Entrevista com Paula Frassinete

" O número de baleias mortas no estado da Paraíba, durante as atividades da COPESBRA, passava da casa de centenas por temporada, chegando algumas vezes a alcançar a cota de 1.000 animais. Ou seja, a Paraíba se tornou o último reduto de caça de baleias no Brasil. Tudo isso foi trazendo para nós a certeza de que nós precisávamos fazer alguma coisa."

A entrevistada deste mês no Jus Animalis tem nome de Santa e nasceu no dia em que seria promulgada, pela Unesco, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Coincidência ou não, o fato é que a professora Paula Frassinete Lins Duarte é uma mulher que, à frente da Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN), fez história no movimento ecológico brasileiro ao buscar mudanças de postura na desigual relação do homem com o meio ambiente. E logo de cara teve seu batismo de fogo, sabido que o estado da Paraíba era o último reduto da caça de baleias no Brasil, e o grito dos ecologistas, dentro e fora do país, já pedia o fim do massacre desses animais que migravam às águas quentes para acasalamento e reprodução.  Há mais de quarenta anos, portanto, que Paula Frassinete foi à luta em defesa das baleias, atuando ao lado de Entidades Ambientalistas parceiras, de muitos colegas, de estudantes e de voluntários. Isso pouca gente sabe e merece agora ser conhecido.

Como será mostrado nesta entrevista inédita, a partir de 1958 a Companhia de Pesca Norte do Brasil (COPESBRA) tornou-se subsidiária da empresa japonesa Nippon Reizo, que passou a caçar baleias na praia do Costinha, em Lucena/PB. Na armação que ali existia os animais atingidos pelos arpões eram retalhados publicamente, em um espetáculo macabro que chegou a ser incorporado ao Calendário Turístico da Paraíba.  Se até meados dos anos 70 a cota de abate autorizada pela Comissão Internacional Baleeira chegava a 1.000 animais por temporada, submetendo jubartes, cachalotes e espadartes ao risco de extinção, os canhões dos navios japoneses passaram depois a mirar a espécie minke, que embora de menor porte também rendia aos empresários do setor baleeiro lucros extraordinários com a extração de óleo, carne, barbatanas, fabricação de farinha de ossos, argamassa e uma série de outras utilidades comerciais.

Se a caça das baleias obteve moratória em 1985 e acabou sendo proibida definitivamente em 1987, com a superveniência da Lei dos Cetáceos, o trabalho da APAN prosseguiu firme em outras frentes de lutas ambientais, dentre elas a educação ambiental nas escolas, a manutenção da Mata do Buraquinho, a defesa do Rio Jaguaribe, a implantação do Parque do Cabo Branco, os mutirões de limpeza de praia, a ação contra queimadas em rodovia e a proibição legal de construir prédios altos (espigões) na orla de João Pessoa, medida esta inserida na própria Constituição do Estado de Paraíba, cujo artigo 229 é fruto do empenho dos integrantes da APAN e da sociedade paraibana. A entrevistada, que também exerceu mandato de vereadora em João Pessoa entre 2005 e 2008, em data mais recente foi homenageada pela Assembleia Legislativa da Paraíba com o título de cidadã paraibana, tamanha a relevância de seu trabalho em prol de um mundo melhor. 

O Jus Animalis sente imenso orgulho em mostrar um pouco da vida e obra da ativista e professora universitária Paula Frassinete, que se graduou em Ciências Biológicas pela UFPE e fez mestrado em Zoologia com foco em Ecologia pela UFRJ. Sua incansável trajetória de lutas em defesa do ambiente, dos animais, das minorias excluídas, da cidadania plena e da justiça social, combatendo o racismo, os preconceitos e a violência, é algo simplesmente inspirador. Ainda que o esforço da APAN para a realização de tantas conquistas tenha sido coletivo, a partir de uma somatória de vozes e de ações, o fato é que a liderança, o carisma, a simpatia, o conhecimento, a sensibilidade e o idealismo de nossa entrevistada contribuíram muito nas vitórias obtidas. Também por isso, como Educadora que é, Paula Frassinete ensina que acreditar nos sonhos nos motiva a viver e agir. Com a palavra, então, a querida ativista ambiental que tanto tem defendido o planeta e uma vida digna para todos os seres.        

Jus Animalis - Conte um pouco sobre sua trajetória de vida: origem, escolhas que fez, formação acadêmica, atuação como professora e seu olhar sempre atento à sustentabilidade e à justiça social. Quando o meio ambiente se tornou parte essencial disso? 

