Barbatanas de tubarões e um oceano de tribulações - Parte 2

Como tudo está conectado na teia da vida, as decisões de âmbito governamental devem considerar a governança transfronteiriça dos territórios marinhos [1].

As campanhas em prol dos tubarões continuam, por parte de organizações não governamentais, pesquisadores e personalidades, mesmo com pouco resultado.

Em 2019, o Chef de Cozinha Internacional, Gordon Ramsay, produziu um documentário na Costa Rica sobre a indústria da pesca de tubarões e as sopas de barbatanas. Certo momento disse: “Esse é, sem dúvida, o pior ato de crueldade animal que eu já vi" [2].

Nos EUA, há grande procura por sopas de barbatanas em restaurantes, mesmo sendo proibido em 12 estados. Há multas, apreensões de mercadorias e detenção. Estas medidas não impediram a procura, nem a oferta. 

Os próprios agentes dos órgãos governamentais reconhecem a dificuldade de exercer a fiscalização nas inúmeras embarcações de pesca, nos muitos entrepostos, mercados e restaurantes, porque há muito trabalho na área ambiental para pouca gente.

Além disso, ainda citando os EUA (dados de 2020), as multas aos estabelecimentos não chegam a 1 mil dólares, enquanto um quilo de barbatana desidratada é vendido por US$400, e a sopa de US$50 a US$200 [2].

Em 2023, houve um infeliz recorde mundial no litoral de Santa Catarina. Fiscais do IBAMA apreenderam 29 t de barbatana de origem irregular, a bordo. A carga pertencia a uma empresa de Itajaí [3].

Em janeiro de 2024, uma empresa flagrada pelo Ibama, que já havia sido condenada ao pagamento de danos materiais pela comercialização de pescado sem autorização (captura ilegal de tubarões), foi condenada pelo Ministério Público Federal ao pagamento de indenização por danos morais coletivos [4]. 

Em junho de 2024, houve um encontro técnico com representantes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), pela Cooperação Regional para Enfrentar Crimes Ambientais, do Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, do Ibama, da Polícia Federal e órgãos de Santa Catarina, referente à identificação e fiscalização de barbatanas em portos e aeroportos [5].

Até setembro de 2024, segundo dados da Receita Federal, quase meia tonelada de barbatanas foi apreendida no Ceará, usando notas fiscais falsas e declarações duvidosas, como peixe seco e fios, avaliadas em mais de R$ 4 milhões. As cargas eram procedentes do litoral cearense, de Vitória (ES) e de João Pessoa (PB), e iriam para China [6;7].

Não é só no Brasil que as pessoas “dão um jeitinho” para burlar a lei. Donos de restaurantes na Califórnia, Texas e em Nova York, onde foi proibida, alegam que preparam a tal sopa, com espécies permitidas ou imitando a barbatana [2].

A técnica adotada para comprovar o nexo causal é o teste de DNA em amostras de sopas coletadas nestes restaurantes. Estudo de 2012 [2] encontrou indícios de oito espécies ameaçadas de extinção e vulneráveis nos EUA.

No Brasil, a técnica de identificação das barbatanas de tubarão por meio do sequenciamento do código genético também é empregada para determinar a identidade de espécies e auxiliar os órgãos competentes.

Pesquisadores brasileiros analisaram o DNA de 747 amostras de 13t de barbatanas apreendidas pelo Ibama: 338 em Belém (PA), 211 em Natal (RN) e 198 em Cananeia (SP). Concluíram que pertenceram a 20 espécies diferentes, as quais constam da lista da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Selvagens em Perigo de Extinção – CITES [8; 9].

Mapeamento realizado por pesquisadores brasileiros e ingleses, entre outros, monitorou 23 espécies de tubarões via satélite, com aparelhos inseridos em seu dorso, sem molestá-los. Comprovaram que um indivíduo marcado em Fernando de Noronha foi visto posteriormente em Senegal, África [10].

Suas pesquisas demonstraram a necessidade urgente de medidas de conservação e manejo em pontos críticos de alto mar, de uso do espaço de tubarões. Destacam o potencial da vigilância simultânea por satélite da megafauna e dos pescadores como uma ferramenta para o gerenciamento dinâmico e quase em tempo real [11].

Concluindo, vimos, nestes três artigos por nós publicados, o quanto que a pesca abusiva dos tubarões, principalmente visando as barbatanas, em diversas regiões costeiras e marinhas, comprovadamente para atender aos interesses de poucos cidadãos planetários, está ameaçando a vida de muitas espécies.

