Animais têm alma, sentimentos e direitos como você e eu?

Neste presente artigo, trazemos reflexões sobre a relação entre os animais não humanos e nós, desejando ampliar a conexão de amor com mais respeito e compreensão que tanto merecem. Relação esta que vem evoluindo à medida que ampliamos nossos conhecimentos e nossa maneira de vê-los.

Por muitos séculos até o presente, desde a Grécia antiga, antes da era cristã, filósofos, cientistas e religiosos discutiam e discutem se animais, ditos irracionais, teriam alma e sentimentos, assim como os humanos.

Quando pesquisamos, na internet, sobre o conceito de alma surgiram, aproximadamente, 154.000.000 resultados, em 0,48 segundos (em 25.06.2023). Citemos alguns exemplos desta definição: ser, ser espiritual, vida, criatura, espírito, e consciência extracorpórea.

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), que deixou várias contribuições à metafísica, ensinava que a alma é o princípio da vida, e nisto consiste a diferença essencial entre um ser vivo, como os animais, e não-vivo, como as rochas (Vieira, 2021).

René Descartes (1596-1650), grande influenciador da sua época, na Europa, concebia a alma como tudo aquilo que fornecesse a possibilidade de pensar e de estar no mundo, independe do corpo físico, portanto, é imortal. É dele aquela famosa frase: “penso, logo existo”!

Segundo Carvalho (2020), Descartes entendia que a alma que se faz presente no homem é a racional, e a que se faz presente nos animais é “puramente mecânica”, e manifesta apenas sensações orgânicas como fome, sede e dor.

Descartes defendia a tese que “os animais não humanos são como máquinas”. Isto é, apresentam reações mecânicas diante de certos estímulos ou situações (ROCHA, 2006). Por exemplo, se um cão velho geme devemos interpretar como um ruído, assim como a roda de uma carroça velha. Para ele, animais não têm sensações (experiências sensoriais) e não pensam, pois são incapazes de usar uma linguagem para expressar seus pensamentos.

Cabe mencionar que, por muitos séculos, na cultura europeia, não tinham alma nem os escravos da África, nem os índios das Américas, até o final do século XIX. As mulheres também “não tinham alma” até o Concílio de Macôn, em 585 d.C., uma reunião de cardeais católicos.

Ainda exemplificando a maneira como os animais eram vistos antigamente, citemos Thomas Hobbes (1588 – 1679), que na obra O Leviatã, afirmou que a curiosidade “não existe em qualquer criatura viva a não ser no homem” (HOBBES, 1974 – p.35).

Será? Quantos anos já se passaram e, ainda há pessoas que pensam como Descartes e Hobbes, por isso maltratam os animais?

Charles Darwin (1809-1882) teve um contato próximo com outras culturas e com diferentes animais, durante as viagens que fez para embasar seus estudos sobre a Teoria da Evolução, relatadas em A Origem das Espécies, de 1859. Posteriormente, em 1872, publicou A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, demonstrando comportamentos, expressões e formas de comunicação.

Por exemplo, as semelhanças na relação afetiva entre mães e filhotes (bebes) em diferentes mamíferos. Manifestações de ciúmes, tristeza, choro, alegria e risadas, em diversas espécies de macacos, conforme as circunstâncias.

Darwin foi o primeiro a mencionar que a cooperação e a empatia, diante do sofrimento alheio, não ocorrem apenas entre humanos, mas em cães, gatos, cavalos e em diferentes espécies de macacos. Isto é muito mais que puro instinto que supunha Descartes.

No século XX, estudiosos de comportamento animal relataram tais gestos de nobreza da alma em leoas, golfinhos, baleias e elefantes. E, quanto mais se aprofundam nestas pesquisas, mais revelações incríveis afloram, em diversos países, cativando investimentos para a preservação da fauna e da flora, em áreas de proteção ambiental, na formulação de legislação pertinente ao tema, e no crescimento do turismo “ecológico”.

Infelizmente, para muitos homens gananciosos, animais silvestres e aquáticos não têm alma nem sentimentos. Há séculos que eram e continuam sendo vistos como fonte de riqueza e de poder. Assim sendo, centenas de elefantes e rinocerontes, só para citar alguns exemplos, foram mortos para extração de suas presas para adornos pessoais e enfeites de casas. Milhares de tubarões e baleias foram mortos para abastecer restaurantes asiáticos de classe alta.

 A médica veterinária Irvênia Prada (2019) no seu livro A Questão Espiritual dos Animais, comenta que na visão de homens assim: o que não tem alma é coisa, e coisa se usa e se descarta sem a menor preocupação ou culpa” (...), e é o que ainda a humanidade faz com os animais, para atender aos seus egocentrados interesses” (p. 36).

 A zoóloga Dian Fossey (1932 – 1985) estudou profundamente a vida dos gorilas gigantes da montanha na África, e descobriu que eram seres muito inteligentes. Ela foi assassinada em Uganda por defende-los em um parque nacional, onde a fiscalização era precária. Estavam ameaçados de extinção pela destruição do seu habitat e por caçadores, muitos dos quais eram pagos apenas para decepar suas mãos para serem vendidas como cinzeiros (cenas de documentário).