Paula Frassinete - Nasci no agreste pernambucano, cidade de Pesqueira, em 27 de janeiro de 1943. Venho de uma família paupérrima e quando completei sete anos de idade seguimos todos – pai, mãe e filhas -, para o Recife, onde comecei a estudar. Na capital meu pai passou a trabalhar como guarda de trânsito e, também, alfaiate, criando assim seus oito filhos. Morávamos em um bairro bem periférico, chamado Tejipió. De 1954 a 1958 fiz o curso ginasial. Meu professor de Ciências, chamado Djalma, era estudante de Medicina (na época não havia Licenciaturas e a Disciplina Ciências era ministrada por estudantes de Medicina, enquanto a Matemática ficava a cargo de estudantes de Engenharia). Ele tinha verdadeira paixão por plantas e animais e suas aulas eram inspiradoras. E assim eu me iniciei nos estudos. Imagina só uma família muito pobre, com uma filha estudante, o que se esperava daquela menina? Que se tornasse médica, engenheira ou advogada. Mas minha escolha seria outra, a biologia. Cursei o Instituto de Educação e em 1963 me tornei professora no estado de Pernambuco. Nas minhas aulas de Ciências, aliás, eu já tinha o hábito de levar os alunos ao Horto Florestal de Dois Irmãos, para dar aulas ali, em meio à natureza. Essa ligação com o meio ambiente já se pronunciava em mim como algo muito forte.   

Até que fiz o vestibular para a área que sempre quis. Fui aprovada em 1964 e me tornei aluna do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pernambuco. No ambiente universitário nosso grande ícone em assuntos de ecologia era o Prof. João de Vasconcelos Sobrinho, tido como pioneiro dessa área no país. Acabei me tornando aluna dele em algumas disciplinas e aprendi muito. Nos anos 60 já se começava a perceber o problema do desequilíbrio ecológico, principalmente após a repercussão do livro Primavera Silenciosa, da bióloga marinha Rachel Carson, que despertou o mundo para o meio ambiente. Na época ainda não havia, nessa área de estudos, a profundidade trazida pela década de 70, quando a ONU passou a fazer grandes eventos como a Conferência de Estocolmo e outros.  

Quando concluí minha graduação na UFPE eu me casei e, em 1970, tive meu primeiro filho. Não demorou para que eu ingressasse em uma pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro, mais especificamente mestrado em Zoologia com foco em Ecologia. Neste curso eu me recordo muito do professor Segadas Viana, que era magnífico em assuntos relacionados ao meio ambiente. Isso me motivou a cursar algumas disciplinas em Ecologia. Dessa maneira é que, passo a passo, a causa ambiental foi gestando dentro de mim.

No ano de 1976 prestei concurso para ser professora aqui na Universidade Federal da Paraíba, época em que um professor visionário que se tornou Reitor, Lynaldo Cavalcanti, obteve para a universidade verbas providenciais advindas do Ministério da Educação. Com isso houve condições de criar inúmeros novos Cursos, como Ciências Biológicas, Matemática, Geografia, Licenciaturas, Sociologia, Filosofia e Comunicações, o que nos permitiu focalizar na questão ecológica na Paraíba. Até porque os problemas ambientais já se mostravam muito graves em nossa região, como por exemplo o uso indiscriminado de agrotóxicos a afetar o meio ambiente e as pessoas, o avanço urbano sobre áreas que deveriam estar protegidas e, também, a prática da caça das baleias na praia do Costinha, temas que já ensejavam grandes discussões na sociedade. E eu comecei a me envolver nisso tudo e não parei mais.

Jus Animalis - A Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN), fundada em 1978, é uma das primeiras associações ambientais brasileiras. Poderia falar sobre ela, quem a criou e quais as principais demandas até então existentes na região?    

Paula Frassinete - A criação da APAN se deve à figura do agrônomo Dr. Lauro Pires Xavier, que levava seus aprofundados conhecimentos de naturalista e botânico à UFPB em Areia, onde lecionava. Costumo dizer que ele era o nosso São João Batista que gritava no deserto contra a destruição da natureza. Uma de suas principais lutas, na capital do estado, era pela defesa da Mata do Buraquinho, que constitui um dos espaços verdes mais belos da cidade de João Pessoa e que na época já corria sério risco de ser destruído pela expansão urbana. Até que em certa ocasião, quando o Dr. Lauro estava ministrando um curso de extensão acadêmica no campus de Areia, surgiu a ideia de se criar uma associação ecológica. Era o ano de 1978. E ali nascia a Associação Paraibana dos Amigos da Natureza (APAN).

Participavam do grupo presidido pelo Dr. Lauro Pires Xavier seus alunos de Agronomia. Mas no estatuto da Associação havia a perspectiva de a entidade criar núcleos de atuação em outras cidades, a exemplo de Campina Grande, Cajazeiras ou Mamanguape. Nós tínhamos amizade desde quando eu vim trabalhar como professora da UFPB, de modo que criamos a APAN em João Pessoa e eu, desde então, assumi a presidência da entidade na capital. Somente na segunda metade dos anos 70 é que o movimento ambientalista começa a despontar e se fortalecer no Brasil, de modo a percebermos que já se fazia hora de a gente se organizar e agir. Foi assim que a APAN passou a atuar, com muita garra, com muita vontade de fazer. Nós como professores e muito alunos, sobretudo de Biologia, começamos o trabalho em João Pessoa com várias ações ambientais para implementar.                  

Pode-se dizer que a primeira grande luta da APAN foi justamente contra a caça das baleias, prática comercial que acontecia de modo intenso na praia do Costinha, que fica no município de Lucena. Nessa época, a atividade da Companhia de Pesca Norte do Brasil (COPESBRA) já estava sendo executada pela empresa japonesa Nippon Reizo, que trazia seus navios baleeiros à costa brasileira para caçar centenas de baleias a cada temporada. Foi uma luta muito forte contra a matança de cetáceos e toda a sociedade civil se envolveu, assim como os artistas também se envolveram.  A gente fazia muito trabalho de rua, porque naquele tempo a comunicação era realizada na base do corpo-a-corpo, com panfletagem, faixas de protesto, abaixo-assinados e cartilhas. E dessa maneira fomos conscientizando as pessoas. 

