Cuidando de animais após as chamas do Pantanal

O bioma Pantanal é conhecido por apresentar um conjunto de rios e lagoas, o qual forma, no período chuvoso, uma das maiores áreas úmidas do mundo (14.000.000 hectares) e uma extensa área terrestre, com vegetação típica do centro-oeste, abrangendo o Brasil, o Paraguai e a Bolívia. 

Na visão ecossistêmica, toda essa área está intrinsecamente relacionada com os biomas da Amazônia e do Cerrado. Portanto, o que acontece de ruim em um deles, afeta os demais.

Esta diversidade de ecossistemas pantaneiros, aquáticos e terrestres, situados entre o sudoeste do estado de Mato Grosso e noroeste do estado de Mato Grosso do Sul, favorece a presença de uma grande riqueza de fauna e flora. 

Especialistas identificaram 4.700 espécies sendo: 3.500 espécies de plantas (árvores e vegetações aquáticas e terrestres), 325 peixes, 53 anfíbios, 98 répteis, 656 aves e 159 mamíferos. Incluindo aquelas que só existem na região, por exemplo o tuiuiú e o cervo do pantanal (Observatório Pantanal, 2021).

Segundo a mesma matéria, 40 organizações da sociedade civil do Brasil, Paraguai e Bolívia trabalham para “conservar, preservar, valorizar e manter esse bioma tão diverso, rico e complexo que é o Pantanal”.

A Unidade de Conservação do Pantanal compreende um conjunto de quatro áreas protegidas contíguas: o Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense e as Reservas Especiais do Acurizal, Penha e Doroche, abrangendo uma área total de 187.818 hectares (UNESCO, 2000).

Por toda esta biodiversidade, o Pantanal, foi declarado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988, e Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura em 2000 (UNESCO, 2000). 

Mas, o triste berrante dos boiadeiros tocou com pesar quando os incêndios florestais começaram a se espalhar, queimando tudo pela frente. 

Em 2020, as queimadas causaram a morte de 17 milhões de animais, segundo estudo publicado na Revista Pesquisa FAPESP (2021). 

Médicos veterinários da Embrapa Pantanal e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) avaliaram 126 áreas queimadas no norte e no sul do Pantanal, entre 1º de agosto e 17 de novembro de 2020. Eles identificaram 302 carcaças de anfíbios, répteis, aves e mamíferos (TOMAS, e MORATO et al. In Scientific Reports, 2021).

Em 2024, infelizmente, vimos cenário muito pior, em parte devido à forte estiagem. De 1º de janeiro a 13 de outubro de 2024 foram queimados 2.414.075 hectares no Pantanal, sendo, aproximadamente, 76% de propriedades particulares e 15% de terras indígenas (p. 17 e 30 do Boletim #16 do MMA, 2024 - boletim-15-out).

Valorizamos o trabalho dos 936 profissionais do Governo Federal, maioria do IBAMA e do ICMBio, incluindo integrantes da FUNAI, entre tantos outros, que se dedicaram intensamente no combate às chamas e na captura dos animais.

Felizmente, 625 animais silvestres (onças, jaguatiricas, antas, tamanduás e veado cateto, entre outros) foram resgatados (de janeiro até 13.10.24, p. 32), por equipes de médicos veterinários, biólogos e técnicos do ICMBio, do Grupo de Resposta a Animais em Desastres, de universidades, e de ONGs. 

Após receberem os primeiros atendimentos, eles foram levados para Centros de Reabilitação de Animais Silvestres, com a intenção de serem devolvidos à natureza, posteriormente.

Em entrevista para o Jornal G1, de 17.08.2024, o Biólogo Gustavo Figueiroa, diretor do Instituto SOS Pantanal, mencionou que muitos animais estavam com queimaduras nas patas e em outras partes do corpo (G1, 2024). 

Uma das técnicas mais empregadas para tratamento das partes queimadas é a aplicação de pele do peixe Tilápia do Nilo, com ótimos resultados, proporcionando uma recuperação muito satisfatória.

A técnica de usar a pele da tilápia para tratar queimaduras, de 1º e 2º graus, foi desenvolvida por equipe médica de Fortaleza (CE), em 2015, sendo reconhecida e replicada em sete estados brasileiros e em outros países.

Os primeiros experimentos foram realizados em laboratório, com camundongos, que se recuperaram bem. Depois, foi testado em um jumento que estava com a pata queimada, também com bom resultado. 

Em 2020, médicos veterinários empregaram este recurso para tratar de animais resgatados dos incêndios do Pantanal, com queimaduras nas patas, em curto espaço de tempo. E, em 2024, os procedimentos estão sendo repetidos.

