Barbatanas de tubarões e um oceano de tribulações – Parte 1

Um estudo de pesquisadores europeus, publicado na Revista Nature, em 2021, indicou que, de 1970 a 2020, a abundância de tubarões diminuiu em 71%, devido à atividade pesqueira abusiva (Brasil bate o recorde de maior apreensão de barbatanas do mundo – Voz dos Oceanos).

Em 1987, os desembarques de tubarões nas costas do Atlântico e do Golfo do México foram de 2.000 t.3, quase o dobro de 1986. Em 1989, The New York Times denunciou que golfinhos estavam sendo mortos para servirem de isca na pesca de tubarão, na costa da Califórnia. As barbatanas eram enviadas para Hong Kong, Cingapura e Tóquio, ao preço de “US$ 11 a 12, por libra,” cada [1]. 

Em 1997, de acordo com IBAMA, CEPENE e CEPSUL (1998) “o Brasil exportou 233 t de barbatanas secas, o que corresponde a 15.533 t de carcaças de tubarões capturados”, de espécies costeiras e oceânicas [2 – p.10].

Este relatório cita que “os tubarões são capturados de forma acidental, nas modalidades de pesca direcionadas à captura de atuns e afins, no entanto as maiores proporções dessas espécies são provenientes de atuneiros, que utilizam espinhel.” Dos demais métodos de pesca, as mais significativas são obtidas por caçoeiros, que usam rede-de-emalhe” [2].

Consta ainda que “barcos arrendados, com desembarques de barbatanas, iguais ou superiores a 800 kg, não são incomuns. Em seus porões, foram encontrados números muito inferiores ao de carcaças esperadas, o que evidencia o finning, isto é, o descarte dos tubarões após a retirada das barbatanas” [2 – p. 10 e 15]. 

1997 foi declarado “o ano mundial de proteção das raias e dos tubarões”, por organismos internacionais de conservação e preservação de natureza, incentivando estudos e pesquisas sobre a biologia, o comportamento, as pescarias e o circuito de comercialização dos produtos destas espécies [3].

A situação se agrava porque, dependendo da espécie, a maturidade sexual (para reprodução) ocorre a partir dos 15 anos de idade, como é o caso dos tubarões branco (4,5 a 6 m), limão e mangona (3 m), que se reproduzem a cada dois anos. As fêmeas de tubarão-branco e de tubarão touro (2,5 m) geram um ou dois filhotes por até 18 meses (1, 6 e 7). Há outras espécies que expelem ovos no mar, e que os retêm no seu interior até os filhotes nascerem. 

Em 1998, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO, lançou o Plano Internacional de Ação para tubarões. Visando conter os riscos e as consequências ligadas à essa exploração [3 – p.2]. 

Neste mesmo ano, o Brasil proibiu a rejeição ao mar das carcaças de tubarões dos quais tenham sido removidas as barbatanas (Art. 2 da Portaria IBAMA nº 121/1998 (Portaria IBAMA n° 121-N, 24 de agosto de 1998).

Em 1999, divulgou o Plano internacional de ação para conservação e gestão das raias e tubarões (PAI-Requins), “com o objetivo de assegurar a conservação e a gestão das raias e tubarões e seu uso sustentável a longo prazo. Estas medidas foram norteadas nos princípios de precaução, estabelecidos no Código de Conduta para uma pesca responsável” [3 – p.2].

Em 2000, os EUA proibiram a pesca de tubarões nas águas norte americanas.

Entre 2000 e 2011, a Indonésia tornou-se a maior “produtora” mundial de tubarões, com média anual de mais de 106.000 t. Neste período, as importações globais de barbatana para centros comerciais na China tiveram um volume médio anual de 16.815 t, com um valor de US$ 377,9 milhões por ano [4].

O centro do comércio de barbatanas está em Hong Kong, mas sua presença se estende por todo o mundo, com fornecedores que variam de grandes operações de pesca industrial, a pescadores de pequena escala que visam tubarões diretamente ou os retêm como captura acidental [4].

No litoral de Moçambique, era comum a pesca de tubarão junto com as redes de camarão. Mas, a partir de 2003, pescadores artesanais de algumas localidades passaram a pescá-los e os levarem para uma base em terra, onde suas barbatanas eram cortadas e desidratadas para suprir “o aparentemente insaciável mercado chinês de barbatanas de tubarão” Para proteger esta base, colocaram ferozes macacos babuínos como guardas [5]. 

