Seriam os tubarões os vilões dos sete mares?
Muitas pessoas foram, e ainda são influenciadas por filmes de suspense e terror, nos quais ferozes (e insaciáveis) tubarões atacam banhistas, surfistas e mergulhadores indefesos.
O primeiro deles estreou em 1975, dirigido por Steven Spielberg, baseado no livro Tubarão, de Peter Benchley. Mais de dez filmes foram produzidos desde então, nesta temática sensacionalista [1].
Mas, o que haveria de realidade e de fantasia nestas produções cinematográficas, focando o tubarão como um super vilão? Enaltecendo a necessidade de combates mortais, mostrando homens corajosos vencendo o inimigo?
De acordo com estudiosos, os ataques aos humanos ocorrem com baixa frequência. Entramos no mar para nos refrescar, para a prática de esporte e lazer, e voltamos para o ambiente terrestre. O ambiente marinho é a casa dos peixes, golfinhos, das baleias e de outros animais.
Pesquisa realizada nos EUA, entre 2001 e 2013, mostrou que 364 pessoas morreram atacadas por cachorros, e 11 devido ao ataque de tubarão [2].
Outro levantamento, realizado em 2023, pelo Museu de História Natural da Universidade da Flórida (EUA) apontou que estas ocorrências foram registradas com maior frequência na Nova Caledônia (arquipélago no oceano pacífico), Austrália, Estados Unidos e Brasil [3].
No litoral brasileiro, de 1920 a 2002, foram registrados 92 ataques, com 25 óbitos, sendo seis na década de 1970, 15 na década seguinte, e 50 nos anos 1990 [4]. De 1931 a 2021, foram constatados 15 no litoral paulista [5]. Em Recife (PE), de 1992 a 2021, 65 casos oficiais [3; 6], o maior índice internacional [4].
Cabe mencionar que a pele destes peixes é uma verdadeira lixa, e só de raspar nas pernas dos banhistas, já causa ferimentos. Há mordidas leves, quando eles atacam e vão embora, e há as mordidas mais graves.
Especialistas no assunto estimam que haja 400 espécies de tubarões no planeta, das quais 33 provocaram ferimentos em humanos, e 18 são comprovadamente as mais agressivas quando se trata da alimentação, destacando o tubarão branco, o cabeça-chata e o “tintureira” [4].
A maioria dos casos ocorre com indivíduos jovens, e no verão. Neste período, as praias estão mais lotadas. E é entre a primavera e o verão, que os tubarões jovens, estão aprendendo a caçar, primeiramente em águas rasas. “Nesta fase, explica Szpilman (2004, p.116), seu aprendizado se dá por tentativas, erros e acertos, podendo morder tudo que se move” [4].
Pesquisadores buscam respostas sobre os motivos que levam estes animais a se comportarem assim.
Como na natureza tudo está relacionado, identificaram: a diminuição na oferta de alimento devido à sobrepesca; à degradação de manguezais e áreas abrigadas onde ocorrem acasalamento e nascimento de filhotes; e maior presença de humanos dentro do mar, com atividades de esporte e lazer, principalmente a partir da década de 1980.
Bismark (2021) explica que “a maioria dos acidentes com tubarões no mundo inteiro é resultado da degradação do ecossistema causada por nós humanos. Tiramos alimentos deles, destruímos e poluímos o ecossistema onde eles vivem e, isso faz com que tenham dificuldade para alimentação e reprodução” [5].
No litoral pernambucano, estudos identificam a presença de espécies muito perigosas, o cabeça-chata e o “tintureira”, prováveis causadoras desses ataques à banhistas (que estariam nadando sozinhos e, portanto, com raras condições de serem socorridos, podendo se afogar) e surfistas, [4 – p. 124].
Há diversas recomendações para as pessoas preservarem suas vidas e aproveitarem o mar em segurança, como placas informativas orientando sobre áreas de risco (acima de 2 m de profundidade, próximo a fundeio de barcos de pesca, horários mais perigosos, alertas de Salva-Vidas, redes de segurança delimitando áreas protegida, entre outras [4 -p. 131].
