A Responsabilidade Civil das empresas prestadoras de serviços pet - Análise do caso da cachorrinha Monique 

O setor pet tem se consolidado como um dos mais expressivos da economia brasileira, movimentando bilhões de reais anualmente. Esse crescimento está relacionado à mudança de paradigma em relação aos animais de estimação, que passaram a ser vistos como membros da família multiespécie. Tal cenário eleva a responsabilidade das empresas prestadoras de serviços voltados ao cuidado animal, as quais devem observar não apenas regras de consumo, mas também princípios de bem-estar animal e de confiança contratual em relação aos tutores. 

No dia-a-dia da prática de advocacia animalista, tem-se observado que uma grande quantidade de estabelecimentos pet não seguem parâmetros mínimos de segurança para o funcionamento, tais como: ausência de treinamento dos funcionários que fazem o manejo dos animais, ausência de monitoramento por câmeras, ausência de telas e outros equipamentos de proteção em espaços com rotas de fuga. 

Isto ocorre principalmente devido à ausência de órgãos fiscalizadores e legislações específicas que disciplinem de forma eficaz a execução deste tipo de atividade, que envolve a vida de seres sencientes e completamente vulneráveis. 

Nesse contexto, surgem questões relevantes: quais são os deveres jurídicos dessas empresas? Como se dá a responsabilização civil em casos de fugas, lesões e outros incidentes ocorridos durante a prestação de serviços? 

Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos tutores e aos animais vítimas do evento danoso

O art. 2º do CDC define consumidor como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Entretanto, o próprio diploma amplia essa proteção em seu art. 17, dispondo: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”

Assim, o conceito de consumidor por equiparação (art. 17, CDC) não se restringe a seres humanos. Se a lei equipara “todas as vítimas do evento”, nada impede que os animais, ao sofrerem danos físicos, psicológicos ou à sua integridade em decorrência de falha na prestação de serviços, sejam enquadrados como consumidores por equiparação.

A jurisprudência e doutrina brasileiras vêm reconhecendo os animais como sujeitos de direitos, dotados de senciência. Cita-se como exemplo o REsp 1713167/SP (Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 2018), que reconheceu os animais como seres sencientes e afirmou que a sua tutela jurídica deve ultrapassar a lógica da propriedade.

Logo, se os animais possuem interesses juridicamente tutelados, é razoável admiti-los como vítimas diretas de danos em relações de consumo, figurando como consumidores ao lado de seus tutores.

Além do reconhecimento do animal como consumidor por equiparação, há também o dano reflexo ao tutor (que geralmente é o consumidor responsável pelo contrato firmado). 

Assim, o prestador de serviços responde tanto pelos danos materiais e morais causados ao tutor, decorrentes do sofrimento psicológico em ver seu animal afetado e pelos gastos veterinários despendidos para reparar os danos físicos, bem como pode responder pelos danos psicológicos causados ao próprio animal, vítima do evento danoso - que deve ser reconhecido como vítima autônoma, nos termos do art. 17, CDC, em interpretação sistemática com a proteção constitucional e infraconstitucional dos animais.

Responsabilidade civil nas relações contratuais pet

Nos casos de lesão, óbito ou desaparecimento do animal sob guarda da empresa, incide a responsabilidade civil contratual. A jurisprudência tem reconhecido, além do dano material (despesas médicas, restituição do valor pago pelo serviço defeituoso), o dano moral ao tutor como dano presumido - sem obrigatoriedade de produção de prova específica para sua caracterização - dado o vínculo afetivo estabelecido com o animal e também a possibilidade da aplicação do dano moral ao próprio animal (Dano Animal).

A crescente judicialização de conflitos envolvendo o setor pet demonstra a necessidade de atualização normativa e de maior profissionalização das empresas do segmento. Ainda que o CDC e o Código Civil forneçam arcabouço suficiente para responsabilizar os fornecedores, a ausência de legislação específica sobre responsabilidade em serviços pet gera insegurança jurídica e possibilita a ocorrência de falhas graves, que seriam facilmente evitadas com um protocolo adequado de segurança para funcionamento. 

Outro ponto a destacar é o reconhecimento do dano moral pela perda de um animal de estimação. A jurisprudência ainda oscila drasticamente em relação ao valor das indenizações, o que revela uma falta de padronização e a necessidade de parâmetros mais objetivos para mensuração do sofrimento do tutor, mas este será um tema para outro artigo. 