Continuando, este procedimento, além de ilegal, contraria as regras de conduta das tribos dos quais pertenciam, gerando conflitos entre os próprios pescadores. Por desrespeitarem seus líderes tribais, foram expulsos pela comunidade local. Mas se uniram a outros, que tinham os mesmos interesses [5].

Entre 2006 e 2008, as campanhas de organizações não governamentais ganharam força, e o preço da comercialização diminuiu. Inclusive, com forte pressão ao governo chinês, para não servirem sopa de barbatanas em cerimônias oficiais, nos restaurantes e hotéis, por ocasião dos Jogos Olímpicos em Pequim. 

As campanhas de conscientização, com apoio da mídia internacional e de celebridades, como do ex-jogador de basquete chinês, Yao Ming, foram importantes para influenciar a opinião pública. Ele disse: “quando as pessoas estão informadas sobre o declínio das populações de tubarões e seu impacto sobre a saúde dos ecossistemas marinhos, e descobrem a crueldade na forma de capturá-los, a sopa dá mais vergonha que prestígio” [9].

Entre 2009 e 2019, o Brasil foi o maior importador de carne de tubarão em volume, com 149.484 t. Os maiores fornecedores foram o Uruguai (71.750 t) e a Espanha, líder mundial da exportação (30.441 t) [7].

Em 2011, foi proibido o comércio na Califórnia. Neste mesmo ano, o consumo da sopa caiu 80%, aproximadamente, na China [10].

Pescadores, comerciantes e negociantes, entre outros elos da cadeia lucrativa dos tubarões, incomodados com o prejuízo nos seus negócios, protestaram, na China e nos EUA. Eles não concordam que se trata de uma prática ilegal, e não acreditam que estejam em risco de extinção. 

Afirmam que, além das barbatanas, a carne e o estômago servem para alimentação, o óleo de fígado para fins terapêuticos, a espinha dorsal para extrair pó de cálcio, que da boca, dos dentes e das cartilagens são feitos artigos de decoração e adornos, e que da pele podem ser feitas carteiras etc. [1; 11].

De acordo com relatório da ONG WWF (2021), entre 2012 e 2019 o total movimentado pelo comércio legal de nadadeiras e carne de tubarões e raias foi de US$ 4.1 bilhões. Desse valor, US$ 1,5 bilhão diz respeito às barbatanas, enquanto US$ 2,6 bilhões se referem à carne [7].

No Brasil, não se tem o hábito de consumir esta tal sopa. Mas, entre 1998 e 2014, IBAMA e Polícia Federal apreenderão 85 t de barbatanas secas, no Pará e no Rio Grande do Sul, que seriam exportadas ilegalmente [7].

Neste interim, em 2012, o governo brasileiro publicou a Instrução Normativa Interministerial nº 14 do Ministério do Meio Ambiente - MMA, que dispõe sobre normas e procedimentos para o desembarque, transporte, armazenamento e comercialização de tubarões e raias capturados nas águas jurisdicionais brasileiras, e em alto mar, por embarcações nacionais e estrangeiras arrendadas no Brasil. Proíbe a devolução ao mar de animais mutilados e vivos. Exige dos pescadores o desembarque, com todas as nadadeiras aderidas ao corpo [8].

Em 2014, pelo MMA, foram publicadas as Portarias nº 125, que aprovou o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Tubarões e Raias Marinhos Ameaçados de Extinção (portaria-125-aprovacao-tubaroes), e a de nº 445, listando espécies de peixes e invertebrados aquáticos da fauna brasileira ameaçadas de extinção, incluindo tubarões, alterada pelas Portarias MMA nº 98/2015 e MMA nº 163/2015 (p_mma_445_2014_lista_peixes_ameaçados_extinção.pdf).

Por suposto, o setor pesqueiro manifestou-se contrariamente.

Christofoletti, representante da Unesco para a Década do Oceano, entende que a “redução desproporcional de uma determinada população causa desequilíbrio em toda a cadeia alimentar.” Considera “a necessidade de “se revisar o arcabouço legal, para considerar o ecossistema, mais do que as espécies individuais, e proteger a autonomia das comunidades que exploram o mar de forma sustentável, além de fortalecer a fiscalização” [12].