Jus Animalis - A atividade da COPESBRA na praia do Costinha, entre 1958 e 1985, envolvia técnicas sofisticadas de captura e corte de baleias para obter seu maior aproveitamento econômico. Como foi esse período tão gravoso na vida dos cetáceos, que morriam em sofrimento na ponta dos arpões?  

Paula Frassinete - As baleias migravam para as águas brasileiras para fins de reprodução. Elas vinham das regiões frias para mares quentes, depois de comer muito krill (um microcrustáceo endêmico da Antártida), o que lhes garantia reservas de gordura para os seis meses que passariam sem se alimentar nos mares do Atlântico. Isto era constatado pelo estudo do trato digestivo das baleias, sempre sem conteúdo. A gordura armazenada no corpo lhes garantia energia para o período. O estudo das gônadas mostrava que as espécies eram adultas e maduras sexualmente. Daí a migração para reprodução, exclusivamente. Os estudos eram feitos pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e pelo professor Singarajah, da UFPB. Cada baleia só tinha um filhote, após uma gestação que durava 13 meses. E tem mais: nem sempre o encontro do macho com a fêmea era viável ou dava certo, isto dependia de algumas circunstâncias favoráveis.

O mar territorial da Paraíba era bem favorável à concentração das espécies para fins de acasalamento. Ciente disso, os caçadores saíam para capturá-las e extrair seu óleo. Se antes a técnica primitiva utilizava barcos a remo e uso manual de lanças pontiagudas no costado do animal, posteriormente ela foi substituída por navios com canhões-arpões a bordo, que continham explosivos. Era muito sofrimento até as baleias ensanguentadas definharem e serem arrastadas à armação.  O processo de esquartejamento acontecia na praia do Costinha, onde havia fornos para colocar a carne grossa de gordura que virava óleo de baleia. Esse óleo tinha muito valor comercial, tanto que por muito tempo serviu para a iluminação pública e, também, para fazer argamassa utilizada em edificações. 

A carne da baleia, após o retalhamento feito quando o animal morto chegava à rampa da COPESBRA, seguia em navios para consumo no Japão. Mas parte dela também era vendida nas feiras livres de João Pessoa e Recife, embora em termos qualitativos fosse considerada como “carne de terceira”. Muita gente não a comia por nojo, porque a carne de baleia tinha muito sangue. Mas de qualquer forma era um produto lucrativo muito apreciado no Japão como iguaria, daí servir principalmente à exportação. 

Quanto o navio caçador da COPESBRA saía para o mar, já programava o dia do retorno. Voltava com várias baleias arpoadas e amarradas ao casco da embarcação, para serem rebocadas até a estação baleeira. Houve temporadas, nos anos 70, em que a cota-limite de 1.000 baleias fixada pela Comissão internacional da Baleia (CIB) foi alcançada, enquanto noutros anos esses números reduziram porque as espécies mais caçadas – jubarte, cachalote e espadarte, baleias de maior porte e mais rentáveis economicamente - estavam escasseando. Em razão das proibições que vinham sendo estabelecidas pela CIB em relação às espécies vulneráveis - que entraram em risco de extinção no final daquela década - a caça de baleias que acontecia na Paraíba se restringiu às baleias menores, da espécie minke, conhecidas como baleias-anãs, sendo que as outras nem se avistavam mais.     

Fui uma vez nas dependências da COPESBRA acompanhada do grande zoólogo Alfredo Langguth, professor da UFPB, que trouxe um esqueleto de baleia para formar o Museu da Baleia na universidade, o que não deu certo por falta de obtenção de espaço. Eu não tenho guardado na mente imagens do corte das baleias na praia do Costinha, acredito que isso é uma espécie de proteção que recebi, até porque o retalhamento desses animais era algo muito agressivo e traumático a quem o presenciasse. Mas eu soube que, nas dependências da armação, sempre havia mais fêmeas do que machos e que muitas baleias arpoadas ainda estavam amamentando, tamanha a quantidade de leite que jorrava durante seu esquartejamento. Era uma coisa dantesca. 

Por incrível que possa parecer, nos anos 70 o estado da Paraíba chegou a incluir a operação de retalhamento das baleias, feita na praia do Costinha, em seu calendário turístico. Tanto isso é verdade que durante as temporadas de caça, de junho a dezembro, ficava disponibilizada aos hóspedes, na portaria dos hotéis de João Pessoa, a agenda de datas e horários para quem quisesse assistir ao corte, que era realizado diante de arquibancadas erguidas na praia. Eu soube que estudantes de Biologia certa vez foram ao local, em protesto, chegando a gritar palavras de ordem contra os trabalhadores que cortavam as baleias. Em virtude desse incidente, o espetáculo macabro foi suspenso pela COPESBRA.