Destacamos a existência de instrumentos legais nacionais e acordos internacionais; a importância da pesquisa, da fiscalização dos órgãos competentes em cooperação mútua, e do Plano Nacional de Proteção Ambiental em cumprimento aos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

A sobrepesca (pesca predatória), com as quilométricas redes de espinhel, a pesca de emalhe e com as redes de arrasto de fundo, visando ou não tubarões no Brasil, está ameaçando a existência de tartarugas, baleias e toninhas (menor espécie de golfinho). Estes animais ficam presos nas redes ou nos anzois, debaixo d’água, e morrem por não conseguirem vir à superfície respirar.

Assim, urge a necessidade de mudanças: maior conscientização das partes envolvidas, revisão das técnicas de pesca predatória, emprego de recursos na ação fiscalizadora, apoio de programas de conscientização socioambiental, gerenciamento de conflitos, investimentos em maricultura, e estabelecimento de áreas ecologicamente sensíveis, dotadas dos devidos recursos, onde a pesca seja proibida e a vida marinha preservada.


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Referências bibliográficas

[1] Jaiteh, Vanessa F.; Loneragan, Neil, R. e Warren, Carol. The end of shark finning? Impacts of declining catches and fin demand on coastal community livelihoods. Marine Policy. Vol. 82. Agosto, 2017. Pág. 224-233. Disponível em: The end of shark finning? Impacts of declining catches and fin demand on coastal community livelihoods - ScienceDirect  Acessado em 22.11.2024

[2] Fobar, Rachel. Barbatana de tubarão é banida em estados americanos, mas iguaria ainda está nos cardápios. National Geographic. 2019, atualizado em 05.11.2020. Disponível em: Barbatana de tubarão é banida em estados americanos — mas iguaria ainda está nos cardápios. Acessado em 22.11.2024. 

[3] Caniato, Bruno. Santa Catarina está no topo da lista da pesca ilegal. Revista Veja. Publicado em 27.04.2024. Atualizado em 03.06.2024. Disponível em: Levantamento de VEJA: Santa Catarina está no topo... | VEJA  Acessado em 22.11.2024

[4] Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Assessoria de Comunicação Social. Empresa é condenada por danos materiais e morais coletivos por arrancar e vender barbatanas de tubarões. 14/02/2024 – Decisão. Disponível em: TRF1 - Empresa é condenada por danos materiais e morais coletivos por arrancar e vender barbatanas de tubarões. Acessado em 22.11.2024

[5] UNODC Brasil. UNODC Brasil e USFWS organizam Programa de Identificação de Barbatanas de Tubarão, em Itajaí-SC. Julho/2024. Disponível em: UNODC Brasil e USFWS organizam Programa de Identificação de Barbatanas de Tubarão, em Itajaí-SC

[6] Bento, Gabriela. Carga de barbatanas de tubarão avaliada em R$ 1,5 milhão é apreendida no Ceará. Em colaboração para a CNN. Publicada em 24.09.2024. Disponível em: Carga de barbatanas de tubarão avaliada em R$ 1,5 milhão é apreendida no Ceará | CNN Brasil Acessado em 22.11.2024

[7] Brito, Thaís. Entenda por que barbatanas de tubarões apreendidas no Ceará são avaliadas em milhões de reais. G1. Publicado em 22.09.2024, atualizado em nov/24. Disponível em: Entenda por que barbatanas de tubarões apreendidas no Ceará são avaliadas em milhões de reais | Ceará | G1 Acessado em 22.11.2024

[8] Julião, André. Maior importador de carne de tubarão do mundo, Brasil é peça chave no mercado predatório de barbatanas. Jornal da UNESP.  10/01/2022, Atualizado em:10/01/2022. Disponível em: Jornal da Unesp | Maior importador de carne de tubarão do mundo, Brasil é peça-chave no mercado predatório de barbatanas

[9] Almerón-Souza F, Sperb C, Castilho CL, Figueiredo PI, Gonçalves LT, Machado R, Oliveira LR, Valiati VH, Fagundes NJ. Molecular identification of shark meat from local markets in southern brazil based on DNA barcoding: evidence for mislabeling and trade of endangered species. Front Genet 9:138. 2018. Disponível em: DNA-based species identification of shark finning seizures in Southwest Atlantic: implications for wildlife trade surveillance and law enforcement | Biodiversity and Conservation. Acessado em 22.11.2024

[10] Guimarães, Maria. Mapeamento indica onde pesca ameaça tubarões oceânicos. Revista Pesquisa Fapesp. 24.07.2019. Disponível em: Mapeamento indica onde pesca ameaça tubarões oceânicos: Revista Pesquisa Fapesp

[11] Queiroz, N., Humphries, N.E., Couto, A. et al. Global spatial risk assessment of sharks under the footprint of fisheries. Nature. 572, 461–466 (2019). Acessado em 23.11.2024

IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

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