Simbiose entre humanos e animais previne a depressão e o suicídio?

Somente quem tem o privilégio de chegar em casa e ser recebido(a) com alegria pelos animais de estimação, sabe como essa relação faz bem para o coração! Nós cuidamos deles e eles cuidam de nós, não é?

Reforçando a tese que é melhor prevenir que remediar, queremos destacar no artigo deste “Setembro Amarelo”, a importância desses amados seres na prevenção, e no tratamento, de doenças psicoemocionais como a depressão e, consequentemente, o infeliz desfecho no atentado contra a própria vida.

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina dedicam-se à campanha nacional para a prevenção de suicídio. No Brasil, os registros se aproximam de 14 mil casos/ano, ou seja, em média 38 pessoas cometem este ato por dia, e infelizmente, nos últimos anos, essa estatística vem crescendo entre os jovens de 15 a 19 anos.[1] A depressão consiste em um transtorno caracterizado por sintomas como “rebaixamento do humor”, ou humor triste, vazio, irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam o doente, tais como desânimo, baixa autoestima e queda no nível de energia do enfermo. [2] 

De maneira geral, podemos considerar que uma pessoa com tendência à depressão e/ou depressiva, tende a consumir grandes e frequentes doses de drogas lícitas e ilícitas, e que o tratamento médico convencional mais utilizado é focado em medicamentos alopáticos, como os antidepressivos. Todas estas substâncias apresentam algum tipo de efeito colateral no corpo humano, a médio e a longo prazo, contribuindo inclusive, para a contaminação dos corpos de água e dos organismos aquáticos. 

Os psicólogos Cindy Bezerra e Ewerton de Castro [3] no artigo “Meu Pet, Meu Amparo, Meu Caminho Seguro: a História de Vida de Pessoas com Depressão Pós-adoção”, defendem a abordagem humanista da psicologia, “buscando desmistificar a ideia de que um fármaco, por si só, poderá recuperar o indivíduo plenamente de seu estado depressivo”. 

Muitos profissionais de terapias integrativas que oferecem tratamentos holísticos, como acupuntura, fitoterapia, aromaterapia e homeopatia, dentre outros, também concordam com esta abordagem mais humanista.

Na biologia, quando duas espécies diferentes desenvolvem uma relação harmônica, quando é benéfica para ambas as partes, chamamos de simbiose. Haveria simbiose entre nós, animais humanos, e os não humanos no nosso lar?

Na natureza, por exemplo, é comum observarmos aves sobre o dorso de cavalos, vacas e bois, alimentando-se de pequenos insetos. As abelhas sugam o néctar de flor em flor, transportando grãos de pólen em suas patinhas, ajudando na reprodução dos vegetais, e levando nutrientes para a colmeia. 

A relação afetiva entre humanos e caninos, felinos e equinos, entre outros seres do reino animal, é estudada por biólogos, psicólogos, terapeutas, médicos veterinários e psiquiatras, com ênfase nos benefícios à saúde mental dos tutores.

No artigo Convivência com Animais de Estimação: Um Estudo Fenomenológico, Giumelli e Santos [4] afirmam que esse contato “é algo nutritivo para o homem”, que (...) “os animais podem ser considerados como uma fonte de amor” e que (...) “nessa relação homem-animal ocorre também uma busca por carinho.”

Bezerra e Castro sugerem métodos não medicamentosos para auxiliar no combate à depressão, destacando a Terapia Assistida por Animais (TAA), que consiste na interação com animais domésticos em sessões de psicoterapia, visando mudança positiva nos pacientes. Suas pesquisas mostraram que, quando a relação ser humano-animal existe de forma respeitosa, responsável e mútua, os ganhos psicológicos, emocionais e físicos podem ser inúmeros.

Segundo Machado et ali (2008), a TAA foi utilizada pela primeira vez, na Inglaterra, pelo filantropo William Tuke (1732-1822), em 1792, no tratamento humanizado de doentes mentais. No Brasil, em 1955, no Rio de Janeiro (RJ), a psiquiatra Nise da Silveira percebeu mudanças significativas no comportamento dos pacientes, a partir do momento que uma cadelinha passou a frequentar uma das oficinas no hospital psiquiátrico, adotada por um dos internos. Disse ela: 

(...) “Sobretudo o cão reúne qualidades que o faz muito apto a tornar-se um ponto de referência estável no mundo externo. Nunca provoca frustrações, dá incondicional afeto sem nada pedir em troca, traz calor e alegria ao frio ambiente do hospital. Os gatos têm um modo de amar diferente. Discretos, esquivos, talvez sejam muito afins com os esquizofrênicos na sua maneira peculiar de querer bem” [5]. 

