Notas sobre a dosimetria da pena do crime do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais

O crime de maus-tratos de animais encontra-se tipificado no art. 32 da Lei de Crime Ambientais. Encontra-se previsto no referido artigo uma figura simples, no caput, e outra qualificada, no seu parágrafo § 1º-A, como se observa no seguinte recorte do texto normativo:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. [...]

§ 1º-A Quando se tratar de cão ou gato, a pena para as condutas descritas no caput deste artigo será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda. [...]

Observa-se que, em sua forma simples, o crime de maus-tratos é considerado de menor potencial ofensivo, na forma do art. 61 da Lei 9.099/1995, uma vez que a pena máxima cominada não é superior a 2 anos de privação de liberdade.

Na prática, em razão dos institutos desencarceradores da referida lei, a dosimetria do crime de maus-tratos não foi objeto de preocupação da jurisprudência: normalmente a questão era resolvida no âmbito da transação penal, antes mesmo de qualquer instrução processual.

Este cenário modificou-se com a promulgação da denominada Lei Sansão, que passou a incluir a figura qualificada quando a vítima [1] dos maus-tratos é um cão ou gato. Embora criticável, a referida lei tornou o crime em questão não mais de pequeno potencial ofensivo, motivo pelo qual se vislumbra a possibilidade de se verificar, em verdade, a instrução processual e, consequentemente, a necessidade de dosimetria da pena em caso de condenação.

Como qualquer crime, as regras do art. 68 do Código Penal são aplicáveis ao crime do art. 32 da Lei de Crimes Ambientais. Adota-se, assim, o sistema trifásico, ou Nelson Hungria, de dosagem da pena, motivo pelo qual se dosa a pena em três momentos diferentes: inicialmente, estabelece-se a pena base utilizando-se os critérios judiciais; em sequência é ponderada a pena intermediária, na qual é avaliada as circunstâncias agravantes e atenuantes; por fim, avalia-se a presença de causas de aumento e diminuição de pena.

Nota-se que as circunstâncias judiciais estão previstas no art. 59 do Código Penal, na qual se elencam as seguintes circunstâncias: culpabilidade; antecedentes; conduta social; personalidade do agente; motivos; circunstâncias; consequências; e o comportamento da vítima. 

Aliada a estas circunstâncias judiciais, o art. 6º da Lei 9.605/95, estabelece como critérios relevantes na dosimetria da pena a gravidade do fato, baseada nos seguintes aspectos: a gravidade do fato; os antecedentes do infrator em matéria ambiental; a situação econômica do infrator, no caso da multa. Na segunda fase da dosagem da pena, visualiza-se que as circunstâncias agravantes relevantes neste crime são o do art. 15, II, abghimn e q, da Lei 9.605/95.

Desta forma, deve ser levado em consideração, quando da segunda fase da dosimetria da pena: se a finalidade era obter vantagem pecuniária (como é o caso das rinhas de cães e de galos); se houve coação de outrem para a execução material da infração; se foi praticado em período de defeso à fauna (o defeso há de estar correlacionado com a espécie da vítima), em domingo, feriado ou à noite; se houve o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais (importante notar que este não se deve confundir com o ato do tipo, sendo possível que seja realizado os maus-tratos e o emprego do método cruel para abate ou captura em momentos distintos); mediante fraude ou abuso de confiança (quando o sujeito ativo, por exemplo, é veterinário, petsitter ou similar), bem como quando atinge espécie ameaçada.
Importa salientar que as circunstâncias agravantes do art. 61, II, ac, e d, do Código Penal também se vislumbra relevantes. 

O motivo fútil ou torpe se verifica quando ocorre o crime de maus-tratos motivado por ruído (latidos, miados etc.), pela vontade de se fazer livre das responsabilidades com para o animal, como vingança contra parentes ou vizinhos que possuem relação afetiva com o animal. Partindo do pressuposto que o animal é vítima, se for utilizado recurso que dificulta ou torna impossível a sua defesa, se vislumbra a circunstância agravante, o que ocorre quando se faz uso de armadilhas [2] por exemplo. 

Em derradeiro, é contumaz o uso de veneno, fogo, explosivo e tortura nos maus-tratos de animais, normalmente pelo uso de Carborfuran, o popular chumbinho [3], aplicação de fogo no corpo de animais [4], explosão de partes de animais [5], em especial suas caldas em contexto de festejos juninos [6], e tortura [7] deles. Na última fase, vislumbra-se a causa de aumento da pena constante no art. 32, § 2º, da Lei 9.605/95, quando se verifica a morte do animal.


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Referências bibliográficas

[1] Tem-se o conhecimento que a compreensão de que o animal é o sujeito passivo do crime de maus-tratos consiste em posicionamento doutrinário minoritário, sendo o majoritário o que compreende que o animal é mero objeto material do delito. 

[2] https://midiamax.uol.com.br/cotidiano/2023/armadilha-com-cerca-eletrica-para-matar-gatos-rende-briga-entre-vizinhos-em-campo-grande/ 

[3] https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/justica-confirma-condenacao-de-homem-que-envenenou-quatro-caes-com-chumbinho/ 

[4] https://vet.ufmg.br/clipping/vitima-de-maus-tratos-cachorrinho-queimado-por-antigos-donos-chora-ao-ser-adotado/ 

[5] https://g1.globo.com/mg/zona-da-mata/noticia/2015/05/homem-e-detido-em-juiz-de-fora-por-instigar-cadela-abocanhar-explosivo.html 

[6] https://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/video-mostra-mae-e-filho-amarrando-bomba-de-sao-joao-em-gato-na-paraiba.ghtml 

[7] https://www.terra.com.br/noticias/brasil/cidades/homem-e-preso-acusado-de-tortura-de-animais,e022e63f4d1c48f91f3f28799ddf3a2a5v8fvhis.html 

SAMORY PEREIRA SANTOS

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Autor de obras e artigos jurídicos.

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