, ao longo das últimas décadas deste século XXI, vem contribuindo para a redução de várias espécies de peixes, afetando a pesca artesanal, e encarecendo a venda para o consumidor [1]. 

Os cobiçadores voltam-se então para outros animais marinhos que possam lhes dar lucro, em curto e médio prazo, como o polvo. Isto é muito preocupante, pelo fato que seu tempo de vida é curto, cerca de dois anos. Machos e fêmeas vivem isolados, aproximando-se somente para o acasalamento. Cabe às mães protegerem os filhotes, que se parecem com inúmeros cachos de grãos de arroz, refugiando-se em tocas seguras, protegendo-os e ventilando-os. 

Nesta fase, ela não se alimenta, dedica-se exclusivamente à sua missão, até a eclosão dos ovos. Exausta e desnutrida, ela morre. Grande porcentagem desses ovos são consumidos por peixes e aves marinhas, ajudando a manter o equilíbrio da cadeia alimentar. Poucos indivíduos conseguem chegar à idade adulta e dar continuidade ao ciclo da vida.

A partir de 2002, o Instituto de Pesca de São Paulo desenvolveu uma técnica considerada mais sustentável, com potes submersos, amarrados em forma de espinhel. “Isto permite selecionar os animais por tamanho e promove a possibilidade de exploração mais racional” [3].

É considerada uma técnica sustentável [1] porque é o animal quem procura o abrigo nos potes; sua captura traz pouca fauna acompanhante, e permite preservarem os filhotes e as fêmeas ovadas, cortando os potes onde foram encontrados, descartando-os ao mar com vida.

A Instrução Normativa SEAP nº 03/2005 foi a primeira a estabelecer critérios e procedimentos para a pesca do polvo, nas águas marinhas sob jurisdição brasileira [4]. Foi substituída pela SEAP/PR n° 26/2008, “considerando os compromissos do Brasil na implementação do Código de Conduta para uma Pesca Responsável da FAO, 1995”. E, após, pela Portaria SAP/MAPA nº 452/2021, que estabelece regras de ordenamento para a pesca do polvo (Octopus americanus e Octopus insularis) no litoral da Bahia, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul [5]. 

O número máximo de embarcações autorizadas foi reduzido de 33, em 2008 para 28, em 2021. O método de pesca é o mesmo: armadilhas do tipo potes abertos, em forma de "espinhel, com limite de 20.000 por embarcação”. Mas, quantos polvos foram retirados do mar sem a devida fiscalização? 

Em 2024, agentes do ICMBio flagraram a captura ilegal nas imediações do Parque Nacional Marinho de Alcatrazes. Foram recolhidos mais de 600 metros de cabos e 46 potes, sendo salvos 16 indivíduos [6].

Mais do que um item da preferência culinária, há muitos séculos e em muitos países, os polvos são objeto de estudo, em vida livre e em laboratório, desde a década de 1970 [7;8]. São os invertebrados marinhos mais inteligentes que se têm conhecimento.

Estudos, em vida livre e em laboratórios, demonstram serem animais curiosos, criativos, capazes de resolver problemas ou “quebra-cabeças”, terem boa memória, sensibilidade à dor, apresentarem incríveis estratégias de fuga de seus predadores e de camuflagem [7;8;9;10;11;12]. Porém, há pesquisas para saber como reagem diante de aditivos químicos e drogas alucinógenas [13;14].

Estudo sobre a capacidade intelectual e cognitiva dos polvos, focando em semelhanças e diferenças com os humanos demonstrou que, em comum temos: atividades neurais como o poder de raciocínio, de compreensão, memorização, aprendizado e percepção extrassensorial, todos considerados “primórdios da conceitualizão de cognição e inteligência” [15 - p. 268].

A Lei Federal n° 11794/2008 – Lei Arouca, que estabelece procedimentos éticos para o uso científico de animais, não abrange os polvos, somente os vertebrados (Art. 3º): “animais que têm, como características exclusivas, um encéfalo grande encerrado numa caixa craniana e uma coluna vertebral. Mas, são citados, em 2012, na Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais, juntamente com os mamíferos e as aves. 

Animais sencientes que são, está provado que experimentam sensações físicas (dor e prazer) e emoções (medo, alegria e sofrimento). O conceito de senciência é central para os debates sobre bem-estar e direitos dos animais, fornecendo uma base ética e científica para políticas públicas que protejam os animais de maus-tratos” [16].

Dra. Jennifer Mather, do Canadá, pioneira no estudo sobre seu comportamento “vê os polvos como o garoto-propaganda do bem-estar dos animais invertebrados" – dignos dos mesmos direitos que os animais que se parecem mais conosco [17].

Por serem animais carismáticos e, por terem ficado famosos após a exibição de um documentário na televisão: Professor Polvo, de 2020, a procura para compra aumentou significativamente, como animais de estimação. 

A criação e manutenção de polvos em cativeiro e/ou como pets tem mobilizado a comunidade internacional, contra e a favor deste assunto, exigindo uma legislação que regule a questão [17;18;19]. 

Mestres na fuga que são, imaginem a cena dentro de casa, escapando do aquário de parede ou de mesa? Poderia haver situação de risco tanto para eles, como para a vida dos gatos e cães de estimação, em caso de confronto.