Toda esta situação é muito complexa. Há pessoas em busca de poder e dinheiro rápido, há jogo de interesses, tráfico internacional, corrupção etc. Do outro lado, há pessoas interessadas em proteger a vida marinha e fiscalizar quem desrespeita a lei. No meio, tubarões a beira da extinção.

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Referências bibliográficas

[1] Bryant, Nelson. Ao ar livre, tubarões atraem protetores. The New York Times. 07.05.1989. Outdoors; Sharks Attract Protectors - The New York Times. Acessado em 20.11.2024.

[2] Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, Centro de Pesquisa e Extensão Pesqueira do Nordeste – CEPENE, Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sudeste e Sul - CEPSUL. Relatório da VIII reunião do grupo permanente de estudos sobre atuns e afins. CEPENE – Tamandaré / PE 17 a 21.08.1998. Disponível em: rel_1998_atuns_afins_gpe.pdf

[3] CIPA. Plano de Acção Nacional para raias e tubarões de Guiné Bissau. CIPA, 2007. Disponível em: Microsoft Word - Plano de Acção Nacional Raias e Tubarões - Guiné-Bissau versão final de 06.10.09.doc. Acessado em 22.11.2024

[4] Jaiteh, Vanessa F.; Loneragan, Neil, R. e Warren, Carol. The end of shark finning? Impacts of declining catches and fin demand on coastal community livelihoods. Marine Policy. Vol. 82. Agosto, 2017. Pág. 224-233. Disponível em: The end of shark finning? Impacts of declining catches and fin demand on coastal community livelihoods - ScienceDirect Acessado em 22.11.2024

[5] Pierce, Simon J., Trerup, M., Willians C., e Raba, Nick. Shark fishing in Mozambique: A preliminary assessment of artisanal fisheries. Publicado em: Eyes on the Horizon. April 2008. Disponível em: (1) (PDF) Shark fishing in Mozambique: A preliminary assessment of artisanal fisheries Acessado em 22.11.2024

[6] National Geographic. Enorme tubarão-branco fêmea impressiona pela barriga avantajada. Ela está grávida ou engoliu uma baleia? Publicado em 08.08.2019. Disponível em: Enorme tubarão-branco fêmea impressiona pela barriga avantajada. Ela está grávida ou engoliu uma baleia? | National Geographic Acessado em 22.11.2024

[7] Julião, André. Maior importador de carne de tubarão do mundo, Brasil é peça chave no mercado predatório de barbatanas. Jornal da UNESP. 10/01/2022, Atualizado em:10/01/2022. Disponível em: Jornal da Unesp | Maior importador de carne de tubarão do mundo, Brasil é peça-chave no mercado predatório de barbatanas

[8] Assis, Luciene de. Documento interministerial regulamenta pesca de tubarões e arraias. Disponível em: Crueldade desnecessária — Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Publicado em 04/12/2012. Atualizado em 06/12/2012. 

[9] Criado, Miguel, A. O apetite humano ameaça a megafauna que resta. Disponível em: O apetite humano ameaça a megafauna que resta | Ciência | EL PAÍS BrasilExtinção de espécies -. 09 FEB 2019 - 11:43 BRST. Acessado em 22.11.2024.

[10] Fobar, Rachel. Barbatana de tubarão é banida em estados americanos, mas iguaria ainda está nos cardápios. National Geographic. 2019, atualizado em 05.11.2020. Disponível em: Barbatana de tubarão é banida em estados americanos — mas iguaria ainda está nos cardápios. Acessado em 22.11.2024. 

[11] Instituto Humanitas Unisinos. Proteção aos tubarões preocupa capital chinesa do corte de barbatanas. 31.01.2013. Disponível em: Proteção aos tubarões preocupa capital chinesa do corte de barbatanas - Instituto Humanitas Unisinos 

[12] Caniato, Bruno. Santa Catarina está no topo da lista da pesca ilegal. Revista Veja. Publicado em 27.04.2024. Atualizado em 03.06.2024. Disponível em: Levantamento de VEJA: Santa Catarina está no topo... | VEJA. Acessado em 20.11.2024.

IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

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