Humanização Pet: Cuidados responsáveis ou exageros desnecessários?

Introdução

Os novos estilos de vida estabelecidos pela sociedade na interação homem-animal vêm determinando mudanças ética, econômica e jurídica. Nas questões éticas e comportamentais atualmente nota-se que animais são tratados como membros da família, e acabam servindo, muitas vezes, como suporte social na vida das pessoas (Pereira et al- 2017).

De acordo com Pacheco (2022), já se sabe que a relação entre homem e animal proporciona diversos benefícios para ambos, como o aumento da realização de atividades físicas, melhora na pressão arterial e menos estresse.

Segundo o Império Pet (2019), a prática de humanização dos animais domésticos é cada vez mais frequente em meio aos tutores, e consiste em atribuir características humanas aos indivíduos não humanos. Deste modo, muitas práticas e comportamentos destes passam a ser ignorados.

Pesquisa realizada pelo IBGE e atualizada pela inteligência comercial do Instituto Pet Brasil registrou que em 2018 foram contabilizados no país 54,2 milhões de cães; 39,8 milhões de aves; 23,9 milhões de gatos; 19,1 milhões de peixes e 2,3 milhões de répteis e pequenos mamíferos. A estimativa de animais de estimação no Brasil é de 139,3 milhões. 

Por outro lado, no ano seguinte a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou a um número de mais de 30 milhões de animais abandonados no Brasil, entre cães e gatos. O crime de maus-tratos, nele compreendido o abandono, está disposto na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que estabelece pena de reclusão e multa, podendo ser aumentada se o ato resultar na morte do animal.

Destaca-se também o anexo da orientação Técnica Nº 12/CONCEA - 2018 sobre bem-estar animal, relacionado principalmente com a finalidade biológica, com a vida natural do indivíduo e com a oportunidade que este possui de expressar seu comportamento natural, levando-se em consideração seu estado físico e mental.

Segundo Pereira et al, 2017, também o Conselho de Bem-Estar de animais de produção (Farm Animal Welfare Council - FAWAC), de 1967, estabeleceu um conjunto de “estados” ideais chamados de as “cinco liberdades” dos animais, que consistem em:

1. Livre de sede, fome e desnutrição pelo pronto acesso à água fresca e uma dieta para manter a plena saúde e vigor; 

2. Livre de desconforto, propiciando um ambiente adequado, incluindo abrigo e uma confortável área de descanso;

3. Livre de dor, lesões, doenças e prevenção ou diagnóstico rápido e tratamento; 

4. Liberdade para expressar comportamento normal, fornecendo espaço suficiente, instalações adequadas e companhia de animais da própria espécie; 

5. Livre de medo e estresse, assegurando condições que evitem o sofrimento mental. 

O objetivo deste trabalho é apresentar fatores que implicam no bem-estar dos animais domésticos, cães e gatos, dentre eles a humanização de seres não humanos.

Para a realização deste artigo, foram realizadas pesquisas bibliográficas sobre a humanização de seres não humanos e o bem-estar animal. O texto foi estruturado com o objetivo de apontar, com embasamento em trabalhos e pesquisas de especialistas na área, o quão prejudicial é a humanização de animais para o bem-estar destes. Além disso, o trabalho faz referência a artigos que realizaram pesquisa de campo, com o objetivo de identificar a opinião da população a respeito dessa temática.


Resultados e discussão

Convém lembrar que os animais fazem parte dos núcleos familiares dos brasileiros, na maioria das vezes sendo considerados como membros da família ou até mesmo como filhos, como demonstra as pesquisadoras Melanie de Souza de Aguiar e Cássia Ferrazza Alves, que em 2021, selecionaram casais para entrevistas, por meio da qual foi constatado que todos eles consideravam seus pets como membros da família, incluindo os seus animais de estimação em “rituais”, como por exemplo, nas refeições. Durante o estudo, foi constatado que dois dos quatros casais relataram que tratam seus pets como se eles fossem seus filhos.