A tilápia do Nilo, como diz o próprio nome, é originada da África. Historiadores citam que os egípcios apreciavam muito este pescado, a 4.000 a.C. e possivelmente já a cultivavam em tanques.

Depois da carpa, é o segundo peixe mais produzido no mundo. O Ceará, é um dos quatro maiores produtores do mundo, junto com a China, Indonésia e Egito. 

A reprodução ocorre até 12 vezes ao ano. As fêmeas botam de 800 a 2.000 óvulos, os quais são fecundados pelos machos. Os ovinhos são incubados e protegidos na boca das mamães até eclodirem, e por mais alguns dias ficarão sob sua proteção.

Nestes criadouros, pequena porcentagem da pele é utilizada para artesanato. O restante era descartado. Após a descoberta de suas propriedades terapêuticas, muitos animais não humanos e humanos puderam ser beneficiados.

Por ser rica em ômega e colágeno, acelera o processo de cicatrização, de regeneração da pele, mantem a pele hidratada, ajuda a fechar as feridas, diminui o risco de infecção de fungos e bactérias.

O tratamento é de baixo valor, evita dor e estresse do animal e cura queimaduras de até 2º grau. Cientistas observaram que a pele não causa alergias nem rejeição, diminui a sensação de dor, evita a dolorosa e incômoda troca diária de curativos para aplicação de pomadas, diminuindo o sofrimento e, proporcionando a recuperação do tecido em cerca de três meses.

Identificamos também que um grupo formado por 12 diferentes instituições de Mato Grosso do Sul, estão trabalhando com a proteção dos animais em locais de risco. Além disso, estão oferecendo “o aporte nutricional” para que possam continuar se alimentando, até que as áreas afetadas pelo fogo se regenerem.

Tudo o que desejamos é que as queimadas ocorridas em 2024 no Pantanal e em outras regiões brasileiras tenham deixado um rastro de muitas lições de vida tanto àqueles que atearam fogo conscientemente, como aos governantes e empresários, relembrando a sábia frase: prevenir é melhor que remediar!


___________

Referências bibliográficas

Observatório Pantanal. Pantanal e a sua importância para humanidade. Disponível em: https://Observatorio Pantanal.org.noticias 12.11.2021. Acessado em 30.09.2024.

UNESCO. Pantanal, patrimônio mundial da humanidade. Disponível em: Área de Conservação do Pantanal - Centro do Patrimônio Mundial da UNESCO.2000. Acessado em 30.09.2024.

G1. Em três meses, 564 animais foram resgatados dos incêndios no Pantanal. Disponível em: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2024/08/17/em-tres-meses-564-animais-foram-resgatados-dos-incendios-no-pantanal.ghtml. Acessado em 30.09.2024.

Lima Jr, E. M. et al. Uso da pele de tilápia (Oreochromis niloticus), como curativo biológico oclusivo, no tratamento de queimaduras. Revista brasileira de queimaduras, Limeira, v. 16, n. 1, p.10-7, 2017. Disponível em: http://repositorio.ufc.br/handle/riufc/28917. Acessado em 01.10.2024.

Rocha, L.M.R, da Costa, I.M.S., Lucato, F.A. Olivares, V.C. Bandagem biológica com pele de tilápia em lesão de cauda de gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita): relato de caso230111891.pdf (editoracientifica.com.br) 2023. Acessado em 01.10.2024

Rivas, J. C. V.; Alves Jr, G. L.; Santos, J. A.; Oliveira, R. C. de.; Pereira, V. M.; Alves, M. M. S.; Cintra, B. Uso de pele de tilápia como tratamento para pacientes queimados em adultos, crianças e animais: uma revisão integrativa. Research, Society and Development, [S. l.], v. 11, n. 12, p. e410111234642, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i12.34642. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/34642 . Acessado em: 28.09.2024.

Tomas, W. et al. Incêndios no Pantanal mataram 17 milhões de animais. Revista Pesquisa FAPESP - Scientific Reports, 16 de dezembro - Scientific Reports. 2021. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/incendios-no-pantanal-mataram-17-milhoes-de-animais/#:~:text=A%20mortalidade%20foi%20maior%20entre,Reports%2C%2016%20de%20dezembro). Acessado em 29.09.2024

LIMA-JUNIOR, E. M. Tecnologias inovadoras: uso da pele da tilápia do Nilo no tratamento de queimaduras e feridas, 2018. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/09/915013/v16n1a01.pdf. Acessado em 02.10.2024.

IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

Anterior
Anterior

Vegetarianismo, veganismo e antiespecismo

Próximo
Próximo

Vida de gado