Em 1997, em São Paulo, a psicóloga e médica veterinária Hannelore Fuchs, criou o “Projeto Pet Smile”, no Hospital Universitário da USP, fundou a Associação Brasileira de Zooterapia (Abrazoo), com apoio de cães, coelhos e gatos como coterapeutas [6]. 

A Dra. Susan Friedman, do Depto. de Psicologia da Universidade de Utah (EUA) foi uma das pioneiras nos estudos dos efeitos da interação homem-animal sobre parâmetros fisiológicos e saúde cardiovascular humana. Segundo Machado et ali [7], citando o artigo The value of pets for health and recovery, ela demonstrou que a zooterapia pode promover a saúde física de humanos, diminuindo a solidão, a depressão e a ansiedade, devido aos efeitos positivos no sistema nervoso simpático, e aumenta o estímulo para prática de exercícios.

Também endossam esses benefícios, o estudo das psicólogas Araújo e Lima [8] da Faculdade Pernambucana de Saúde. Elas citam que é nítida a melhora dos pacientes, principalmente no humor, desde o primeiro contato com a TAA. Afirmam que eles se mostraram mais motivados, com maior autoestima, autoconfiança, demonstraram superação dos medos, diminuição do estresse, da apatia, da angústia, do sofrimento e dos sintomas da depressão e ansiedade. 

Outra modalidade existente é a Atividade Assistida por Animais – AAA ou Intervenção Assistida por Animais – IAA. Segundo a Associação Internacional de Organizações de Interação Humano-Animal (em inglês: IAHAIO), fundada em 1992 nos EUA, a IAA consiste em intervenções estruturadas e orientadas que incorporam animais com o propósito de obter benefícios terapêuticos para os humanos no âmbito da saúde, educação e em organizações sociais. [9]

O médico veterinário Santana [10] na sua pesquisa Interação com Animais: Seu Reflexo Sobre os Efeitos Depressivos da Sociedade Atual, constatou que a interação com os pets pode ajudar no tratamento da depressão. Menciona que:

(...) “o contato direto com os animais causa, em seus donos, a produção e liberação de neurorreceptores, como a dopamina, ocitocina, serotonina e feniletilamina, hormônios que desencadeiam as sensações de prazer, regulam o sono (...) sentimentos de apego e afeição.”

Os animais domésticos dependem dos humanos para alimentação, abrigo e cuidados médicos. Portanto, nós tutores e tutoras que nos sentimos felizes com a companhia dos amados pets, precisamos ressignificar e revigorar nossa alegria de viver, nesta viagem existencial, de modo a prolongar, o máximo possível, o tempo de convívio com estes adoráveis amigos e terapeutas. Vamos investir mais nessa relação, para que seja benéfica para todos?

Como bem disse o escritor e piloto francês Antoine de Saint Exupéry (1900-1944), autor do livro O Pequeno Príncipe (1943): "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Portanto, também somos responsáveis pelo amor que cativamos dos bichinhos que trazemos para nossas casas. 

E, precisamos nos esforçar constantemente para que este convívio seja alegre e benéfico para ambas as partes. Dotti [11] também menciona que esta interação estimula atividades de cuidado pessoal, inclusive ao idoso, que tende a adquirir o hábito de se cuidar para cuidar do animal e o manter ativo.

Animais não humanos também sofrem com depressão e também cometem suicídio, quando recebem maus-tratos, são abandonados. Abordaremos este tema em outra oportunidade. Longe de chegar a um desfecho deste desafiante tema, a proposta deste artigo foi a de trazer reflexões sobre a importância desta amorosa relação entre tutores(as) e pets para a saúde psicoemocional e a prevenção do suicídio. Se você ainda não tem um pet como companhia, que tal adotar um? E, caso esteja triste, em luto, permita que um novo animalzinho conquiste seu coração!


