Pensamento estratégico no ativismo animal
Muitas vezes, agimos por uma causa porque acreditamos que ela é importante, justa, urgente. Essa motivação é fundamental, pois, sem ela, não há engajamento real. Mas ela, por si só, não garante que nossas ações sejam eficazes. E, se o nosso objetivo é realmente ajudar os animais não humanos, e não apenas expressar nossas opiniões ou aliviar nossa consciência, então precisamos nos perguntar: o que, de fato, faz diferença? O que realmente reduz o sofrimento? O que muda o mundo?
Todos os dias, um número praticamente incalculável de animais não humanos experimenta intenso sofrimento, além do dano da morte. Muitos desses animais sofrem e morrem por conta de práticas humanas. Muitos outros enfrentam a dor implacável da fome, da sede, e das doenças na natureza. Diante de tanto sofrimento, é inevitável que sejamos atravessados por emoções profundas. E é da indignação com esse cenário que nasce o impulso de agir, o desejo urgente de mudar o mundo. Mas, se queremos gerar impacto real, não podemos contar apenas com a força das boas intenções: precisamos agir com estratégia.
No contexto do ativismo animal, pensar estrategicamente significa fazer a si mesmo a pergunta: dentre todas as formas possíveis de usar meu tempo, minha energia e meus recursos, qual (ou quais) delas tem o maior potencial de reduzir o sofrimento animal? À primeira vista, pode parecer uma questão simples. Mas ela é, na verdade, profundamente transformadora, porque muda o eixo do nosso ativismo: do foco no agente e da imagem que projetamos de nós mesmos, para o impacto real que as ações têm sobre a vida dos animais.
Nesse sentido, a noção de eficácia abarca um duplo caráter, sendo uma questão tanto prática quanto ética. Prática, porque envolve a análise dos meios que usamos, os custos, os efeitos, os riscos. E ética, porque impõe o dever de otimizar a alocação de recursos escassos.
Essa abordagem pode ser desconfortável. Implica estarmos abertos a testar hipóteses, coletar dados, aprender com a experiência e, quando necessário, mudar nossa forma de pensar e agir. Ao adotar essa perspectiva, cada ação passa a ser avaliada de acordo com o seu impacto, orientada por evidências e análises fundamentadas, em vez de se apoiar exclusivamente em intuições ou hábitos. E isso é especialmente importante porque, muitas vezes, nossas intuições nos enganam.
Vieses cognitivos que comprometem a eficácia do ativismo
Estamos inevitavelmente expostos a vieses cognitivos, isto é, padrões sistemáticos de distorção no raciocínio que, embora muitas vezes funcionem como atalhos mentais úteis (seja para poupar energia ou para agir em situações que exigem respostas rápidas), também podem nos conduzir a erros de julgamento e, consequentemente, a decisões subótimas ou equivocadas.
No contexto do ativismo, esses vieses adquirem relevância especial, pois moldam a forma como percebemos e avaliamos o impacto de nossas ações e onde decidimos investir nosso tempo, energia e recursos. Quando não temos consciência desses mecanismos mentais, corremos o risco de adotar estratégias pouco eficazes ou até contrárias aos objetivos que desejamos alcançar. Entre os muitos vieses descritos pela literatura especializada, destaco alguns que, no contexto do ativismo animal, exercem influência particularmente significativa sobre quais estratégias adotamos.
Viés de confirmação: tendência a buscar e valorizar apenas as informações que confirmam nossas crenças, ignorando ou minimizando evidências contrárias. No ativismo animal, faz com que os ativistas tendam a valorizar apenas as informações que confirmam a crença de que determinada abordagem que já aceitam previamente funciona, ignorando ou minimizando evidências de que ela é ineficaz ou contraproducente. Analogamente, faz com que valorizem apenas as informações que confirmam a crença de que determinada abordagem que lhes parece ruim intuitivamente realmente é ruim, ignorando as informações que poderiam sugerir o contrário.
Viés de disponibilidade: tendência a julgar a relevância ou gravidade de um problema pela facilidade com que exemplos vêm à mente, muitas vezes influenciados por notícias recentes ou experiências marcantes. No ativismo animal, pode fazer com que se priorize o combate a uma forma de exploração amplamente divulgada na mídia, negligenciando outras que causam muito mais sofrimento, porém menos visíveis.
Viés do presente: inclinação a priorizar resultados e ganhos imediatos em vez de benefícios futuros mais relevantes. No ativismo animal, pode levar à preferência por ações que geram engajamento rápido, mas com resultados esporádico e que não favoreçam os animais a longo prazo.
Viés da insensibilidade ao alcance: dificuldade em perceber diferenças de proporção entre grandes quantidades. No ativismo animal, isso pode levar a tratar como equivalentes ações que beneficiam quantidades bem diferentes de animais.
O reconhecimento desses vieses não implica a possibilidade de eliminá-los por completo, mas, antes, a necessidade de vigilância constante quanto às armadilhas inerentes ao próprio raciocínio humano. Isso nos permite tomar decisões menos baseadas em intuições potencialmente falhas, e mais fundamentadas em evidências, lógica e análise do impacto real das ações.
Princípios estratégicos para o ativismo eficaz
A distinção entre o que nos parece certo, entre o que gostaríamos de fazer, e o que de fato é melhor para os animais é fundamental. Não raro, estratégias muito populares no movimento animalista têm impacto limitado, ou até contraproducente.