Jus Animalis - Não podemos esquecer que naquele tempo, do ponto de vista jurídico, as atividades pesqueiras e a caça de cetáceos estavam regulamentadas no país. As baleias, portanto, eram consideradas apenas matéria-prima de um comércio lucrativo que gerava muitos empregos na praia do Costinha. Como a APAN decidiu enfrentar esse gigantesco problema em meio a tantas adversidades?  

Paula Frassinete - Na década em que a APAN foi criada, a discussão sobre a caça das baleias já vinha ganhando força na sociedade, fomentada pelo Greenpeace e por Entidades Ambientalistas do sul e sudeste do país. O número de baleias mortas no estado da Paraíba, durante as atividades da COPESBRA, passava da casa de centenas por temporada, chegando algumas vezes a alcançar a cota de 1.000 animais. A gente praticamente estava vendo o Greenpeace sair de barco para ficar entre o arpão e a baleia. Se a atividade de caça às baleias estava fortemente instalada aqui na Paraíba, noutros estados como Bahia, São Paulo e Santa Catarina, ela já havia terminado.  Ou seja, a Paraíba se tornou o último reduto de caça de baleias no Brasil. Tudo isso foi trazendo para nós a certeza de que nós precisávamos fazer alguma coisa. 

Vimos a necessidade de participar dessa luta.  E passamos então a agir, juntamente com outras Entidades Ambientalistas que desde os anos 70 já estavam protestando contra a caça das baleias. É claro que as resistências vieram porque havia um aspecto social envolvido, relacionado ao emprego dos trabalhadores no distrito de Costinha. A empresa japonesa que operava tais atividades na Paraíba ficava com os lucros, enquanto os empregados brasileiros contratados de forma sazonal na armação, sem quaisquer direitos trabalhistas, viviam sempre explorados. Tivemos um embate seríssimo com a COPESBRA.  Eles contavam com um assessor jurídico muito agressivo na defesa da empresa baleeira. Na própria imprensa paraibana havia jornalistas que defendiam a atividade de caça às baleias, alegando que nossas ações eram emocionais e careciam de fundamento ou conteúdo científico, de modo a tentar nos desmoralizar.  

Mas a maioria dos órgãos de imprensa paraibana, como os jornais O Norte, A União e Correio da Paraíba, apresentava esse difícil embate, mas sempre publicando as duas posições. Nós não tínhamos corpo jurídico. Quando íamos para as ruas conversar com a população, levávamos os fatos e as informações no papel, justificando nossa intervenção. Não fazíamos nada sem isso. Ou seja, explicávamos a razão de estarmos ali, até porque a APAN sempre foi uma entidade de corpo-a-corpo. Mas muita gente defendia a caça como forma de garantir os empregos do povo de Costinha, pouco se importando com o sofrimento das baleias.

E essa polêmica que vinha sendo debatida nos jornais despertou o interesse de emissoras de televisão em fazer matérias de campo. Lembro que certa vez uma equipe da TV Globo veio até a Paraíba fazer filmagens sobre a caça das baleias e queria me levar com eles no navio arpoador da COPESBRA. O repórter Pedro Bial, ao perceber o risco que eu corria em razão de pertencer a uma associação ambiental e estar enfrentando as atividades de caça, demoveu a equipe dessa ideia.  Esse mesmo perigo, entretanto, não havia em relação ao pessoal do Greenpeace, cujos voluntários se lançavam destemidamente ao mar para enfrentar os navios baleeiros. 

Jus Animalis - Nesse período heroico do ativismo brasileiro, muitas pessoas e entidades contribuíram para o fim da caça das baleias na Paraíba. Sinta-se à vontade para viajar ao passado e reconstituir os acontecimentos que redundaram nesse feito histórico em defesa dos cetáceos.  

Paula Frassinete - Tivemos grandes apoios que nos favoreceram no enfrentamento da caça das baleias na Paraíba. Um dos mais importantes, com certeza, foi o Almirante Ibsen de Gusmão Câmara, um dos pioneiros na conservação do meio ambiente no Brasil e que iniciou a campanha em favor das baleias. Ele tinha muito contato conosco. Atuava como membro da Comissão Internacional da Baleia, órgão que se reunia todo ano com representantes dos países-membros para estabelecer as cotas anuais de captura. Outro ponto importante é que nós tínhamos relacionamento com as entidades nacionais, tanto que a APAN fazia parte do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). 

Também mantínhamos contato com outras importantes associações ecológicas nacionais que se alinhavam com a gente nessa luta. Dentre elas, cito as combativas Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (a AGAPAN, que foi presidida pelo ambientalista José Lutzenberger), a Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (a APDN, de Ricardo Braga) e a União em Defesa das Baleias (da paulista Ana Maria Pinheiro), além da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (AMDA), a Fundação Brasileira de Conservação da Natureza e o próprio Greenpeace Brasil, cujos representantes vieram a Paraíba conversar conosco.

Mas por que tantos contatos? Isso porque estávamos na época de implementação da legislação ambiental e vinham sendo criados no país os Conselhos Nacionais de Meio Ambiente. Havia necessidade, então, de obtermos representatividade nesses órgãos. Com a participação efetiva nos Conselhos a gente conseguia se aproximar, se juntar e manter um feedback permanente de informações que fortaleciam os grupos cada vez mais. Daí que todo mundo se conhecia e se ajudava. 

