O princípio da educação animalista ou animalitária

A educação animalista ou animalitária (ou, em uma concepção mais ampla, educação humanitária[1]) é uma decorrência do princípio da educação ambiental, preconizado pelo art. 225, § 1º, VI da Constituição e conceituado no art. 1º da Lei 9.795/1999.[2]

Entende-se por educação animalista ou animalitária os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para o respeito à dignidade animal e à abolição das práticas que submetam os animais à crueldade.[3]

O princípio da educação animalista ou animalitária é ajustado para promover um estado de coisas condizente com a conscientização pública sobre a existência da consciência e da senciência animal, sobre o sofrimento dos animais envolvidos nas atividades humanas de produção (carne, ovos, couros, peles, etc.), de experimentação científica, de entretenimento, dentre outras, e sobre as alternativas de consumo e de vivência mais éticas, pacíficas e solidárias, dentro de uma perspectiva multiespecífica.

No plano internacional, o princípio também decorre da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a qual, em art. 13, estipula, sob o título “Educação e Conscientização Pública”, que as Partes Contratantes devem: “a) Promover e estimular a compreensão da importância da conservação da diversidade biológica e das medidas necessárias a esse fim, sua divulgação pelos meios de comunicação, e a inclusão desses temas nos programas educacionais; e b) Cooperar, conforme o caso, com outros Estados e organizações internacionais na elaboração de programas educacionais de conscientização pública no que concerne à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica.”

No plano infraconstitucional, a Lei Complementar 140/2011, ao estabelecer que os quatro entes federativos (União, estados, Distrito Federal e municípios) devem realizar ações administrativas para “promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente” (cf. arts. 7º, XI; 8º, XI, 9º, XI e 10), acaba por incluir também a educação animalista dentre essas ações estatais obrigatórias.

O art. 3º da Lei federal 13.426/2017 também contribui para a formulação do princípio, ao impor, aos municípios, a implantação de programa apto a desencadear “campanhas educativas pelos meios de comunicação adequados, que propiciem a assimilação pelo público de noções de ética sobre a posse responsável de animais domésticos”, dentro da política de controle de natalidade de cães e gatos nas cidades.[4]

Esse princípio está presente em leis estaduais que preconizam a educação ambiental e animalitária, como é o caso do art. 5º da Lei 3.900/2002, do Estado do Rio de Janeiro, do art. 7º, § 4º, XI, do Código de Direito e Bem-estar Animal do Estado da Paraíba (Lei 11.140/2018), do art. 1º, § 1º, II, do Código de Direito e Bem-estar Animal do Estado de Roraima (Lei 1.637/2022) e do art. 8º, § 3º, XI e XII, do Código de Direito e Bem-estar Animal do Estado do Amazonas (Lei 6.670/2023).

Além dos estados, esse princípio também é encontrado na legislação municipal, como é o caso do art. 2º, III, da Lei 3.917, de 20 de dezembro de 2021, do Município de São José dos Pinhais/PR, segundo o qual “o atendimento e o respeito aos direitos animais devem ser implementados por meio da inclusão do tema nos currículos escolares e por campanhas educativas, utilizando-se os meios de comunicação adequados, nas escolas, associações de bairro, canais oficiais de comunicação do Governo Municipal e em outros espaços comunitários, que propiciem a assimilação pelo público em geral acerca de: a) adoção ética e responsável de animais de estimação; b) existência da consciência e da senciência animal; c) sofrimento animal; e d) enaltecimento das práticas de vivência e convivência mais éticas, pacíficas e solidárias, dentro de uma perspectiva multiespecífica, zoopolítica e não-especista”. Com a mesma redação ou similar, são as leis de Juazeiro do Norte/CE (art. 2º, III, Lei 5.327/2022), de Juranda/PR (art. 2º, III, Lei 2.521/2023), de Feliz/RS (art. 2º, III, Lei 4.000/2022) e de Valinhos/SP (art. 2º, III, Lei 6.278/2022).

É esse princípio que impõe e legitima o estabelecimento de práticas pedagógicas, campanhas educativas e políticas públicas que induzam e implementem uma ética de respeito à vida e à dignidade animal, de maneira que tem respaldo constitucional o apelo à ética vegana [5] e às dietas vegetarianas,[6] inclusive destinadas às crianças, em todos os níveis de ensino,[7] e à comunidade em geral (art. 2º, X, Lei federal 6.938/1981).

Da mesma forma, são respaldadas e legitimadas pela Constituição, em virtude dos princípios da dignidade animal e da educação animalista ou animalitária, as campanhas educativas que visam a conscientizar sobre o carnismo, ou seja, “o sistema de crenças que nos condiciona a comer certos animais”,[8]  possibilitando escolhas e hábitos de consumo mais conscientes, éticos e direcionados à construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária para todos, independentemente da espécie.

