A dignidade que nos une: questionar o excepcionalismo humano

Reconhecer a dignidade dos outros animais implica, acima de tudo, questionar uma das crenças mais arraigadas em nossa história: a ideia de que a espécie humana é superior. Durante séculos, nos contamos como o centro do mundo, a medida de tudo, os únicos capazes de raciocinar, sentir de maneira complexa ou construir laços profundos. Essa narrativa — o excepcionalismo humano — não apenas nos isolou do resto da vida, mas legitimou sua exploração e invisibilizou seu sofrimento e sua resistência.
Reconhecer a dignidade animal não significa atribuir-lhes características “humanas”. Pelo contrário, exige não negar a que eles possuem.

Numerosos estudos demonstram que outras espécies sentem medo, alegria, tristeza e afeto; estabelecem laços familiares duradouros; e fazem parte de sociedades complexas; que se comunicam, cooperam e transformam seu ambiente. Mas, além da evidência científica, existe uma ainda mais poderosa: não precisamos que um ser se pareça conosco para merecer respeito. Sua dignidade não se baseia em sua semelhança com a espécie humana, mas sim em sua própria existência.

Deixar para trás o excepcionalismo humano exige reconhecer que a vida não se organiza em hierarquias petrificadas, mas em redes de interdependência e sensibilidade. Implica compreender que a comunicação ou a cultura não são monopólios nossos, são expressões que se encontram em múltiplas formas de vida.

Ao romper essa fronteira fictícia que nos coloca “acima”, abre-se a porta para uma ética mais ampla, que não gira em torno do privilégio humano, mas da coexistência. Essa ética além do humano concebe os outros animais como sujeitos de consideração moral, seres com interesses próprios e capacidade de experimentar o mundo de maneiras que talvez nunca compreenderemos completamente, mas igualmente valiosas.

Essa transformação ética nos convida a repensar a ideia de parentesco. Por muito tempo, a humanidade limitou a noção de família, comunidade ou “nós” à sua espécie. No entanto, estender o parentesco a outros significa reconhecer que compartilhamos origem, história evolutiva e destino ecológico com eles. Não se trata de humanizar os outros animais, mas de abandonar a arrogância que nos impede de vê-los como parte da trama da vida. Incluí-los em um parentesco ampliado é reconhecer que não somos criaturas isoladas, estamos unidos pelo tecido das relações.

Podemos torná-los nossos parentes. Outros com quem dialogamos, a quem respeitamos, com quem estabelecemos reciprocidade. Essa perspectiva não é romântica nem ingênua, é ética e política.

Ao assumirmos que não somos superiores, mas uma espécie entre muitas, abrimos a possibilidade de um mundo menos violento e mais justo. Um mundo onde a vida — toda a vida — seja tratada com respeito. Reconhecer a dignidade animal, criticar o excepcionalismo humano e ampliar o círculo de parentesco não são gestos compassivos: são atos de justiça que redefinem quem somos e como desejamos coexistir.

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JOHANA FERNANDA SÁNCHEZ JARAMILLO

Johana Fernanda Sánchez Jaramillo, animal humano, mulher de cor e sentimentalista. Doutora em Direito pela Universidad del Rosario na Colômbia, formada com excelência acadêmica. Advogada, comunicadora social e jornalista, mestre em relações internacionais, assistente social comunitária. Autora de 11 livros, oito relacionados ao conflito armado colombiano e três jurídicos, sendo estes: "A tensão entre o direito ao meio ambiente saudável e o desenvolvimento, na visão dos juízes" (2022); "Os animais como sujeitos de direitos: uma categoria jurídica em disputa" (2023) e "A declaração da natureza como sujeito de direitos e seu impacto na defesa de Katsa su do povo Awá de Nariño" (Colômbia) (2024). Pesquisadora e ativista acadêmica pelos direitos dos outros animais, da Mãe Terra, dos povos indígenas e dos direitos humanos. Autora de centenas de artigos jornalísticos, em inglês e espanhol, palestrante nacional e internacional. Vencedora de prestigiosas bolsas de jornalismo internacional, como Carter Center nos Estados Unidos, Justice for Journalists Foundation no Reino Unido e o International Center For Justice (ICFJ) nos Estados Unidos, dentre outras bolsas e reconhecimentos na Colômbia e na América Latina.

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