Isso, é claro, sem falar dos eventos ambientais que tiveram um papel decisivo nos debates e ajudavam a encontrar soluções. Lembro que no início dos anos 80, em Pernambuco, houve um Encontro Nordestino de Ecologia, aí todo mundo ia à luta e a coisa acontecia.  Nesse evento foi aprovada uma carta de repúdio ao presidente João Baptista Figueiredo, que preferiu conceder moratória para a caça de baleias ao invés de proibir a atividade. Olha só que coragem a nossa, uma moção de repúdio ao Presidente da República - em pleno regime militar - saiu desse encontro acadêmico. 

Na mesma época fui a outro congresso ambiental e protestei, publicamente, contra a caça das baleias. Estava ali o professor Vasconcelos Sobrinho, da UFPE, que aliás é tido como pioneiro no estudo de ecologia na América Latina, além de ser o fundador da Associação Pernambucana de Defesa da Natureza (ASPAN). Ele não só referendou a minha fala, como deu força ao nosso movimento em favor dos cetáceos. Ou seja, os congressos tinham também esse intuito de ligar e fortalecer as lutas. Todo mundo participava junto e a gente literalmente saía às ruas. 

Nos anos 80 a sociedade brasileira enfim aderiu ao slogan "salvem as baleias", de modo que a proibição da caça passou a ser uma questão de tempo, até porque a pressão internacional se mostrava muito forte em defesa das baleias. Naquela época muita gente começou a protestar contra a caça, cuja temática chegou até a classe artística. Basta dizer que a música "As baleias", cantada por Roberto Carlos, estourou nas paradas de sucesso. Além de romântica, a canção era muito forte e sentimental, porque mostrava com emoção tudo o que estava acontecendo nos mares. Falava das baleias, falava da natureza, falava da caça, falava da extinção, aquilo tocou muito as pessoas.

O deputado federal Gastone Righi acabou apresentando um projeto de lei em defesa dos cetáceos. Sucede que, um ano depois, o presidente Sarney preferiu editar o Decreto nº 92.185/85, proibitivo da caça comercial de baleias no Brasil a partir de 1º de janeiro de 1986, por um período de cinco anos. Sarney não teve coragem de expedir um decreto definitivo que acabasse com a caça das baleias no Brasil, ficando só no decreto que concedeu moratória. Mas a pressão da sociedade civil em favor das baleias continuou firme. 

Até que em 1987 foi aprovada a Lei nº 7.643/87, que proibiu o molestamento intencional de cetáceos nas águas jurisdicionais brasileiras, texto enfim promulgado pelo presidente. A fábrica da COPESBRA teve decretada sua falência e a atividade sazonal de caça de baleias que acontecia no distrito de Costinha, com 112 funcionários brasileiros e oito japoneses, cessou de vez.  Uma década antes ninguém acreditava que se conseguisse parar a exploração industrial dos cetáceos do modo tão intenso como ocorria na Paraíba.  

A APAN e muitas Entidades Ambientalistas que se empenharam pelo fim da caça das baleias na Paraíba conseguiram realizar esse feito histórico. Embora a imprensa me procurasse muito pelo fato de eu ter muita disponibilidade para falar em nome da entidade, o fato é que o nosso grupo todo era muito grande. Os estudantes da primeira turma de Biologia estavam muito disponíveis às lutas, o que continuou sempre! E a sociedade nos apoiou.

Jus Animalis - Como tem sido o trabalho de conscientização feito pela APAN ao longo do tempo? Quem realiza as ações, que medidas pedagógicas são normalmente buscadas e que estratégias a entidade costuma adotar para ganhar credibilidade junto à população? 

Paula Frassinete - Desde o início, participavam da APAN professores universitários e, principalmente, estudantes. A gente costumava ir muito às escolas de 2º grau para falar com os jovens, mas não deixávamos de ir também aos jardins de infância mostrar às crianças as primeiras lições de ecologia. O trabalho da APAN sempre foi um trabalho de conscientização. Mas por que a gente tomou como mote a ideia de conscientizar e de conhecer o meio ambiente? Porque nós sabíamos muito bem que, enquanto associação ecológica, não tínhamos poder de polícia (que era do Ibama, da Secretaria do Meio Ambiente, dos órgãos policiais etc.). Mas a ONG tem o poder de denunciar irregularidades. A gente denunciava aquilo que sabíamos ser errado. E, também, porque conhecíamos a bibliografia da legislação ambiental, que se tornava cada vez mais forte no país. 

Nosso trabalho costuma passar por essas etapas. Desde que foi criada a Fundação Brasileira de Conservação da Natureza, no Rio de Janeiro, e a partir do surgimento das pastas governamentais e ministérios voltados ao meio ambiente, nós sempre buscávamos ter bibliografia ambiental exatamente para isso, ajudar no esforço de conscientização realizado nas escolas. Conversávamos primeiro com os professores e depois com os alunos, para que houvesse continuidade daquele trabalho em sala de aula, porque acreditávamos muito nisso. A APAN sempre se preocupou com a questão da conscientização ambiental. Era algo que ia da pós-graduação ao jardim da infância.     