O princípio da educação animalista ou animalitária combate o especismo,[9] como prática discriminatória pela espécie, de todo vedada pela Constituição (art. 5º, XLI), além de atuar contra as formas de estigmatização de certos grupos animais como pragas, destituídos de dignidade própria, o que os torna mais vulneráveis à violência, à crueldade e ao extermínio, sem quaisquer considerações ético-jurídicas.[10]

Por fim, vale destacar um exemplo notável, o qual, esperamos, seja mantido e difundido: o Ministério Público do Estado de Minas Gerais determinou aos seus órgãos de execução que velem pela efetiva implementação da educação animalista, tanto formal quanto informal (art. 159 do Ato CGMP 2/2021), bem como observem “a interface entre o Direito Animal e o Direito do Consumidor, atuando de forma a: I – garantir o direito à informação; II – combater a propaganda enganosa; III – fomentar medidas visando à implementação da educação para o consumo sustentável e eticamente responsável de produtos que envolvam a exploração de animais; IV – estimular o desenvolvimento da rotulagem” (art. 160 do Ato CGMP 2/2021).[11]



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Referências bibliográficas

[1]Nesse sentido: https://ufprvirtual.ufpr.br/pluginfile.php/1429617/mod_resource/content/1/Texto%20Preparat%C3%B3rio%20M%C3%B3dulo%202.pdf. Acesso em: 7 maio 2024. Ver, também: PEIXOTO, Mariah. Reflexões animais: por uma pedagogia para além do humano. São Paulo: Boyrá, 2023.

[2] “Art. 1º. Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.”

[3] ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Introdução ao Direito Animal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, v. 13, n. 3, p. 48-76, set./dez. 2018, p. 74.

[4] Sobre o tema, consultar: PRADO, Camila. Políticas municipais de Direito Animal: controle populacional e programa de educação para guarda responsável de cães e gatos na cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Dialética, 2022.

[5] Cf. DENIS, Leon (org.). Educação vegana: perspectivas no ensino de direitos animais. São Paulo: FiloCzar, 2017.

[6] O veganismo, acompanhado da dieta vegetariana estrita, é o padrão de conduta ética que melhor se ajusta ao estado de coisas almejado pelo princípio da dignidade animal e pelo princípio da educação animalista ou animalitária, pois se trata de “una actitud de respeto hacia toda la vida animal no humana sintiente que implica un modo de vida donde se evita voluntariamente su uso, su consumo o la participación en actividades derivadas de su esclavitud, explotación y murte.” (ABOGLIO, Ana Maria. Veganismo: práctica de justicia e igualdad. 2. ed. Buenos Aires: Gárgola Ediciones, 2011, p. 74-75).

[7] Segundo a American Dietetic Association (ADA), conforme posição divulgada em 2009, a dieta vegetariana, nutricionalmente equilibrada,  é adequada para todos os estágios da vida humana, inclusive para crianças e para mulheres grávidas ou lactantes. Cf. informações disponíveis em: https://www.vrg.org/nutrition/2009_ADA_position_paper.pdf. Acesso em: 7 maio 2024.

[8] JOY, Melanie. Por que amamos cachorros, comemos porcos e vestimos vacas: uma introdução ao carnismo: o sistema de crenças que nos faz comer alguns e outros não. Tradução: Mário Molina. São Paulo: Cultrix, 2014, p. 30-32.

[9] A palavra especismo foi criada por Richard Ryder (originalmente, em inglês, speciesism) e difundida por Peter Singer, a partir dos anos 70 do século XX, para significar “o preconceito ou a atitude de alguém a favor dos interesses de membros da própria espécie e contra os de outras.” (SINGER, Peter. Libertação animal. Porto Alegre, São Paulo: Editora Lugano, 2004, p. 8).

[10] DONALDSON, Sue; KYMLICKA, Will. Zoopolis: una revolución animalista. Tradução: Silvia Moreno Parrado. Madrid: Errata Naturae, 2018, p. 240.

[11] Disponível em: https://www.mpmg.mp.br/diariooficial/DO-20210416.PDF. Acesso em: 7 maio 2024.

VICENTE DE PAULA ATAIDE JUNIOR

Pós-doutor de Direito Animal pela UFBA. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela UFPR. Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFPR. Professor dos Programas de Pós-Graduação em Direito da UFPR e da UFPB (Mestrado e Doutorado). Coordenador do Programa de Direito Animal da UFPR. Líder do Núcleo de Pesquisas em Direito Animal do PPGD-UFPR (ZOOPOLIS). Coordenador do Curso de Especialização em Direito Animal da UNINTER/ESMAFE-PR. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Juiz Federal em Curitiba.

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