Responsabilidade do Município de Campo Grande-MS na Implantação de Políticas Públicas de Bem-Estar de Animais Comunitários

Introdução 

Neste trabalho, o tema a ser analisado é referente à responsabilidade do Município de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul, quanto à implantação de políticas públicas voltadas ao bem-estar de animais comunitários, em específico, cães e gatos que, teoricamente, não possuem tutores definidos, estabelecendo laços de afeto e dependência com seres humanos pertencentes à comunidade em que vivem.

Sendo assim, é necessário que sejam implementadas políticas públicas voltadas ao bem-estar desses animais, garantindo sua vida, saúde, abrigo entre outros necessários à sobrevivência digna do indivíduo, como ser senciente.

O objetivo é que se tenham políticas públicas efetivas que promovam garantias constitucionais mínimas de bem-estar para animais não humanos enquadrados como comunitários, uma vez a que a proteção dos animais, do ponto de vista legal e ético-moral, passou a ser vista de forma que estes sejam considerados sujeitos de direitos fundamentais, reconhecendo-se sua dignidade.

O ente federativo mais próximo responsável pela alimentação e demais interações dos animais é o Município e, para esta pesquisa, o foco é o Município de Campo Grande, localizado no Estado de Mato Grosso do Sul, que atualmente, dispõe da Secretária do Bem-Estar Animal (SUBEACG), criada em 2019, parte integrante das unidades da Prefeitura.

Será tratado o dever legal dos municípios em promover a efetivação dos direitos fundamentais dos seres não humanos (cães e gatos), já que é papel destes a criação e implantação de políticas públicas que protejam os animais, principalmente os comunitários, inserindo-os como parte do planejamento urbano, saúde pública e economia.

Neste contexto, abordar-se-á a efetividade das políticas implantadas e o que pode ser realizado em questões de melhorias para os animais comunitários, considerando que houve um grande aumento de animais abandonados e que vem sendo cuidados pela população local, não havendo levantamento ou controle de tais situações.


Responsabilidade do Município de Campo Grande-MS na Inserção de Políticas Públicas para animais comunitários

Necessário se faz realizar um breve histórico da legislação pertinente aos animais no Brasil. Assim, o artigo 225, em seu inciso VII do parágrafo 1º da Carta Magna de 1988, prevê a vedação da crueldade face aos animais, independentemente da espécie, sendo que o poder público e os cidadãos são responsáveis pela proteção e preservação da fauna e flora. (BRASIL, 1988)

Neste contexto, percebe-se que a legislação age no sentido de proteção destes seres sencientes, sujeitos de direito, como bem explicita Ataíde Júnior (2020, p. 114 e 115) ipsis litteris:

“Desse dispositivo constitucional extrai-se a regra da proibição da crueldade contra animais: estão proibidos os comportamentos humanos que submetam animais não-humanos à crueldade. Como a norma privilegia o elemento descritivo, de caráter negativo (proibição), trata-se, nesse caso, de regra.  Proíbe-se a crueldade porque se pressupõe que os animais são seres sencientes, ou seja, capazes de sofrer.37 Não haveria sentido em se proibir a crueldade contra coisas inanimadas, destituídas da capacidade de sentir dor ou de serem impactadas pela crueldade. O fato senciência, portanto, está implicitamente reconhecido pela Constituição. Assim, ainda que, filosoficamente, se possa discutir qual seria o melhor fundamento para direitos animais, é certo que, no Brasil, o Direito Animal se fundamenta na senciência animal. Ao valorar positivamente a senciência animal, proibindo as práticas cruéis, a Constituição  brasileira considerada os animais não-humanos como seres importantes por si próprios, os  considera como fins em si mesmos, ou seja, reconhece, implicitamente, a dignidade animal”  

Ainda no Brasil, tem-se a Lei Federal 9.605/1998, que trata sobre sanções penais e administrativas face a condutas lesivas ao meio ambiente, em especial, tipifica qualquer ação que se caracterize como maus-tratos contra animais como crime, em seu artigo 32 (BRASIL, 1998). 

Outra Lei Federal que trata sobre a política de natalidade de cães e gatos e dá outras providência é a nº 13.426 de 2017, cabendo aos Estados e Municípios a implementação da esterilização para o controle populacional, com o intuito de evitar a aglomeração de animais não humanos em abrigos públicos ou de Ongs que cada vez mais resgatam mais do que podem suportar tanto física  como financeiramente (BRASIL, 2017).

Não havendo dúvidas quanto às questões de senciência dos animais, em específico no caso deste trabalho, cães e gatos, o direito à dignidade, cabe salientar que são seres com garantias fundamentais, também garantidos implicitamente pela Constituição Federal, como direito à vida, liberdade, saúde, alimentação, habitação e todos que possam atestar seu bem-estar.

