Entrevista com Feliciano Filho

Feliciano é Economista, Protetor dos Animais e Vegano. Foi eleito Vereador em Campinas (SP) em 2004, tendo sido o mais votado do município. Em dois anos de mandato, tornou-se recordista mundial de projetos de lei de proteção animal. Em 2006, elegeu-se Deputado Estadual em São Paulo com 43.643 votos. Em 2010, foi reeleito com 137.573 votos e em 2014 conquistou seu terceiro mandato com 188.898 votos, sendo o oitavo deputado mais votado do estado. Feliciano foi autor de seis leis estaduais em vigor em SP, referentes à proteção animal, sendo a Lei 12.916/08 considerada uma das mais avançadas no que se refere à proteção animal. Em 2016, através da Lei 16.303/16, criou a DEPA – Delegacia Eletrônica de Proteção Animal, que recebe denúncias de maus-tratos pela internet, podendo-se anexar fotos, vídeos e testemunhos pelo link www.ssp.sp.gov.br/depa. Foi criador da 1ª Comissão Permanente Antivivisseccionista do Brasil e da Comissão Capivara Viva da Alesp (Assembleia Legislativa de SP). Propôs e participou ativamente para que o GECAP – Grupo Especial do Ministério Público de combate aos maus-tratos contra animais fosse instituído. Em 2017 criou e presidiu a primeira CPI de Maus-Tratos Contra Animais da Alesp sobre os temas: uso de cobaias no ensino, caça ao javali e exportação de animais vivos por vias marítimas. Feliciano Filho gentilmente concedeu entrevista exclusiva ao portal Jus Animalis.

Jus Animalis: A revolucionária Lei Feliciano (12.916/08), de sua autoria, que este ano completou 15 anos, é considerada a primeira lei mais importante do País em favor dos animais. Ao proibir no estado de São Paulo a matança indiscriminada de animais em situação de rua, a Lei Feliciano provocou tamanha mudança de paradigma que inspirou outros 20 estados, até que, em 2021, a Lei nº 14.228/2021 proibiu a prática de sacrifício de cães e gatos em todo o território nacional. Conte-nos um pouco sobre como, antes da Lei Feliciano, era realizado o controle da população de cães e gatos no estado de SP, e quais os avanços que essa lei trouxe com relação ao manejo de animais domésticos em situação de rua. 

Feliciano Filho: Antes da Lei Feliciano (12.916/08), era muito triste e revoltante ver as pessoas correndo atrás da carrocinha que tinha aprendido o seu animalzinho. Cada cidade os executava de uma forma. Em Campinas, uma parte era enviada para as faculdades onde os animais serviam de cobaias; o restante eram mortos na câmara de gás. Algumas cidades matavam com choque elétrico, outras a pauladas, afogados, etc. Foi esta revolta que me convenceu a usar a política como instrumento para salvá-los. A lei Feliciano foi criada primeiro em Campinas, quando fui Vereador, depois como Deputado, após uma grande luta e dedicação integral; consegui aprovar no Estado de SP. Esta lei, além de proibir a matança indiscriminada de cães e gatos e instituir o Cão Comunitário, mudou o arcabouço jurídico do Estado, propiciando os programas de castração e identificação de cães e gatos nos municípios em Convênio com o governo do Estado. Da data em que foi publicada até agora, já salvou mais de meio milhão de animais só no Estado de SP.

Jus Animalis: A Lei Feliciano também inovou ao instituir a figura do “cão comunitário”, “aquele que estabelece com a comunidade em que vive laços de dependência e de manutenção, embora não possua responsável único e definido”. Atualmente, vários estados do país passaram a ter leis para regulamentar os animais comunitários. Infelizmente, principalmente em condomínios, estão em tramitação muitas ações judiciais envolvendo animais comunitários, em sua grande parte felinos comunitários. Ao que o senhor credita essa resistência de algumas pessoas a conviver com os animais de vida livre no meio ambiente urbano? E qual a importância dos animais comunitários em nossa sociedade?

Feliciano Filho: Os animais comunitários sempre existiram. A diferença agora é que são protegidos por lei. As pessoas que implicam com animais comunitários são pessoas que não gostam de animais e se incomodam com a presença deles, sem se importar com o sentimento de outras pessoas que os amam e cuidam deles. É uma atitude antidemocrática. A presença dos animais comunitários propiciam uma grande troca de energia com os cuidadores principais, alegram o ambiente, além de servirem de guardiões da comunidade. 

Jus Animalis: Ainda é bastante crítica a situação do abandono de animais. As Ongs estão todas atuando em seus limites, enquanto o poder público caminha a passos lentos com relação a políticas públicas para o controle populacional de animais, como mutirões de castração e campanhas de adoção. Em sua opinião, quais ações seriam necessárias para que o País consiga, de fato, transformar essa triste realidade?

Feliciano Filho: De acordo com a pesquisa da USP,  se não houver uma intensificação significativa do controle populacional, em 2030 teremos mais cães e gatos que gente! Hoje já ultrapassou o número de crianças. Todos sabem que essa procriação se dá de forma geométrica. Falta o poder público assumir a responsabilidade por este controle. Algumas decisões judiciais obrigaram Prefeitos a instituir programas de castração, por entenderem que além da questão humanitária, trata-se também de um problema de saúde pública. Por outro lado, vemos alguns Prefeitos que, por falta de conhecimento, instituem programas de castração de “50% machos e 50% fêmeas”. É muito importante castrar machos para adoção. Mas em programas de controle populacional não se castram machos, pois é ineficaz. Falta também a pressão dos eleitores sobre os vereadores, prefeitos e deputados; a cobrança por esses programas. Se não forem cobrados, não os farão. 