Segundo Mendes (2018), as pessoas estão cada vez mais satisfeitas com seus pets. No entanto, nos dias de hoje alguns casais optam pela companhia de um animal a ter filhos. O sentimento de amor entre humano e humano diverge do sentimento entre animal e humano, onde este não tem cobranças e é sempre divertido, o animal fica sempre à disposição de seu tutor para passeio, brincadeiras e até mesmo para aquela soneca. 

Durante a pesquisa de Aguiar e Alves (2021), algumas das falas dos casais reflete este aspecto: "Tenho medo de gostar mais do meu cachorro do que do meu filho”, “Tratamos como se ela fosse nossa filha mesmo” e “às vezes a gente chama de filha e a gente fala assim ‘ahh o pai a mãe sabe’”. 

Em 2015, o número de casais com animais de estimação era maior que os que tinham filhos, onde a cada 100 famílias, 44 tinham animais e 36, crianças. Mendes et al (2018) apontou a existência de 52 milhões de animais contra 45 milhões de crianças de até 14 anos, tendo uma diferença de 7 milhões entre eles.

O professor doutor em Psicologia Mauro Lantzman relata que algumas práticas do cotidiano dos seres humanos podem ser prejudiciais aos pets, porém muitas vezes as pessoas não conseguem diferenciar o que é bem-estar animal e o que é luxo do ser humano. De acordo com a presidente da Comissão de Médicos-Veterinários de ONG’s do CRMV-SP, Vânia de Fátima Plaza Nunes, é notório que as pessoas confundem o bem-estar animal com a necessidade do homem, citando como exemplo a necessidade de dar banho toda semana no cão: “A pessoa manda dar banho porque ela gosta de ter o cão cheiroso na cama. Promover o bem-estar é entender o animal e o que ele precisa para sobreviver a partir do ponto de vista do animal”. “As pessoas se apropriam do tema a partir do próprio interesse” (revista CRMV-SP 2015).

No mesmo sentido, em seu trabalho publicado em 2019, Ana Cerqueiro traz os problemas enfrentados ao humanizar os pets. De acordo com a autora, a humanização vem ocorrendo gradativamente ao passar dos anos, provocando vários transtornos de comportamento e problemas de saúde nos animais, dentre eles a perda de identidade, transtornos alimentares e de comportamento. Quanto mais o animal é tratado como um humano, mais ele mais ele se esquece de seus instintos naturais e deixa de ser quem é.

Devemos impor limites nas relações entre animais e humanos. Os pets não devem ser trados como membros da família, sem considerar suas necessidades. De acordo com especialistas é necessário impor limites, até porque essa relação excessivamente humanizada causa dependência do animal em seu dono, fazendo com que muitas vezes ele entre em depressão (G1 Mato Grosso, 2013).

Deve ser analisado cada ponto relacionado ao convívio do homem com o animal, temos pontos extremos em que ambos fazem bem um ao outro, e aquele em que o humano acaba prejudicando o pet. Ao incluir o animal como membro da família, deve-se ter atenção para não violar o essencial para o bem-estar e para a natureza deste, sem intervir em sua forma natural. Os cães e gatos tem seus costumes naturais e ao tratá-los como filhos, muitas vezes lhes é tirado isso, pois em seu ambiente natural o pet não andaria em carrinhos e nem usaria roupas, ou seja, deve ser analisado o que é “luxo” e o que é essencial. 

Apesar de todos os problemas com a humanização animal, há o lado positivo, pois os animais antes considerados seres sem importância, hoje adquiriram direitos e respeito de grande parte da população, desta forma, com a diminuição de maus-tratos e  aumento da condenação aos que cometem este crime.


Conclusão

A humanização de seres não humanos tem se feito presente cada vez mais na sociedade, convergindo em animais com problemas comportamentais. Pesquisas constataram que pessoas preferem ter animais como filhos do que filhos biológicos.

Por outro lado, a conscientização da população sobre os direitos dos animais promoveu a criação de novas leis de proteção animal.


___________

Referências bibliográficas

Censo Pet, 139,3 milhões de animais de estimação no Brasil. 2019. Acessado em 19/10/2023, disponível em: https://institutopetbrasil.com/imprensa/censo-pet-1393-milhoes-de-animais-de-estimacao-no-brasil/

CRMV-SP, Dos quintais para os corações  - As razões e consequências da humanização dos pets, Pág. – 12 a 18, Informativo N° 60 - Ano XXII - Novembro 2015. Disponível em: https://crmvsp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/Informativo-60.pdf acesso em 20/01/2024.