Campanhas que se concentram mais em atrair popularidade do que em manter o foco principal nos próprios animais e no seu sofrimento podem produzir ganhos de curto prazo, mas revelar-se ineficazes a longo prazo, além de reforçar a ideia de que o sofrimento animal não importa por si mesmo. Um exemplo seriam campanhas que dizem estar defendendo os interesses dos animais, mas na prática colocam mais ênfase em temas como alimentação saudável para humanos ou questões ambientais (como poluição e mudanças climáticas) do que no bem-estar e nos direitos dos animais em si. Essas campanhas podem trazer resultados rápidos, por exemplo, apoio popular momentâneo ou mudanças superficiais de comportamento. Mas, no longo prazo, podem não ser eficazes para mudar a mentalidade das pessoas e a estrutura social que realmente sustenta o especismo, justamente porque não colocam a senciência e o sofrimento animal no centro da mensagem.
Em contrapartida, ações menos chamativas, como construir alianças políticas, dialogar com setores estratégicos da sociedade ou promover o antiespecismo, tendem a gerar efeitos mais consistentes e duradouros; contudo, por não atraírem tanta visibilidade, acabam sendo negligenciadas pela maioria dos ativistas da causa animal.
Algumas campanhas acabam transmitindo uma imagem negativa dos próprios ativistas, por exemplo, retratando-os como radicais irracionais, agressivos ou moralmente arrogantes. Nessas situações, em vez de estimular a reflexão sobre a situação dos animais, a ação desperta resistência emocional ou defensiva. É o caso de intervenções excessivamente confrontativas em espaços públicos, como invadir restaurantes ou supermercados sem criar um espaço de diálogo; ou de mensagens com tom acusatório, como, por exemplo, afirmar que “quem consome carne é cúmplice de assassinato”. Isso não significa necessariamente que o conteúdo factual seja falso, mas que a forma de comunicação pode gerar uma barreira defensiva: a pessoa se sente julgada, atacada ou moralmente inferior. Em contextos assim, o público tende a ignorar o argumento e passam a rejeitar o mensageiro, e, por associação, a mensagem também.
Mas, além do conteúdo da mensagem, e a forma como a transmitimos, também devemos ter atenção em relação ao público a quem ela se destina. Precisamos evitar ficar presos em bolhas ideológicas, ou concentrar nossas ações em convencer quem já está convencido, ou confrontar quem está completamente fechado ao diálogo; atitudes que frequentemente resultam em desperdício de tempo e energia que poderiam ser usados para alcançar mais pessoas.
Um ponto relevante é que estratégias eficazes nem sempre coincidem com as que nos proporcionam maior satisfação pessoal. E isso é difícil de aceitar. Muitas vezes, o que nos motiva a entrar no ativismo é o desejo de expressar nossa indignação ou de confrontar quem perpetua a exploração animal. Mas, se colocarmos os animais no centro da nossa análise, pode ser que as estratégias mais eficazes não envolvam confronto direto, e sim cooperação, persuasão gradual ou atuação nos bastidores. Pode parecer frustrante, mas a pergunta-chave continua sendo: o que ajuda mais os animais? E não: o que me faz sentir melhor?
Uma das formas de sermos estratégicos no ativismo animal é adotarmos uma postura que considere que suas vidas importam moralmente, que seu sofrimento tem peso ético por si mesmo, e que temos a responsabilidade de agir com foco, racionalidade e justiça, maximizando o uso dos recursos que temos a disposição. Isso não nos impede de agir com emoção, pelo contrário, a emoção é muitas vezes o que nos impulsiona. Mas ela precisa ser canalizada por meio de estratégias que não apenas funcionem, mas que obtenham os melhores resultados. É um processo parecido com o método científico: temos hipóteses, colocamos em prática, avaliamos os resultados e aprendemos com os erros e acertos. Essa mentalidade de melhoria contínua baseada em evidências é uma das marcas do ativismo eficaz.
Outro ponto crucial é a importância de colaborar com outras pessoas e organizações que compartilham o mesmo compromisso. O ativismo eficaz não é uma corrida solo. Muitas vezes, o impacto que conseguimos gerar individualmente é limitado. Mas, quando nos articulamos em rede, compartilhamos conhecimentos, ampliamos nosso alcance e somamos forças. A cooperação entre ativistas é uma forma poderosa de multiplicar os efeitos do nosso trabalho.
Por fim, vale lembrar que pensar estrategicamente não significa renunciar aos nossos valores. Significa assumir o compromisso de transformar compaixão em impacto, indignação em mudança concreta, e o apelo por justiça em ação eficaz. Se mantivermos o foco naquilo que realmente importa, acabar com todas as formas de exploração animal e reduzir o sofrimento dos animais selvagens, seremos capazes de fazer escolhas melhores, alcançar mais pessoas e, sobretudo, ajudar mais animais.
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Referências
CUNHA, Luciano Carlos. Como vieses influenciam nossas decisões que afetam os animais. [on-line], [s.d.]. Senciência e ética. Disponível em: https://senciencia.org/#como-vieses-influenciam-nossas-decisoes-que-afetam-os-animais
CUNHA, Luciano Carlos. Quais problemas afetam as maiores quantidades de animais? Um breve resumo. [on-line], 20 fev. 2024. Senciência e ética. Disponível em: https://senciencia.org/2024/02/20/quais-problemas-afetam-as-maiores-quantidades-de-animais-um-breve-resumo/
CUNHA, Luciano Carlos. Um ativismo Eficiente: critérios para escolher quais problemas priorizar e quais estratégias adotar. 1. ed. [on-line], 2025. v. VIII. Coleção Uma Jornada pela Ética Animal: do básico ao avançado. Disponível em: https://senciencia.org/wp-content/uploads/2025/06/colecao-uma-jornada-pela-etica-animal-livro-8-um-ativismo-eficiente.pdf
KAHNEMAN, D. Thinking, fast and slow. New York: Farrar, Straus & Giroux, 2011.