Em 2016, nota oficial do Aquário Nacional da Nova Zelândia informou que o polvo, chamado de Inky, “aproveitou-se de uma tampa entreaberta para sair do tanque, durante a noite, atravessar a sala, passar pelo ralo, percorrer 50 m por dentro de um encanamento e chegar ao mar” [8].

A Instrução Normativa do IBAMA nº 21/2018 estabelece normas para licença de importação de invertebrados aquáticos, para fins de ornamentação e aquariofilia. O polvo citado é Hapalochlaena maculosa, de anéis azuis, que secretam substância venenosa [20].

Em 2024, nos EUA, foi apresentado ao Senado, um projeto de lei para proibir a importação e a produção doméstica de polvos cultivados em todo o país. Ongs ambientalistas e de direitos dos animais demonstraram forte apoio [21]. 

Concluindo, palavras não são suficientes para descrever o ser fascinante que o polvo é, bem como sua importância para o ecossistema marinho, o qual vem sendo tão impactado pelo antropocentrismo. Eles merecem legislação pertinente a seu favor e todo nosso respeito.  


__________

Referências bibliográficas

[1] Trombeta T.D., Salgueiro, R.R. e Trombeta, R.D. Pesca Sustentável do Polvo. Instituto Ambiental Brasil Sustentável – IABS. Brasília/DF. 63p. 2011. In Pesca Sustentável do Polvo – Editora IABS. Acessado em 27.04.2025.

[2] Delecave, B. Oito braços, três corações e alma espanhola - Invivo). Museu da Vida. 2021. Acessado em 30.04.2025.

[3] Revista FAPESP, 2004, Captura de polvos com potes plásticos: Revista Pesquisa Fapesp). Edição 97, março 2004: Acessado em 29.04.2025.

[4]  Brasil. ICMBio. INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 3, DE 26 DE ABRIL DE 2005. Acessado em 29.04.2025.

[5] Brasil. ICMBio. PORTARIA SAP/MAPA Nº 452, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2021 (P_sap_mapa_452_2021_estabelece_regras_pesca_polvo_sudeste_sul.pdf).

[6] Notícia das Praias. ICMBio flagra estrutura ilegal para captura de polvos em Alcatrazes – Notícias das Praias

[7] Revista Super Interessante. Polvos muito espertos | Super. 30.09.1992. Acessado em 28.04.2025.

[8] Flemming, 2016 in: 8 motivos que fazem do polvo o 'gênio' dos oceanos - BBC News Brasil). Acessado em 01.05.2025.

[9] Revista Galileu. Experimento sugere que polvos também têm pesadelo; veja vídeo | Biologia | Galileu. 22.05.2023. Acessado em 28.04.2025.

[10] Terra. Inteligência dos polvos surpreende com tentáculos que 'pensam. 2025. 

[11] Rosa, V. Novo estudo descobre que polvos possuem um "cérebro" em cada tentáculo. Publicado: 26.01.2025.

[12] Roumbedakis, K. e Martins, L., 2015 - Sanidade de Polvos: estado atual e perspectivas, p. 329 - Microsoft Word - aIntrodução Volume 1.doc. Acessado em 29.04.2025.

[13] Alves, V.C.F. Conservação do polvo Octopus insulares, molusca, cephalopoda, utilizando diferentes aditivos químicos. Biblioteca Virtual de Saúde. Conservação do polvo Octopus insulares (MOLLUSCA, CEPHALOPODA) utilizando diferentes aditivos químicos s.n; 20/02/2018. | VETTESES. Acessado em 30.04.2025.

[14] Cuthbert, L. Polvos estão tomando ecstasy em nome da ciência. Isso é ético? | National Geographic, 2018. Acessado em 30.04.2025.

[15] Lüders, A. de F. e Farias, E.B. Converging and divergent links about octopus and human intelligence and cognition. Journal of Interdisciplinary Debates3(02), 258–269. 2022. In: https://doi.org/10.51249/jid.v3i02.813. Acessado em 01.05.2025.

[16] MMA, 2024 Senciência Animal — Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Acessado em 01.05.2025

[17] Scigliano, In: É errado manter polvos em cativeiro ou como animais de estimação? Veja o que dizem especialistas | National Geographic, 2024). Acessado em 01.05.2025

[18] Cancino-Rodez e Villela Cortés, 2023 In: Vista do Por qué rechazar las granjas de pulpos. Acessado em 01.05.2025

[19] Proteção Animal Mundial se posiciona contra a criação da primeira fazenda de polvos do mundo; Acessado em 01.05.2025

[20] IBAMA. IBAMA Instrução Normativa 21, de 04 de outubro de 2018. Acessado em 01.05.2025

[21] The Fish Site. Proibição de polvo de viveiro em todo o país proposta para os EUA. 19.07.2024. In: https://br.thefishsite.com/artigos/proibi%C3%A7%C3%A3o-de-polvo-de-viveiro-em-todo-o-pa%C3%ADs-proposta-para-os-eua). Acessado em 01.05.2025

IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

Anterior
Anterior

Especismo: Quais são as consequências para os animais não-humanos?

Próximo
Próximo

O gato preto ganhou o Oscar e conquistou o mundo