Jus Animalis: O senhor acredita que a pena privativa de liberdade para o crime de maus-tratos contra cães e gatos conseguirá trazer avanços na prevenção deste delito em nossa sociedade?

Feliciano Filho: A pena privativa de liberdade trouxe um avanço, pois antes o crime de maus-tratos era apenas tipificado como de “baixo potencial ofensivo". Um absurdo. A pessoa ateava fogo em um animal e era considerado baixo potencial ofensivo. Mas falta avançar muito. Esta lei só protege animais domésticos (cães e gatos). A escala ou quantidade de sofrimento acontece com os animais de produção. Infelizmente a grande maioria do sofrimento dos animais é por conta de dinheiro! 

Jus Animalis: O senhor foi autor de leis importantes e decisivas na defesa dos animais no estado de SP. Além da pioneira Lei Feliciano, podemos destacar  a lei da Nota Fiscal Animal (14.728/12), que beneficia ONGs de proteção animal com repasses e sorteio de prêmios em dinheiro (o que representa para muitas a sobrevivência da instituição); a Lei Antitestes (15.316/14), que proíbe o uso de animais em testes de produtos cosméticos, higiene pessoal e perfumes, e que também inspirou leis em outros cinco estados; a Lei Antipeles (15.566/14), que proíbe a criação de animais exclusivamente para extração de peles, banindo essa atividade do estado de SP. Quais os principais desafios e resistências que o senhor encontrou em sua carreira no Poder Legislativo?

Feliciano Filho: Além das leis sancionadas, tive várias vetadas e muitas em tramitação, que no momento estão arquivadas, pois com o fim de meu mandato, nenhum outro deputado teve interesse em lutar por elas. Dentre os Pls, há um muito importante arquivado, que obriga os abatedouros do Estado de SP a colocar câmeras em toda a linha de produção, cujas imagens poderiam ser acompanhadas ao vivo pela web, por qualquer pessoa. Sempre foi uma luta constante, pois metade do tempo trabalhava para aprovar leis a bem dos animais, e a outra metade do tempo, barrando os projetos que prejudicariam os animais. Em 12 anos, nunca permiti que aprovassem qualquer PL que prejudicasse os animais. Foi uma batalha muito grande contra lobistas e bancada ruralista. O grande êxito que tive foi por  nunca ter sido oposição ou situação! Sempre fui independente, é a forma mais honesta com a consciência e com a sociedade. E isto me deu muita liberdade além de trânsito em todas as correntes partidárias!

Jus Animalis: Em seu último mandato, através da proposição do PL 31/2018, o senhor travou uma luta pela proibição do embarque de animais vivos no transporte marítimo, com a finalidade de abate para o consumo, no Estado. Naquele momento as pessoas tomaram conhecimento da situação em que os animais eram transportados e os maus-tratos a que eram submetidos, e houve uma grande mobilização. Agora em julho de 2023, em audiência pública na Alesp onde o senhor estava presente como convidado, houve a discussão sobre a retomada de seu projeto, que estaria em condições de ser votado imediatamente. Lá em 2018, como foi esse embate contra o lobby de uma indústria milionária? E no momento presente, o senhor tem esperanças da retomada de seu projeto e da sua aprovação?

Feliciano Filho: O PL 31, que proíbe a exportação e embarque de bois vivos foi um grande exemplo de mobilização; a maior da história da assembleia legislativa de SP. Uma multidão de ativistas todos os dias de votação. Mostrou como uma ação conjunta e organizada entre nós e ativistas pode surtir tanta força! Dos 94 deputados, conseguimos apoio de 64, comigo totalizaram 65. Foi uma grande luta, vencemos no congresso de comissões às 3h da madrugada. No dia seguinte, seria votado e aprovado com folga no plenário! Mas os deputados ruralistas que perderam no voto, convenceram o presidente da Alesp a voltar da licença e não pautar o PL. Este poder discricionário do presidente é um câncer no legislativo, pois não respeita a vontade da maioria! É uma vergonha. Mas com certeza gerou um carma na sua vida, pois milhares de animais poderiam ter sido salvos de tanto sofrimento. No próximo dia 31 haverá uma nova audiência pública na Alesp, onde haverá apresentação de um documentário feito pela Mercy for Animals, mostrando todos os malefícios desta prática, não só para os animais, mas também para o Porto de São Sebastião (*). Entretanto, só conseguiríamos aprovar o PL 31, com uma grande organização e mobilização, semelhante àquela que fizemos. Sempre digo que se a proteção animal fosse unida e organizada, conseguiríamos salvar os animais de tanto sofrimento. 

Jus Animalis: O senhor é vegano há muitos anos. Em sua opinião, quais mudanças seriam necessárias para uma real transformação na relação do ser humano com os animais e a natureza, de modo que o veganismo possa ser a regra, e não a exceção?

Feliciano Filho: 95% das pessoas que se tornaram vegetarianas e veganas o fizeram por ter assistido um vídeo de abate, ou por saber do sofrimento dos animais. Os outros 5%, pela consciência filosófica e ambiental; por adquirir o conhecimento do quanto faz mal consumir cadáveres. Quando foram realizadas as Olimpíadas no Brasil, foi publicada uma matéria na Folha de São Paulo que mostrava que os atletas vegetarianos e veganos tiveram um desempenho muito superior ao dos carnistas. Muitos atletas se tornaram vegetarianos ou veganos. Li uma matéria que mostra que no Brasil os não carnistas já são 15% e em Nova York 25%. Eu acho muito importante as pessoas terem a coragem de assistir um vídeo de abate! Depois decidem se continuam a comer carne. Paul McCartney disse: "Se os frigoríficos fossem de vidro, o mundo seria vegetariano".

(*) Entrevista realizada em 27/08/2023

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