Direitos para todos os seres vivos
Muito se tem dito sobre a incompatibilidade entre os direitos humanos e os direitos da Mãe Terra e dos outros animais. No meu livro sobre os direitos dos animais, abordei esta questão e fiz um convite para unir esforços e lutas que não têm de ser contraditórios, mas complementares. Passo a explicar.
Como direito da terra, inspirado nas culturas dos povos originários, e como entendido por estes povos cuja origem está relacionada com outras formas de vida não humanas e humanas, de que são exemplo os quatro mundos do povo Awá, cada um ocupa um espaço, cada um tem o direito de existir, e de cumprir aquilo para que foi criado.
Tendo em conta estes direitos fundamentais, por que razão devem ser negados a uns e dados a outros? Todos podem coexistir respeitando o direito de ser, isto é, de existir, de habitar e de se desenvolver de acordo com as suas caraterísticas e contribuindo, à sua maneira única e particular, para tornar a vida possível. Todas as espécies devem ter direitos, porque hoje sabemos mais sobre elas, sobre os seus atributos, graças à ciência, mas também ao conhecimento dos povos ancestrais, que nos ensinam outras formas de estar no mundo e de comunicar com todos os seres vivos.
Como ativista acadêmica, mas sobretudo como animal humano senciente, estou convencida de que estas reivindicações podem ser feitas em simultâneo, porque os direitos da Mãe Terra, os direitos dos outros animais e os direitos humanos são essenciais para gerar uma transformação cultural e uma vida melhor na comunidade terrestre de que fazemos parte.
Além disso, essas causas têm outros aspectos em comum, como 1) a necessidade de mudança de paradigma para substituí-lo por outro que acolha as diferenças de espécie, etnia, idade, sexo, classe e que seja favorável a todos, e 2) a disputa pelo discurso jurídico e por aqueles que o enunciam. Essas reivindicações oferecem contra-narrativas às classificações feitas pelo direito e pela sociedade que lhe dá vida, que o elabora, e que enquadram corporeidades e existências diversas em categorias estreitas e reducionistas, como pessoas/coisas, homem/mulher, para citar apenas algumas, que são obsoletas e não fazem jus à importância de sua existência.
Pensar o impensável. Este é o denominador comum que caracteriza estas lutas, porque tal como há anos atrás era inaceitável exigir direitos para os escravizados, as mulheres, os afrodescendentes, as crianças, os LGBTQIA+, esta procura de uma mudança de estatuto jurídico, baseada no social, faz tremer a cabeça dos operadores jurídicos do século XIX, advogados, juízes, professores, acadêmicos, que relutam em abandonar a mitologia jurídica e preferem a petrificação do direito em vez da sua renovação e evolução, considerando que este é um produto social e cultural e, como tal, deve abraçar novas concepções de vida.
O caminho é longo e nem sempre em linha reta, mas a viagem é importante para insistir na mudança, de modo que todos os seres vivos gozem, pelo menos, de três direitos básicos: existir, habitar e desempenhar o seu papel neste mundo.