A ação civil pública como mecanismo de efetivação dos direitos animais

A ação civil pública, enquanto instrumento processual legalmente regulamentado, completou seus quarenta anos no dia 24 de julho do ano corrente, em razão do aniversário da promulgação da Lei 7.347/1985. Este instrumento processual restou previsto no art. 3º, III, da Lei Complementar 40, de 1981, estatuto legal que estabelece as normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público estadual. Apesar disto, é reconhecida a legitimidade ativa não só do órgão ministerial, mas também da Defensoria Pública, das pessoas jurídicas de direito público interno, da fundação, da sociedade de economia mista e de algumas associações, nos termos do art. 5º, da Lei 7.347/1985.

As décadas que seguiram a promulgação da retromencionada lei, a ação civil pública demonstrou ser o principal meio de efetivação de direitos coletivos e individuais indisponíveis, sendo costumeiramente ajuizada por seus legitimados para obter a resolução judicial de demandas de expressiva relevância social.

Entretanto, quando se cogita na tutela processual dos direitos animais, não é incomum se cogitar inicialmente o uso de instrumentos de natureza penal, a exemplo do ajuizamento de habeas corpus para assegurar a liberdade de símios e o uso da legislação penal para a repressão de casos de maus-tratos de animais. Todavia, o valor da ação civil pública para a efetivação dos direitos animais se revela, inclusive, preferencial a depender do caso concreto.

Em que pese o entendimento, acertado, de que os animais não podem ser vistos na qualidade de fauna, enquanto componentes do meio ambiente, é importante compreender que a eles assim são tratados pelo art. 225, VII, da Constituição Federal. É uma realidade normativa que, embora criticável de extrajuridicamente, é inescapável.

Desta sorte, quando se verifica que a tutela jurisdicional se revela necessária para a proteção da fauna, resta adequado o manejo da ação civil pública para sua tutela, conforme preceitua o art. 1º, I, da Lei de Ação Civil Pública. Isto, pois, a Constituição Federal compreende que os animais integram o meio ambiente.

Concretamente, se verifica que a ação civil pública foi utilizada extensivamente pelos legitimados em benefício dos animais. A título de exemplo, tem-se o ajuizamento de ação civil pública para garantir a assistência de animais abrigados em associação que mantinha animais em situações insalubres [1] em razão de maus-tratos ocorridos em eventos com animais [2], impedir o transporte inadequado de animais por via aérea [3]. Em grande maioria, foram ajuizadas pelo Ministério Público Estadual.

Também seria o caso de processos estruturais, em que se busca a efetivação de uma política pública que visa a efetivação dos direitos animais. Por exemplo, quando uma municipalidade se omite no que tange à política de manejo de animais domésticos em seu território, o que envolve a criação, implantação e fiscalização de equipamentos públicos que visam monitorar a população destes animais, se está diante de um problema estrutural. Isto, pois, trata-se de “[…] uma situação de ilicitude contínua e permanente […] que não corresponde ao estado de coisas considerado ideal [que] necessita de reorganização (ou de restruturação).” [4]

Verifica-se que foi o caso de ações ajuizadas contra o município de Jacareí, em São Paulo, e o município de Joinville. No caso do município bandeirante, verifica-se que o Ministério Público buscou a estruturação da política pública de animais [5]. Já no segundo, que foi inclusive denominado como ação civil pública estrutural, busca-se estruturar “(..) órgão municipal de proteção animal e os órgãos municipal e estadual de proteção sanitária para que adotem medidas necessárias para viabilizar o manejo, transporte, atendimento veterinário e local adequados para o acolhimento e tratamento de animais de grande porte e de produção encontrados em situação de maus-tratos (…)”.[6]

Importante observar que este instrumento processual não é adequado tão-somente para a tutela de questões essencialmente coletivas. Não há, no texto legal, impedimento algum para o ajuizamento de ação civil pública para a tutela de interesses exclusivamente atinentes a um animal individualmente considerado, embora haja, por estratégia resolutiva, buscar soluções mais abrangentes. É, no âmbito do Ministério Público, decorrência da diretriz p da Carta de Brasília, que entende por “Priorizar a atuação em tutela coletiva, propondo ações individuais em situações absolutamente necessárias, sem prejuízo dos atendimentos individuais e encaminhamentos necessários” [7].

Sendo assim, a ação civil pública é adequada para garantir o tratamento de saúde de um animal individualmente considerado. Neste contexto, verifica-se como mais corriqueira a situação de garantia o tratamento de saúde de um animal individualmente considerado que, em razão de um vínculo jurídico, é necessária. É o caso da ação civil pública ajuizada em razão de um erro médico-veterinário do serviço veterinário do município [8].

Nestas quatro décadas da promulgação da lei da ação civil pública, este instrumento processual deve ser recordado como meio de efetivação de direitos animais. Esta efetivação transcende a solução de uma problemática individual e imediata, abrangendo também questões coletivas e estruturais.

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Referências

[1] MPMS propõe ação civil pública para evitar morte de 200 animais em situação de abandono e maus-tratos - MPMS

[2] Ministério Público do Estado do Acre

[3] DPEMT - Defensoria Pública de MT pede à Justiça que Gol pague R$ 10 milhões de indenização e suspenda transporte de animais

[4] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil - v.4, 16. ed. São Paulo: Editora Juspodivm, 2021, p. 582.

[5] TJSP determina que Município de Jacareí crie políticas públicas de proteção a animais

[6] MPSC ajuíza ação civil pública para que CIDASC e Município de Joinville criem estruturas para garantir o direito dos animais de grande porte em situação de maus-tratos

[7] Carta de Brasília.

[8] Município de Catu deve promover cirurgia em cachorro vítima de erro médico de profissional contratado pela Prefeitura | Ministério Público do Estado da Bahia.

SAMORY PEREIRA SANTOS

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Autor de obras e artigos jurídicos.

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