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Referências bibliográficas

[1] Para saber mais acesse https://www.setembroamarelo.com/. E também a página do Centro de Valorização da Vida – CVV: https://www.cvv.org.br.

[2] Bezerra, C. G., e Castro, E. H. B.  Meu Pet, Meu Amparo, Meu Caminho Seguro: a História de Vida de Pessoas com Depressão Pós-Adoção. Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades – Vol. 1. Grillo, R. de M. e Navarro, E. R. (org.). P. 276. Cap. 34. Vol. 1. Edição 1. Publicado em 15.06.2020. Disponível em: https://downloads.editoracientifica.org/articles/200400010.pdf – Acessado em 07.09.2023.

[3] Bezerra, C. G., e Castro, E. H. B.  Meu Pet, Meu Amparo, Meu Caminho Seguro: a História de Vida de Pessoas com Depressão Pós-Adoção. Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades – Vol. 1. Grillo, R. de M. e Navarro, E. R. (org.). P. 276. Cap. 34. Vol. 1. Edição 1. Publicado em 15.06.2020. Disponível em: https://downloads.editoracientifica.org/articles/200400010.pdf – Acessado em 07.09.2023.

[4] Giumelli, R. D. e Santos, M. C. P. Convivência com Animais de Estimação: Um Estudo Fenomenológico. Revista da Abordagem Gestáltica: Phenomenological Studies, vol. XXII, núm. 1, julio, 2016, pp. 49-58 Inst. de Treinamento e Pesquisa em Gestalt Terapia de Goiânia, Brasil. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3577/357746390007.pdf  Acessado em 07.09.2023.

[5] Bezerra, C. G., e Castro, E. H. B.  Meu Pet, Meu Amparo, Meu Caminho Seguro: a História de Vida de Pessoas com Depressão Pós-Adoção. Psicologia: Desafios, Perspectivas e Possibilidades – Vol. 1. Grillo, R. de M. e Navarro, E. R. (org.). P. 276. Cap. 34. Vol. 1. Edição 1. Publicado em 15.06.2020. Disponível em: https://downloads.editoracientifica.org/articles/200400010.pdf – Acessado em 07.09.2023.

[6] Dotti, J. Terapias e Animais: Atividade Assistida por Animais. São Paulo: PC Editorial, 2005

[7] Machado, J. de A. C, Rocha, J.R, Santos, L.M. e Piccinin, A.  Terapia Assistida Por Animais (TAA). In: Revista Científica Eletrônica de Medicina Veterinária e Zootecnia de Garça Ano VI – Nº. 10. Janeiro 2008. Disponível em: http://www.faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/yBDakPBzygjagIw_2013-5-28-12-0-12.pdf Acessado em 07.09.2023.

[8] Araújo, G.F. M. M., e Lima, M. S. A Terapia Assistida por Animais e a Prática do Psicólogo: Uma Revisão Sistemática. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca de avaliação como pré-requisito para Conclusão do Curso da Graduação em Psicologia. Faculdade Pernambucana de Saúde. Recife, PE. 2019. Disponível em: https://tcc.fps.edu.br/bitstream/fpsrepo/608/1/TCC%20FINAL%20MARIANA%20E%20GABRIELLA.pdf – Acessado em 07.09.2023.

[9] Para saber mais acesse: https://iahaio.org/history/. Encontramos também, na internet, algumas instituições que desenvolvem atividades nestas áreas: a ZooFoz (https://www.zoofoz.com.br/); o Instituto Nacional de Ações e Terapia Assistida por Animais – INATAA (https://www.inataa.org.br); e o Instituto Brasileiro de Educação e Terapia Assistida por Animais – IBETAA (https://ibetaa.org.br).

[10] Santana, F. de J. Interação com Animais: Seu Reflexo Sobre os Efeitos Depressivos da Sociedade Atual. Monografia apresentada no curso de graduação do Centro Universitário AGES, como um dos pré-requisitos para a obtenção do título de bacharel em Medicina Veterinária. Centro Universitário AGES - RUNA. Paripiranga, BA. 2021. Disponível em: https://repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/14878#:~:text=https%3A//repositorio.animaeducacao.com.br/handle/ANIMA/14878 Acessado em 07.09.2023.

[11] Dotti, J. Terapias e Animais: Atividade Assistida por Animais. São Paulo: PC Editorial, 2005


IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

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