Sempre que era solicitada a presença da população e, após obtermos informações sobre o problema trazido, a gente buscava aproximação com políticos considerados sérios. Aqui em João Pessoa tivemos muito contato com Ricardo Coutinho, que foi Vereador, depois Prefeito e chegou a ser Governador do Estado. Ele sempre nos disse que aprendeu muito com a APAN, mesmo porque nós buscávamos os políticos que tinham alguma ligação, alguma empatia com o discurso ambiental, e levávamos material que produzíamos a quem de direito, a quem tinha o poder de decidir.  

Só que a APAN sempre foi muito pobre. Mas esse pauperismo todo tinha uma justificativa. É que nossa entidade era formada por gente do povo, gente que sonhava e tinha vontade de mudar as coisas, embora sem dispor de dinheiro. Nunca recebemos dinheiro de empresas, por razões óbvias, aceitando tão somente serviços. Lembro da campanha em defesa da despoluição do Rio Jaguaribe, saíamos a campo para conscientizar as pessoas que viviam à margem do rio e, também, nos sindicatos, sobre a importância de preservar aquele recurso natural.  Com o passar do tempo, em razão do trabalho perseverante que fazíamos, fomos adquirindo confiança perante a população. A Associação dos Docentes da UFPB nos ajudou. E até a Caixa Econômica apoiou nossa causa, confeccionando uma cartilha ecológica em prol do Rio Jaguaribe. E lá íamos nós, com a legislação ambiental em mãos, debater essas questões junto à coletividade.

Uma vez fizemos uma ação de limpeza de praia desde Barra de Gramame até Manaíra, uma distância enorme, muita gente participou, entraram para nos ajudar até pescadores e mergulhadores, foi muito bonito. Todos acreditavam naquilo. Por isso é que a credibilidade da APAN, junto à comunidade, é muito grande.  E como eu era da Biologia e muitos outros da área acadêmica, essa tarefa pedagógica era facilitada. Estavam conosco o Prof. Madruga, da Geografia, o Prof. Singarajah na pesquisa (alimentando a atividade de rua) e outros tantos. Aliás, a atividade de rua precisa do respaldo da atividade científica, senão perde seu sentido. A militância precisa ser responsável e a APAN sempre foi muito séria e ética em seus propósitos, sem que nada e nenhum outro motivo prevalecesse que não fosse a preservação do meio ambiente e o equilíbrio ecológico.     

Desta forma, a gente foi contribuindo com importantes mudanças na região. Torno a dizer, a persistência desse trabalho ambiental corajoso e ininterrupto fez com que a APAN conseguisse a simpatia da cidade de João Pessoa e de toda a Paraíba. Sempre contamos com o apoio dos órgãos instituídos porque as lutas que tratamos não são apenas individuais, mas coletivas. Com a criação da APAN, houve um grande estímulo para discussões e militâncias de vários outros segmentos. A luta ambiental, aliás, é uma luta coletiva. Foi assim que começou a APAN e assim permanece até hoje.

Gostaria de salientar que a APAN sempre foi constituída de muita gente, admiradores e militantes mais efetivos. Cito aqui o Prof. Antônio Augusto Almeida, artistas plásticos como Breno Matos (que fez uma baleia enorme, em tecido e madeiras bem leves, que desfilava pelas ruas de João Pessoa, levada por João Balula, chamando atenção da luta) e muitos outros artistas de João Pessoa. Isso sem esquecer dos alunos da Biologia, da Geografia e de vários Cursos, simpáticos às causas que começavam a ser discutidas a partir desta expansão da UFPB, além, é claro, do povão. 

Jus Animalis - Fale um pouco do diálogo que a APAN sempre teve com outras personalidades, órgãos e entidades, sejam acadêmicos especialistas em meio ambiente, seja o Ministério Púbico na Paraíba, sejam as forças policiais de segurança. Como isso ajudou para a obtenção dos melhores resultados ambientais? 

Paula Frassinete - O fato de conseguir trazer para debates personalidades importantes do Meio Ambiente se deve à Reitoria da UFPB, que a nosso pedido comprava as passagens dos convidados. Além de José Lutzenberger, figura proeminente da ecologia brasileira que certa vez veio ministrar palestra na universidade, também trouxemos outra grande referência na área, o promotor Paulo Affonso Leme Machado, do Ministério Público de São Paulo, convidado pela Câmara Municipal para falar sobre os vários problemas ambientais na Paraíba (dentre eles a preservação do Cabo Branco), o que se deu em 1998 quando da entrega do Título do Cidadã Pessoense à minha pessoa, em razão dos trabalhos ambientais que realizei com a APAN. Dr. Paulo Affonso deu um apoio enorme à nossa entidade. Sempre que precisávamos de embasamento jurídico para alguma questão importante relacionada ao meio ambiente, ele se colocava à disposição e nos orientava. 

