Retrocesso no Direito Animal: Críticas às recentes decisões do TRF3 e STF

As recentes decisões do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e do Supremo Tribunal Federal (STF), publicadas em fevereiro e março de 2025, respectivamente, geraram revolta e preocupação sobre a proteção dos direitos dos animais no Brasil. A validação da exportação de animais vivos pelo TRF3 e a validação da utilização de animais em práticas desportivas como manifestações culturais pelo STF refletem uma desconexão entre a ética, a própria Constituição Federal e a realidade dos animais destinados ao abate e ao sádico entretenimento humano.

A Emenda Constitucional 96 e a Legitimação da Crueldade

Emenda Constitucional 96, aprovada em 2017, buscou garantir a prática da vaquejada e rodeio como parte da “cultura” brasileira, e o STF, ao validá-la, ignorou por completo o sofrimento dos animais envolvidos, que são submetidos a estresse, lesões e até morte, em nome de uma suposta tradição cultural.

O §1º incluído pela referida Emenda tornou o art. 225 uma verdadeira aberração, ao contradizer por completo seu inciso VII. Ao passo que o inciso VII veda(va) a crueldade contra qualquer animal, por claramente reconhecer sua senciência e direito à dignidade, o §1º abriu exceções, ao permiti-la em práticas em que a dor e o sofrimento animal são intrínsecos, ou seja, fazem parte do “espetáculo”.

Essa validação não apenas perpetua a crueldade, mas também envia uma mensagem perigosa à sociedade: que o sofrimento animal pode ser justificado em nome da cultura e do entretenimento. Tal perspectiva não é apenas um retrocesso, mas um desvio da responsabilidade ética que a sociedade tem em relação aos seres sencientes.

A Decisão do TRF3 e a Exportação de Animais Vivos

A decisão do TRF3, que defendeu que a exportação de animais vivos não fere a legislação brasileira, é igualmente preocupante. Essa prática, que envolve o transporte de animais em condições precárias e insalubres, ignora as diretrizes de bem-estar animal e a dignidade desses animais, que são submetidos a longas jornadas, frequentemente sem água, alimento ou ventilação adequados, resultando em estresse extremo, sofrimento e até morte.

A validação da exportação de animais vivos pelo TRF3 não apenas desconsidera a realidade enfrentada por esses seres, mas também perpetua uma cultura de exploração que reduz os animais a meros objetos, sem valor intrínseco, com a ideia de que “nasceram para isso”. Ao priorizar interesses econômicos em detrimento do bem-estar animal, essa decisão contraria os princípios éticos e legais que deveriam guiar a proteção dos direitos dos animais.

A fragilidade dos direitos dos animais diante de interesses econômicos

As decisões do STF e do TRF3, ao legitimarem a crueldade contra os animais, representam imenso retrocesso na proteção dos direitos dos animais no Brasil. Decisões estas que inegavelmente buscaram proteger interesses econômicos em detrimento do direito à vida e dignidade dos não humanos.

É fundamental que as instituições judiciais estejam alinhadas com os princípios éticos que regem a dignidade dos animais. A proteção dos direitos dos animais deve ser tratada como um compromisso inegociável por parte de todos os poderes.

A verdadeira evolução de uma sociedade se mede pela forma como trata os seus mais vulneráveis, e essas decisões só nos mostram a irrelevância de milhões de vidas quando comparada com o farto lucro advindo de sua exploração.

MARIA IZABEL VASCO DE TOLEDO

Cofundadora do Portal Jus Animalis. Mestre em Direito Público - Relações Sociais e Novos Direitos - Núcleo de Bioética e Direitos dos Animais - pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Público. Servidora pública.

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