Estudo de Caso: A fuga da cadela Monique em São Paulo

O caso da cadelinha Monique ganhou repercussão após sua fuga durante o transporte realizado por um pet shop. As câmeras de segurança registraram o momento em que um funcionário buscou a cachorrinha sem raça definida na residência da tutora, na zona Leste de São Paulo, no dia 30 de agosto deste ano. O colaborador colocou Monique no banco do passageiro do automóvel, completamente solta, sem utilizar caixa de transporte, cinto de segurança específico ou qualquer outro aparato de contenção adequado.

Pouco tempo depois do embarque no veículo, o estabelecimento entrou em contato com a família informando que a cachorrinha havia pulado a janela do carro (que estava aberta) e desaparecido.

Embora neste caso específico a tutora tenha visto que o transporte ocorreria sem os acessórios apropriados, entregando ainda assim o animal ao motorista, a responsabilidade pela fuga permanece atribuída ao prestador de serviço. Isso porque, à luz do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a responsabilidade do fornecedor é objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa. O dever de segurança integra a própria obrigação contratual assumida pelo pet shop ao aceitar transportar o animal.

Além disso, cabe destacar que empresas especializadas no cuidado de animais devem observar padrões técnicos e boas práticas, sob pena de incorrer em falha na prestação de serviço. O transporte de pets em veículos requer dispositivos de contenção, como caixas, cintas próprias ou cinto de segurança animal, sendo considerada infração de trânsito conduzi-los soltos dentro do automóvel (art. 169 CTB). 

A conduta da tutora em consentir com o transporte de Monique daquela maneira não afasta a responsabilidade da empresa, pois caracteriza-se como uma eventual concausa que não rompe o nexo causal. O fornecedor, como parte profissional e detentor do dever de segurança, tinha a obrigação de recusar o transporte irregular ou fornecer os equipamentos adequados. Logo, trata-se de risco da atividade, cuja assunção recai sobre a empresa, não sobre o consumidor leigo.

A jurisprudência brasileira já consolidou entendimento no sentido de que prestadores de serviço pet respondem por acidentes, fugas ou lesões ocorridas durante a prestação do serviço, justamente porque o consumidor deposita sua confiança em um fornecedor especializado (TJSP – Transporte para banho e tosa, fuga e morte por atropelamento - Apelação nº 1004981-41.2017.8.26.0008, 28ª Câmara de Direito Privado).

Nesse contexto, a perda ou desaparecimento de Monique enseja não apenas a reparação por danos materiais (gastos com buscas, eventuais despesas médicas futuras), mas também por danos morais, dado o vínculo afetivo entre o animal e sua família multiespécie.

Conclusão

Conclui-se que as empresas prestadoras de serviços pet respondem civilmente pelos danos causados aos animais e a seus tutores, de forma objetiva, à luz do CDC. A evolução doutrinária e jurisprudencial aponta para um reconhecimento cada vez maior do vínculo afetivo humano-animal, o que fortalece a proteção jurídica dos pets e eleva o padrão de responsabilidade dessas empresas.

Diante do crescimento exponencial do setor, torna-se imprescindível que prestadores de serviços adotem boas práticas de atuação, protocolos de segurança e treinamentos específicos para evitar falhas na prestação de serviços e, consequentemente, reduzir a litigiosidade e ocorrência de danos irreparáveis aos animais atendidos e seus respectivos tutores. 

Ainda, é muito importante destacar que embora as consequências legais recaiam sobre o estabelecimento que estava responsável pelo animal no momento do evento danoso, os tutores precisam estar cada vez mais atentos para prover a segurança de seus animais, tanto contratando empresas que observem parâmetros rígidos de segurança, quanto tomando todas as cautelas necessárias para evitar incidentes como fuga e desaparecimento do animal. 

O uso de coleira e guia adequadas, com localizador air tag e a exigência de que o animal seja transportado apenas dentro de compartimento próprio para transporte são cuidados básicos que precisam ser observados para minimizar a ocorrência de tragédias como a ocorrida com a cachorrinha Monique, mencionada acima.

GIOVANA POKER

Advogada Animalista, Fundadora do Escritório Giovana Poker - Direito Animal, Mestra em Direito com foco em Dignidade Animal, Pós-graduada em Direito Animal pela Universidade de Lisboa e pela ESMAFE-UNINTER; Pós-graduada em Direito Penal pela Damásio Educacional. Educadora Animalista pela UFPR; Membro consultivo da Comissão de Defesa e Proteção Animal da OAB/Niterói. Pesquisadora, Escritora e Ativista em Direitos Animais. 

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