Preciso dizer que ao longo desse percurso tivemos a colaboração de autoridades muito sensíveis ao meio ambiente. O Ministério Público Federal daqui, na pessoa do Procurador da República, Dr. Eitel Santiago, também sempre esteve em sintonia conosco, mostrando-se incrível em nos atender nas demandas urgentes. No Ministério Público estadual tínhamos outra pessoa maravilhosa, a Dra. Roseana Costa Pinto Lopes, que era apaixonada pelo meio ambiente e nunca mediu esforços para que as coisas acontecessem.  Assim que chegavam as denúncias, ela participava ativamente das audiências. Deu total apoio à nossa cartilha educativa em favor da despoluição do Rio Jaguaribe, projeto esse que acabou sendo custeado pela Caixa Econômica. Dra. Roseana foi a melhor curadora do meio ambiente que tivemos.  

Lembro ainda que em certa ocasião tivemos um sério problema com fogo às margens da BR-101 e precisamos de apoio policial federal para realizar ações educativas. Na época, a mata contígua à rodovia que interliga Recife a João Pessoa estava sofrendo com a ação de queimadas, sendo que os cajueiros nativos eram inteiramente destruídos pela ação do fogo. Decidimos pedir apoio à Polícia Rodoviária Federal. E assim, com esse respaldo, saímos a campo com nossas faixas e panfletos, passando a conversar com os motoristas que faziam aquele trajeto, para então entregar a eles cartilhas educativas e conscientizando-os, também, do risco de se jogar cigarros à beira da estrada. O resultado foi muito positivo, teve divulgação na imprensa e a APAN se fortaleceu junto à opinião pública. 

Jus Animalis - Em solenidade ocorrida em 2017 na Assembleia Legislativa estadual, quando recebeu o título de cidadã paraibana, foi dito que “Se João Pessoa não tem espigões na sua orla, é basicamente porque se tinha um ativismo do ambiente com muita compreensão das normas urbanas e do movimento urbanista do nosso país, onde Paula estava em todos os espaços”. Fale um pouco dessa vitória da APAN, em defesa da zona costeira, e como ela foi assegurada na Constituição Estadual. 

Paula Frassinete - No município de João Pessoa, as construções na orla marítima são limitadas em altura, de forma progressiva. A orla marítima é considerada “patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e ecológico” do Estado e do Município e, portanto, digna de proteção especial, conforme assegurado no artigo 229 da Constituição da Paraíba e no artigo 175 da Lei Orgânica de João Pessoa. Com isso, João Pessoa possui uma orla menos verticalizada e, portanto, mais ventilada e ensolarada, o que contribui para a qualidade de vida local e para o turismo. É importante lembrar que se deve à APAN a ausência de arranha-céus ou “espigões” na orla. Sem barreiras, o vento do mar pode circular dentro da cidade, o que aumenta o conforto ambiental.

Durante os trabalhos legislativos da Constituinte Estadual de 1989, a APAN – apesar das enormes resistências políticas em sentido contrário - brigou muito pelo meio ambiente e conseguiu que fosse aprovada uma emenda fundamental no artigo 229 da Constituição Estadual, a impedir a construção de edifícios com mais de três andares na orla marítima. Mas não foi fácil. Lembro que a gente ia para as ruas, conversava com a população, fazia manifestações públicas, lotava o plenário da Assembleia. Tudo isso para aprovar nossas emendas à Constituição. Foi uma luta coletiva. 

No dia da votação estava lá Edilson Alves, grande artista de teatro com seu grupo Agitada Gangue. Ele veio com um grupo de palhaços que animava e agitava o recinto parlamentar.  Foi um momento muito rico. Os artistas tinham o Coral Voz Ativa, que estava em todas as discussões políticas e nos shows que a APAN promovia. Este coral, regido pelo maestro Luiz Carlos Otávio, sempre animava todas as nossas atividades, pois o pessoal era muito engajado nas lutas dos movimentos sociais da Paraíba. As cantoras e cantores eram também da APAN. A gente montava o palanque na Lagoa, após pedir autorização, e haja show, haja discurso, haja discussão ambiental. Tudo acontecia de forma lúdica.  

Jus Animalis - Como professora durante a vida toda, a levar sempre os conhecimentos adquiridos à realidade cotidiana, de que maneira enxerga o papel da universidade em um mundo dinâmico e em contínua transformação? 

Paula Frassinete - Em 1992, participamos do célebre encontro internacional da ECO-92, no Rio de Janeiro. Foi o evento mais importante da ONU, pelo fato de reunir ambientalistas, sociedade civil, ONGs e os maiores especialistas mundiais em meio ambiente. Nele, a sociedade civil pôde participar e os movimentos sociais também. O diferencial é que essa conferência teve a conotação de abrir a questão ambiental para quem precisa. Porque na época nós ainda estávamos descobrindo o meio ambiente, trazendo a discussão para o espaço público. As Entidades Ambientalistas foram as grandes protagonistas desta discussão paralela.

Eu sempre atuei como professora, fazendo toda minha carreira universitária na UFPB. E nesse período sempre questionei uma coisa: para quê ficarmos no escuro, só nos livros e nas bibliotecas? Não podemos. Minha grita todo santo dia a meus alunos era no sentido de que a universidade tinha que derrubar seus muros, sair para a comunidade lá fora. Se este conhecimento que está sendo gerado aqui é pago pela sociedade, então a universidade tem que devolvê-lo de modo efetivo em favor da própria população.

