Colômbia: Propriedade horizontal, convivência e famílias multiespécies
Na Colômbia, é um direito fundamental, embora não absoluto, viver em propriedade horizontal com membros não humanos das nossas famílias multiespécies, porém, sua categorização como animais de estimação e propriedade persiste.
Desde 1997, quando o Tribunal Constitucional, na Sentença T-035 de 1997, reconheceu que a “posse”, a coabitação, com “animais de estimação”, membros de outras espécies, é um direito fundamental em conexão com os direitos ao livre desenvolvimento da personalidade (art. 16) e à privacidade pessoal e familiar, a sua posição tem sido consistente. Em que sentido?
Ao afirmar que esta coabitação multiespecífica é um direito fundamental com limites estabelecidos pelo regime da propriedade horizontal e pela assembleia de comproprietários, uma vez que tal coabitação pode gerar perturbações que “o dono”, palavra infeliz que objetifica os outros animais, deve evitar ou assumir as ações corretivas que o seu comportamento exige. A lei também reconheceu este direito aos inquilinos, uma vez que os proprietários de imóveis arrendados não podem cobrar-lhes mais ou proibi-los de viver com gatos ou cães.
Isto está de acordo com o disposto no Código Nacional de Segurança e Convivência Cidadã, Lei 1801 de 2016, cujo artigo 117[1] estabelece que a passagem de animais nas áreas comuns de condomínios e conjuntos residenciais não pode ser proibida com coleira, e os cães de manejo especial devem, além disso, possuir focinheira.
Em 2013, o Tribunal Constitucional, no Acórdão T-034 de 2013, reiterou que a convivência, no regime da propriedade horizontal, com animais domésticos, considerados “animais de companhia”, está relacionada não só com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, à privacidade individual e familiar, mas também com a autonomia. No entanto, esta corporação determinou como limites a este direito, os direitos dos restantes coproprietários.
Neste acórdão, o tribunal protegeu os direitos fundamentais do requerente que vivia num complexo residencial, em regime de propriedade horizontal, que foi multado, correspondente ao valor de metade da taxa de administração mensal, porque o seu cão utilizou o elevador comum. Felizmente, para o autor, o juiz colegial considerou a medida desproporcional e ordenou a não aplicação do artigo do regulamento interno do condomínio que a estipulava. Sugeriu, ainda, medidas alternativas, como turnos e horários, por exemplo, para utilizar o elevador e manter o conjunto nas condições sanitárias esperadas.
Este ponto é relevante, pois evidencia o esforço de promover soluções alternativas que facilitem a convivência, tentando garantir a importância dos membros não humanos de nossas famílias, ainda que, infelizmente, persista a perceção deles como mercadorias, apropriáveis com donos, proprietários, ou sua qualificação como animais de estimação, termo inadequado para aqueles de nós que os consideram nossos parentes, nossos filhos, irmãos, etc.
A experiência cotidiana, os estudos etológicos e a jurisprudência reconhecem o vínculo afetivo que desenvolvemos com outros animais. Por esta razão, a linguagem utilizada é inadequada, pois este vínculo está longe de ser assimilado à relação econômica com o patrimônio. Essa realidade social não pode ser ignorada por uma norma jurídica que pretende exibir uma visão pluralista.
Outro esforço feito na tentativa de incentivar a coexistência com outros animais sob o regime da propriedade horizontal foi o Projeto de Lei 002 de 2023, que pretendia reformar a Lei 675 de 2001 com o objetivo de promover a coexistência responsável e compassiva e a participação comunitária e a solidariedade social no cuidado e proteção de outros animais, apresentado em julho do ano passado ao Senado colombiano, mas que não foi bem recebido.
Este projeto será apresentado novamente este ano com o objetivo de incentivar ações de solidariedade e de cuidados voluntários destinados a proteger aqueles que não têm um “dono” ou um cuidador identificado. Além disso, propõe que, no caso de aparecerem animais feridos, prenhes ou doentes, se não houver alguém que assuma voluntariamente os seus cuidados, caberá à administração do condomínio informar o organismo municipal responsável pela sua transferência para um centro veterinário ou um abrigo público ou privado, a depender do caso. No entanto, é essencial expressar que, embora o objetivo do projeto seja louvável, a linguagem é inadequada porque objetifica outros animais.
Por último, é necessário salientar que, embora a jurisprudência aqui citada e o projeto de lei tenham boas intenções, a sua linguagem é inconveniente, contraditória e não contribui para mudar o imaginário social dos outros animais como coisas, além de insistir numa abordagem assistencialista, em vez de abolicionista, que considere os outros animais como iguais. O respeito pelo princípio da igualdade, da justiça e da dignidade exige um estatuto jurídico coerente e aberto para permitir o florescimento dos projetos de vida de cada um dos nossos filhos, irmãos, familiares e não humanos.
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Notas
[1] O artigo 117.º foi alterado pela Lei n.º 2054 de 2020.