A nova portaria da ANAC e a “perda de uma chance”

As dificuldades enfrentadas pelos animais para poderem embarcar na cabine do avião são conhecidas e desgastantes para qualquer viajante que deseje se deslocar de avião com sua família multiespécie e, desde então, houve provocações para que a ANAC regulamentasse o setor, além de pressão no Poder Legislativo e milhares de ações judiciais tentando resolver a problemática de uma maneira equilibrada para o setor da aviação, mas também aos tutores que precisam viajar. 

Neste sentido, após décadas em que a ANAC determinou que as companhias “podem” levar os animais na cabine, sem que nenhuma se encoraje a realmente fazê-lo, bem como após a falência técnica da Portaria 12.307, que repete o bordão de que as companhias “poderão” embarcar os animais em cabine, foi anunciada uma nova regulamentação para os animais em cabine.

A expectativa era grande, afinal, desde a Portaria 12.307, tivemos, literalmente, milhares de processos judiciais sobre a temática, além do trágico “caso Joca” e alguns passos do legislativo que ensaia uma aprovação de uma legislação para solucionar o conflito, sendo que, com a intervenção do Ministério dos Portos e Aeroportos e após audiência pública com coleta de milhares de sugestões da população, era inevitável imaginar que a próxima regulamentação viria a satisfazer os anseios das partes.

Após meses de espera, foi publicada no diário oficial a Portaria 14.746 com anúncio de “novas regras” para animais na cabine.

Não obstante o ceticismo, confesso, realizou-se a leitura de toda a portaria buscando a anunciada mudança, porém, ao que se observou, foi a repetição dos mesmos erros que há décadas não solucionam o conflito.

Estava lá, sim, novamente, a menção de que a companhias “poderão” levar os animais na cabine que desejar, seja de estimação, suporte emocional ou serviço, como num processo de negação de que a ineficiência das portarias anteriores era clara.

No entanto, neste caso, na contramão da evolução a ANAC decide expor que “animais de suporte emocional” NÃO são treinados, o que amplia ainda mais o receio pelo comportamento dos animais durante o voo, além de excluir todo e qualquer outro animal de serviço, tais como cães ouvintes, psiquiátricos ou de companhia, limitando os cães de serviços às poucas centenas de cães guias que existem no país.

Tais menções são retrocessos, pois se analisarmos a tranquilidade de embarcar um cão guia em detrimento dos anunciados – e nunca provados – riscos de embarcar um cão de suporte emocional, percebemos que o “treinamento” é a chave das justificativas que as companhias usam para justificar que onde cabe um tipo, não cabe o outro.

Com isso, percebe-se que a ANAC, em total descompromisso com a regulamentação do setor, parece se curvar somente às vozes que buscam afastar os animais da cabine e acaba por dificultar ainda mais a inserção dos animais de suporte emocional na cabine, ao firmar que estes independem de treinamento.

Ora, se a diferenciação crucial para que caibam ambos seria o treinamento, porque não iniciar uma conscientização e inclusão dos animais de suporte emocional, porém já com esse indispensável elemento – o treinamento - para confortar as companhias de que o animal na cabine não vai derrubar a aeronave ou prejudicar o voo.

Aliás, pela combatividade das companhias aéreas, parece que uma aeronave é um ambiente de paz suprema, sem qualquer conflito entre passageiros onde um animal de suporte emocional vai desafiar esta paz e colocar em risco todo o – sereno – ambiente de uma aeronave cheia.

Percebe-se, portanto, a perda de uma chance de resolver o conflito; perda de uma chance de realizar sua atividade regulatória; perda de uma chance de evitar novas mortes em bagageiro; perda de uma chance de colocar em prática aquilo que milhares de manifestações e sugestões levaram na audiência pública; perda de uma chance de dar voz, também, àqueles que dependem do embarque aéreo; perda de uma chance de encarar com seriedade de que não adianta convidar para que as companhias “possam” levar, pois não lhes é interessante embarcar um animal, mas sim suprir a lacuna com a obrigatoriedade de embarcar toda a família multiespécie, independentemente da margem de lucro que as companhias projetam para tal operação.

Assim, temos que a “nova” regulamentação da ANAC perpetua a problemática do embarque dos animais na cabine, ao repetir que “poderão” embarcar, sem qualquer determinação, ao afastar os demais animais de serviço, ao negar a obrigatoriedade de treino aos animais de suporte, situações estas que distanciam, ainda mais, o panorama atual de uma efetiva solução de compatibilização para que os animais possam viajar na cabine efetivamente, e não apenas que tenham que se apertar no que resta de espaço na aeronave.

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Referências

ATAÍDE JUNIOR, Vicente de Paula. Introdução ao Direito Animal Brasileiro. Revista Brasileira de Direito Animal, v. 13, n. 03, 2018.

REGIS, Arthur e outros. Panorama do Direito Animal Brasileiro. Ed. Ilustração, 2024. p. 640.

BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, Ação Civil Pública nº. 5000389-28.2022.4.04.7000.

BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO, Ação Civil Pública nº. 5045589-92.2021.4.04.7000.

LEANDRO FURNO PETRAGLIA

Advogado. Doutorando em direito público pela Universidade de Coimbra. Mestre em Derecho del trabajo e relaciones internacionales pela Universidad Tres de Febrero – UNTREF. Pós-graduado em Direito do trabalho individual e coletivo, material e processual pela Escola Paulista de Direito. Pós-graduado em Direito constitucional pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Especialista em Direito Animal pela Universidade Federal do Paraná - UFPR. Especialista em Direito Animal pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU.

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