Cerqueiro A., Humanização dos animais: Linha tênue entre bem-estar animal e sofrimento animal - Veterinária em Foco Universidade Federal Fluminense. 2019 Disponivel em: http://veterinariaemfoco.uff.br/51-2/ acessado em 30/01/2024

G1 Mato Grosso do Sul, Animal de estimação não deve ser tratado como humano, diz psicóloga - Reportagem do Bom Dia MS discute relação entre donos e bichos.
Mercado pet brasileiro é o segundo maior do mundo, estima associação.  G1 MS 2013 disponivel em: https://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2013/06/animal-de-estimacao-nao-deve-ser-tratado-como-humano-diz-psicologa.html acessado em 30/01/2024.

Organização Mundial da Saúde, Proteção Animal Mundial premia as melhores iniciativas de cuidado com cães e gatos nas cidades da América Latina- Conselho Federal de Medicina Veterinária, 20/05/2019 – Atualizado em 31/10/2022. Acessado em 19/10/2023, disponível em: https://www.cfmv.gov.br/protecao-animal-mundial-premia-as-melhores-iniciativas-de-cuidado-com-caes-e-gatos-nas-cidades-da-america-latina/comunicacao/noticias/2019/05/20/

PROJETO DE LEI N.º 561, DE 2019 (Do Sr. Delegado Waldir), art. 32 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Acessado em 19/10/2023, disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1716703

Pereira M. R., Moreira A. B., Junior D. F.. As cinco liberdades do bem-estar animal aplicadas aos cães: percepção, conhecimento e prática da população do município de Sinop-MT, Scientific Electronic Archives-2017. Acessado em: 23/10/2023, disponível em: http://www.seasinop.com.br/revista/index.php?journal=SEA&page=article&op=view&path%5B%5D=297&path%5B%5D=pdf

IMPÉRIO PET. Veterinária alerta para riscos de humanização animal. Tribuna de Minas,
Minas Gerais, mai. 2019. Disponível em:
https://tribunademinas.com.br/especiais/publieditoria/25-05-2019/veterinaria-alerta-parariscos-de-humanizacao-animal.html. Acesso em: 25/10/2023

Pacheco, S. A. Trabalho de conclusão de curso. As consequências da humanização para bem-estar canino / Shayane Assumpção Pacheco. 2022. 

ANEXO DA ORIENTAÇÃO TÉCNICA Nº 12/CONCEA- Bem-estar animal-2018. Acessado em 25/10/2023, disponível em: https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/concea/arquivos/pdf/legislacao/anexo-da-orientacao-tecnica-no-12-de-8-de-maio-de-2018.pdf/view

FARM ANIMAL WELFARE COUNCIL–FAWC. Five Freedoms. 1992. Disponível em: http://www.fawc.org.uk/freedoms.htm. Acesso em 25/10/23

AGUIAR, Melanie de Souza de; ALVES, Cássia Ferrazza. A família multiespécie: um estudo sobre casais sem filhos e tutores de pets. Pensando fam.,  Porto Alegre ,  v. 25, n. 2, p. 19-30, dez.  2021 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2021000200003&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  19  dez.  2023.

Mendes, F. F., Vivian, M. H. B., Pereira, V. W. A., & Silva, P. R. B. (2018). Comportamento das famílias brasileiras ante ao crescimento dos pets como substituto dos filhos. Revista Comfilotec, 8(4), 73-80. http://www.fapcom.edu.br/wp-content/uploads/2018/11/Ensaio-Comportamento-das-fam%C3%ADlias.pdf.

GABRIELLE BARBOSA AUGUSTO

Graduanda do curso de Medicina Veterinária da Faculdade FGP.

Anterior
Anterior

Por que o xenotransplante é um assunto que merece sua atenção?

Próximo
Próximo

Nós, Animais: um Caleidoscópio de Emoções, Cognições e Sensibilidades