Como é que isso pode transformar a vida das pessoas? Retribuindo em conhecimento. O papel da universidade é justamente esse. Um papel muito forte. E a ECO-92 teve grande importância justamente por isso. O evento paralelo do qual participamos, realizado no Aterro do Flamengo, foi simplesmente maravilhoso. Nele pudemos ter um feedback muito bom com os congressistas e participantes: vinham coisas de lá, a gente protestava de cá.  A APAN, depois de sair vitoriosa da luta contra a caça das baleias e conseguir impedir os espigões na orla de João Pessoa, já tinha adquirido força e credibilidade para fazer as coisas. E continuou fazendo.

Jus Animalis - A imprensa noticiou, décadas atrás, manifestações da APAN contra rinhas de galo e circos com animais. Mais recentemente, o Código Estadual de Direito e Bem-Estar Animal (Lei nº 11.140/18), que contou com a inestimável contribuição de Francisco José Aquino de Figueiredo, se tornou um dos mais avançados do país. Sobre a questão dos animais domésticos na Paraíba, o que pode comentar?

Paula Frassinete - No que se refere aos animais domésticos, de modo geral, também atuávamos contrariamente à submissão deles à crueldade, podendo citar o problema das rinhas de galo que acontecem em nosso estado e os circos que ocasionam sofrimento físico e mental aos bichos utilizados. Também em relação aos cavalos, que são tão explorados em veículos de tração, a gente se opunha. Quando fui vereadora no município de João Pessoa (2005-2008), apresentei um projeto para proibir a utilização desses animais em carroças, mediante substituição por outros veículos, mas fui criticada no plenário por tentar uma lei em favor dos animais e a proposta infelizmente não vingou.

Falando nisso, não me esqueço que uma vez, tarde da noite, eu voltava para casa dirigindo meu carrinho e vi que na rua vinha um homem conduzindo uma carroça puxada por um burro. Ele usava o veículo para prestar serviços em festas de aniversário, com microfone na mão e tudo o mais. Minha gente, eram 23 horas e esse pobre burrinho ainda seguindo em frente, na labuta. Não me contive e parei para interceder. Discuti com o condutor da carroça e acabei ouvindo desaforos. Eu fiquei tão revoltada, porque o animal deveria estar descansando, sabido que no fim da tarde o metabolismo dele baixa e só retorna na manhã seguinte. Ou seja, aquele burrinho não podia estar naquela hora fazendo tamanho esforço físico. 

Sobre o Código de Direito e Bem-Estar Animal da Paraíba, que proíbe abusos, maus-tratos e tantas situações cruéis aos animais, que incluem o abandono (como por exemplo, a situação dos gatos que costumam ser largados no campus da UFPB), ele veio em boa hora e representa um grande avanço para o nosso estado. Quero aqui cumprimentar meu querido amigo, e também advogado da APAN, Francisco José Aquino de Figueiredo, professor da UFPB que participou ativamente da redação da mencionada lei estadual e que se tornou uma das principais vozes da Paraíba em defesa do meio ambiente e dos animais. 

Jus Animalis – Sua vida é marcada por grandes lutas, onde a causa ecológica é apenas uma delas. Sempre combateu o racismo, a homofobia, a intolerância e a violência contra as mulheres, defendendo a dignidade humana e o direito da natureza e dos animais. A educação ambiental, aliás, é um dos pilares da APAN. Hoje, já aposentada, que outras questões ainda motivam seu espírito ativista?     

Paula Frassinete - A vida de todos nós é uma luta constante. E a gente não consegue mudar as coisas se permanecer parado. Somente a luta é capaz de transformar a realidade e evitar que as coisas ruins possam voltar a acontecer. Como já mencionei, na história da APAN, o fim da caça das baleias e a proibição dos prédios altos na orla de João Pessoa são bons exemplos disso. A cidade toda se envolveu nessas lutas e saímos vitoriosos. Íamos às ruas, aos debates públicos, às escolas, às autoridades constituídas. Nosso objetivo sempre foi conscientizar e educar.

A forma de a gente chegar à população, aliás, sempre foi pedagógica.  É que eu, como professora, sou apaixonada pelo ensino, pela educação, e acredito muito na transformação do mundo. E por acreditar tanto, toda a ação da APAN sempre foi uma ação muito educativa, muito no sentido ambiental de educar para transformar. Todas as lutas do passado continuam hoje, e a APAN segue firme em seus objetivos pela respeitabilidade que adquiriu junto à sociedade paraibana. Eu, particularmente, acho que só duas coisas transformam o mundo:  Deus e a educação.  Minha inspiração ativista certamente vem daí.

E para finalizar, eu queria trazer o exemplo de vida de uma ilustre cidadã paraibana que hoje é nonagenária: a deputada federal Luiza Erundina. Certa vez, durante uma entrevista na televisão, perguntaram a ela o porquê de seu discurso tão enfático em favor das causas que acredita. Erundina respondeu: “é simplesmente porque eu sonho”. Exatamente isso.  Velho precisa continuar sonhando, se parar de sonhar vai-se embora. Eis minha mensagem final, voltada ao sonho. Sonho de um mundo melhor, sonho de uma vida melhor, sonho de felicidade para todos.   

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LAERTE F. LEVAI

Jornalista ambiental (DRT n. 96682/SP). É repórter do Jus Animalis.

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