Mas, em termos de alimentação, humanos comem mais tubarões do que o inverso, certo?
Segundo Sadovy (2019): “as capturas mundiais de tubarões superaram um milhão de toneladas por ano, mais do que o dobro de seis décadas atrás, ameaçando quase 60% das espécies de tubarões” [7].
Szpilman (2004), citou estudo realizado entre 1986 e 2000, pela Universidade de Halifax, Canadá, o qual revelou redução de 50% na população de oito espécies de tubarão, da região noroeste do oceano atlântico; e que 90% dos grandes peixes predadores (atum, espadarte e tubarão) praticamente diminuíram em número e em tamanho, comparando com a década de 1950 [4 – p.29].
No Brasil, Mayer [8] cita que, em Santa Catarina, há 25 anos não se vê um tubarão branco (a última vez teria sido em 1997).
Por que haveria tanto interesse em matar tubarões? Vingança ou ganância?
Surgiu na China antiga o costume de tomar sopa de barbatanas de tubarão, nos banquetes imperiais da Dinastia Song, ou Sung (960-1279 d.C.) Acreditavam que a força e a ferocidade do animal passaria para quem o comesse [8]. Esta crença ganha mais sentido, quando recordamos que, nesta época, o imperador enfrentava havia muitas guerras internas e externas.
Com o passar dos séculos, tal preferência gastronômica ganhou o status de um prato nobre, para ostentar riqueza e poder, sendo servido em casamentos luxuosos e banquetes de negócios oferecidos às pessoas muito importantes. Também está presente nos restaurantes exóticos de outros países.
Para seu preparo, cozinha-se a barbatana (que é uma cartilagem) por cerca de 24 horas para amolecê-la. Costumam desfiá-la, adicionando temperos como caldo de galinha e condimentos [7;9].
O interesse pelo comércio das barbatanas cresceu vertiginosamente nos mares asiáticos no século XX, até começar a escassear. Os barcos pesqueiros chineses avançaram para a costa da África e oeste dos EUA. Tornou-se vantajosa, para os empresários envolvidos no assunto, a contratação de pescadores de países da África, da América Central e do Sul, usando suas próprias embarcações.
Em 1989, The New York Times, denunciou que golfinhos estavam sendo mortos para servirem de isca na pesca de tubarão, na costa da Califórnia. As barbatanas eram enviadas para Hong Kong, Cingapura e Tóquio, ao preço de “US$ 11 a 12, por libra,” cada, estando secas, o valor era maior [10]. Em 1987, cita a reportagem, os desembarques de tubarões nas costas do Atlântico e do Golfo do México foram de 2.000 t.3, quase o dobro de 1986.
Não se sabe bem quando e aonde, cientes de que há mais interesse econômico nas barbatanas que no tubarão como um todo, alguns pescadores, que tinham barcos menores, passaram a trazer o peixe a bordo, cortar as partes lucrativas (nadadeiras e barbatanas), e jogá-los ao mar. Procedimento este denominado finning. A notícia se espalhou para os sete mares, e a crueldade aumentou.
Segundo Szpilman (2012), “parte do problema advém de dois fatores que se conjugam com a ganância humana. A carne das espécies, cujas nadadeiras são muito valorizadas, como dos martelos e dos azuis (em torno de 50 dólares/quilo de nadadeira seca ao sol, alcançam preços baixos no mercado (1.5 dólar/quilo da carne); e as embarcações de pesca, que têm certos limites físicos de armazenagem, por isso, o pescador atira o corpo do animal ao mar [12].
Como se fossem coisas, e não seres vivos, os tubarões mutilados, não conseguem nadar e, portanto, respirar, e vão afundando para morrerem no fundo do mar, e/ou serem comidos por outros predadores.
Dra. Irvênia pondera: “o que não tem alma é coisa, e coisa se usa e se descarta sem a menor preocupação ou culpa” (...), e é o que a humanidade faz com os animais, para atender aos seus egocentrados interesses” [13-p. 36].
