Responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público interno por crimes cometidos contra animais 

No cotidiano da persecução penal animal, vislumbram-se situações em que as pessoas jurídicas de direito público possam ser chamadas à responsabilização criminal em razão de suas condutas. Isto, pois, não é incomum que às pessoas que integram o Estado sejam imputados delitos que envolvam animais.

Em verdade, o debate sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público interno não é exclusividade do direito animal, mas do direito penal ambiental como um todo.

Neste contexto, é importante salientar que os crimes cometidos contra os animais são, salvo exceções [1], tipificados na legislação penal ambiental. Tais normas penais possuem como fundamento jurídico-constitucional o art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal, que impõe ao poder público a proteção dos animais à crueldade. A relevância desta genealogia normativa é evidente quando se trata de navegar a aplicação das regras contidas na Lei de Crimes Ambientais em casos que envolvam animais. Dentre elas, está a responsabilidade penal da pessoa jurídica.

Doutrina contende sobre esta possibilidade de responsabilização jurídica de pessoa jurídica de direito público interno na seara ambiental. Segundo doutrina especializada, há duas correntes doutrinárias que debatem sobre a aplicabilidade do quanto previsto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal, no que tange às pessoas jurídicas de direito público.

Há aqueles que compreendem que as pessoas jurídicas de direito público não podem ser responsabilizadas, uma vez que estas pessoas só podem por só perseguir fins de interesse público, sendo eventual situação efetivamente criminosa decorrente de desvio de poder, bem como a sanção não teria sentido, na medida em que haveria prejuízo à coletividade a sua aplicação [2]. De outro lado, há a parcela da doutrina que entende que não existe óbice, em tese, a esta responsabilização, restringindo eventual obstáculo à aplicação de determinadas sanções [3], a exemplo daquelas elencadas no art. 22, I [4] e III [5], da Lei de Crimes Ambientais.

Com efeito, tanto a legislação infraconstitucional quanto a Carta de 1988, não trazem essa distinção. Trata-se, em verdade, de uma constrição doutrinária, cujos argumentos, com todo respeito, não merecem prosperar.

Em verdade, se verifica que há penas que essencialmente visam impedir a continuidade das atividades de pessoa jurídica criminosa, podendo esta sanção causar prejuízo ao erário. Não obstante, é dever do gestor da referida ingressar com ação de regresso em desfavor de responsáveis pela falta que resultou na conduta delituosa, sob pena de ele mesmo responder, se for o caso, pelo prejuízo nas esferas administrativa, civil, funcional, de improbidade administrativa e criminal.

No caso específico dos animais, pode-se vislumbrar a criação de fundação ou autarquia cuja finalidade seja a violação sistemática de direitos animais por meio de conduta delitiva. Um exemplo hipotético seria uma fundação pública cujo objetivo seja o desenvolvimento de pesquisas através de experiências dolorosas e cruéis em animal vivo, quando existirem recursos alternativos (conduta tipificada no art. 32, § 1º, da Lei de Crimes Ambientais). A sanção adequada, poderia ser a de suspensão total de atividades, conforme prevê o art. 22, I, da referida lei, em desatenção aos ditames da Lei 11.794/2008.

Portanto, resta evidenciada a possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica de direito público, quando verificado que esta foi autora de condutas que vitimaram animais. A adoção desta providência é imperiosa, na medida em que se verifique atuação criminosa imputáveis a pessoas jurídicas de direito público.

_____

Referências

[1] Exemplo de uma destas exeções, é o tipo previsto na lei 7.643/1987, que criminaliza a moslestação de cetáceos.

[2] THOMÉ, Romeu, Manual de Direito Ambiental, Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 680; ALVES, Jamil Chaim, Manual de Direito Penal: Parte Geral e Parte Especial, 3. ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022, p. 216.

[3] ALVES, Manual de Direito Penal: Parte Geral e Parte Especial, p. 216–217.

[4] Suspensão parcial ou total de atividades.

[5] Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.

SAMORY PEREIRA SANTOS

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Doutorando em Direito pela Universidade de Itaúna. Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Autor de obras e artigos jurídicos.

Próximo
Próximo

A nova portaria da ANAC e a “perda de uma chance”