 Segundo França e Lopes (2021), as ações de pesquisa e preservação que se seguiram ajudaram a salvá-los, pois em 1985 haviam 280 gorilas, e em 2021 estima-se mais que um mil.

 Mark Bekoff (EUA) relatou exemplos de cooperação entre lobos e macacos babuínos. No livro A Vida Emocional dos Animais (2007), ele comentou: “todo mundo sabe que os animais cooperam uns com os outros” (...) e “os animais se beneficiam mais ajudando uns aos outros do que competindo entre si”. Podemos então dizer que o esforço de Dian Fossey não foi em vão, pois atraiu a cooperação de almas boas.

Irvênia (op. citi) afirmou que “os animais são seres sencientes” e que, “para ter sensibilidade, é preciso ter inteligência”. Escreveu: “comumente, tem-se a noção que os animais (não humanos) agem apenas por instinto e os seres humanos, por inteligência, mas a realidade passa bem longe disso (p. 39).

Ela citou trechos do Livro dos Espíritos (de 1857) e de A Gênese (de 1868), de Allan Kardec, concluindo que os animais têm alma e sentimentos, são espíritos que evoluem, possuem instinto e inteligência. E que estas afirmações só foram evidenciadas, cientificamente, por Gregory Bateson, na década de 1960.

Bateson, escreveu Irvênia, considerou que “o processo cognitivo de manifestação da vida é mental” e “admite a existência da mente em todos os seres vivos.” Isto derruba a concepção de Descartes que a mente seria exclusividade dos humanos (pp. 45, 140 e 141). Mais adiante, na Declaração de Cambridge de 2012, neurocientistas admitem que os animais têm consciência.

Será que esta consciência e sensibilidade continuam depois do falecimento de corpo físico?

No livro A Alma dos Animais, Manifestações Metapsíquicas, Prof. Bozzano (2007) analisou 130 relatos sobre a sensibilidade extrafísica em animais, por métodos científicos, de 1885 a 1923, aproximadamente. Por exemplo, quando uma senhora acordou com a sensação de ter ouvido sons de seu cãozinho, que estava preso na coleira. Minutos depois sua filha desesperada, pede ajuda, pois ele havia se enrolado na guia e já estava sem respirar. Felizmente foi salvo.

Há episódios de intuição e telepatia, entre tutores e pets, e, casos de visões de animais falecidos, demonstrando que o princípio inteligente e os sentimentos de afeto persistem após o falecimento.

Bozzano conclui que “certamente os animais domésticos, que gostamos, sobrevivem à morte do corpo e nós os reveremos um dia no mundo espiritual, no qual acredito piamente”.

 

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BEKOFF, M. A vida emocional dos animais: alegria, tristeza e empatia nos animais, um estudo científico capaz de transformar a maneira como os vemos e os tratamos. Título original: The Emotional Lives of Animals. Tradução Denise de C.R. Delela. São Paulo, SP. Editora Cultrix. 207p. 2010.

BOZZANO, E. A Alma dos Animais: manifestações metapsíquicas. Trad. Gabriela de França Nanni. Golden Books. SP/SP. 223 pp. 2007.

CARVALHO, J.B.de. A relação corpo e alma no pensamento de René Descartes. Mestrado em Filosofia. Programa de Pós Graduação em Filosofia Pontifícia Universidade Católica PUC-SP São Paulo 2020. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/bitstream/handle/24323/1/Jociel%20Batista%20de%20Carvalho.pdf Acessado em 25.06.2023.

 DARWIN, C. A expressão das emoções no homem e nos animais. Título original: The expression of the Emotions in Man and Animals, publicado em 1872, Londres. Companhia das Letras, SP/SP, 2009. 341 p.

 FRANÇA, B. e LOPES, L. Dian Fossey: história de conservação dos gorilas das montanhas. Revista Galileu. 16 Jan 2021. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/noticia/2021/01/dian-fossey-historia-de-conservacao-dos-gorilas-das-montanhas-em-6-imagens.html

HOBBES, T. O Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. 1ª edição. SP/SP. Ed. Abril Cultural – Serie Os Pensadores. 423 p. 1974.

PRADA, I. L. S. A Questão Espiritual dos Animais. FE Editora Jornalística Ltda. São Paulo, SP. 2019. 303pp.

ROCHA, E.M. Animais, homens e sensações segundo Descartes. Artigos. Kriterion Revista de Filosofia. Artigos 45 (110). Publicado em 09 Maio 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/kr/a/ykzcBMDkRfLrnT3Vry7d9XK/

VIEIRA, S. Alma segundo Aristóteles. Publicado em 26.07.2021, última atualização em 07.06.2023. Disponível em: https://filosofiadoinicio.com/alma-para-aristoteles/

 

IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

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