A pesca indiscriminada, em todo planeta, está contribuindo para agravar o desequilíbrio ecológico do oceano. Os tubarões, também são “lixeiros” do mar, por se alimentarem de animais doentes, velhos e mortos [4].
Então, não se trata apenas de empatia com um animal que tem fama de mal, mas do agravamento da qualidade ambiental de ecossistemas bastante afetados pelo lançamento de efluentes domésticos e industriais, hidrocarbonetos, metais pesados, e por plástico, muito plástico.
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Referências bibliográficas
[1] Filmes sobre tubarões:
https://olhardigital.com.br/2024/06/15/cinema-e-streaming/os-10-melhores-filmes-de-tubarao/. Acessado em 20.11.2024
[2] SANTOS, Vanessa Sardinha dos. "Tubarão"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/animais/tubarao.htm. Acessado em 25.11.2024.
[3] National Geographic Brasil. Quais são as praias com mais ataques de tubarão no Brasil. Disponível em. Quais são as praias com mais ataques de tubarão no Brasil? | National Geographic. Publicado em 01.03.2024. Acessado em 20.11.2024.
[4] Szpilman. Marcelo. Tubarões no Brasil: guia prático de identificação. Aqualittera e Mauad Editora. R.J (RJ). 160 pp. 2004. Disponível em: Tubarões no Brasil: guia prático de identificação - Marcelo Szpilman - Google Livros. Acessado em 20.11.2024.
[5] G1 Vale do Paraíba. Ataques de tubarão: SP teve 15 casos em 90 anos, 2 deles neste mês em Ubatuba; entenda por que os animais atacam | Vale do Paraíba e Região | G1 2021. Acessado em 20.11.2024.
[6] Nascimento, Rayana M. do, & Rodrigues , Ana. C. da S. (2021). “Ataques de tubarões”: Relações multiespécie e gênero nas praias de Pernambuco-Brasil. Revista Ñanduty, 9(13), 254–271. Dossiê - Humanos e outros que humanos em paisagens multiespecíficas. Disponível em: “Ataques de tubarões”: Relações multiespécie e gênero nas praias de Pernambuco-Brasil. | Revista Ñanduty. Acessado em 22.11.2024.
[7] Criado, Miguel, A. O apetite humano ameaça a megafauna que resta. Disponível em: O apetite humano ameaça a megafauna que resta | Ciência | EL PAÍS Brasil. Extinção de espécies -. 09 FEB 2019 - 11:43 BRST. Acessado em 22.11.2024.
[8] Stam, Gilberto. Tubarões tornam-se raros na costa catarinense. Disponível em: Tubarões tornam-se raros na costa catarinense. Revista Pesquisa Fapesp. 23 nov 2022. Acessado em 22.11.2024.
[9] Fobar, Rachel. Barbatana de tubarão é banida em estados americanos, mas iguaria ainda está nos cardápios. National Geographic. 2019, atualizado em 05.11.2020. Disponível em: Barbatana de tubarão é banida em estados americanos — mas iguaria ainda está nos cardápios. Acessado em 22.11.2024.
[10] Bryant, Nelson. Ao ar livre, tubarões atraem protetores. The New York Times. 07.05.1989. Disponível em: Outdoors; Sharks Attract Protectors - The New York Times Acessado em 22.11.2024.
[11] Julião, André. Maior importador de carne de tubarão do mundo, Brasil é peça chave no mercado predatório de barbatanas. Jornal da UNESP. 10/01/2022, Atualizado em:10/01/2022. Disponível em: Jornal da Unesp | Maior importador de carne de tubarão do mundo, Brasil é peça-chave no mercado predatório de barbatanas Acessado em 23.11.2024.
[12] JusBrasil. Fiscalização é desafio para o Brasil após proibição da prática do finning. Publicado em 2012 na página JusBrasil. Publicado por Agência de Notícias de Direitos Animais - ANDA. Disponível em: Fiscalização é desafio para o Brasil após proibição da prática do finning | Jusbrasil. Acessado em 23.11.2024.
[13] Prada, Irvênia L.S.. A Questão Espiritual dos Animais. SP.SP. 330 pp.2019.