Surge a questão de competência para que as leis sejam criadas e também cumpridas, bem como políticas públicas que garantam esses direitos e insurjam como forma de melhorias, evitando o abandono e trazendo a existência jurídica dos animais comunitários, aqueles que não possuem tutores identificados, mas são cuidados e seu bem-estar é garantido pela comunidade a que pertencem, como já dito outrora.

Ainda que se tenham políticas públicas voltadas a cães e gatos comunitários, estas precisam ser eficientes, alcançando a todos, independente da comunidade onde vivem, atendendo-se às áreas básicas do bem-estar animal (saúde, abrigo, alimentação, por exemplo). Não obstante, os cidadãos que cuidam desses animais (sejam ONGs, protetores independentes ou cidadãos que simpatizam pela causa animal) também necessitam de amparo destes serviços públicos, com enfrentamento direto de questões ambientais, econômicas e sociais.

Desta forma, a administração pública, tendo como ente principal os Municípios, tendo competência residual, de acordo com o artigo 30, I e II da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e, assim, devem criar, implementar, monitorar e fiscalizar políticas públicas, eficazes, voltadas para o bem-estar de cães e gatos, principalmente, quando inseridos na classificação de comunitários, uma vez que muitas vezes passam como invisíveis, já que foram abandonados pelos tutores ou nasceram dessa consequência, como descreve Costa (2024):

“Ademais, constata-se que a realidade dos animais não humanos nas cidades brasileiras, invisíveis socialmente, é extremamente degradante, devido a omissão da maior parte das administrações públicas do território nacional, em especial as municipais, que ainda não inseriram os animais não humanos no contexto de cidade integrada, alijando-os de seus direitos, a exemplo dos animais silvestres, que cada vez mais têm evadido dos seus habitats naturais pela ação humana; a inexistência de controle de natalidade de cães e gatos, que cada vez mais estão expostos nas ruas, famintos e doentes...”

É cediço que existem dificuldades a serem enfrentadas pela administração pública municipal, em especial, pelo fator econômico  para sustentar políticas públicas voltadas a cães e gatos urbanos, todavia, isso não é preponderante para que medidas não sejam adotadas de forma eficiente, pois urge a participação social e política para a proteção do direito fundamental, sendo dever do ente municipal ser guardião dos componentes ambientais. (Costa 224 in Rodrigues, 2020, p.141)

Para tanto, cita-se a falta de incentivo para ações maciças que promovam o controle de natalidade dos animais dos cidadãos de baixa renda ou mesmo campanhas para a conscientização (e aqui também se pode citar a vacinação e medicação anti parasitas), uma vez que muitos indivíduos, por ignorância, acreditam que estes animais não humanos devam pelo menos procriar uma vez, já que isso é saudável em suas visões equivocadas.  

O Município de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul, implantou a SUBEACG (SubSecretária de Bem-Estar Animal de Campo Grande) em 2019, órgão ligado à Prefeitura Municipal exclusivamente para atender a população de cães e gatos em situação de vulnerabilidade.

Existe um cadastramento efetuado para ONGs, protetores independentes e munícipes cadastrados o CadÚnico, através de preenchimento de formulário próprio do órgão, a fim de que  os animais tenham atendimentos médico-veterinário inicial, por meio da distribuição de senhas, com obrigação de apresentação de documento de identidade, comprovante de residência e, havendo, a carteira de vacinação do animal. Os serviços ocorrem em sede própria, com exceção das ONGs e protetores independentes, cuja equipe efetua visitas in loco, através do programa SUBEA Itinerante. (CÂMARA MUNICIPAL CAMPO GRANDE-MS, 2024)

Essa Secretaria realiza ações essenciais, mas ainda primárias, voltadas ao bem-estar animal, como feiras de adoções, castração, vacinação e microchipagem e, principalmente, a conscientização para a redução de maus-tratos e abandono, que são fatores de grande ocorrência local, ocasionando a lotação de abrigos e problemas financeiros para ONGs e protetores independentes que tentam, sem conseguir diminuir, esses casos. Segundo informações prestadas pela SUBEACG (2024), no exercício de 2023 foram atendidos cerca de 17 mil animais, com uma média de 74 por dia (CÂMARA MUNICIPAL CAMPO GRANDE-MS, 2024).

Em outubro de 2023 foi lançada a Cartilha do Bem-Estar Animal, pela SUBEACG, em parceria com a REME (Rede Municipal de Ensino), que trata, transversalmente, sobre os cuidados, respeito e proteção aos animais (inclusive temas como adoção e guarda responsável), inserindo este tema nas atividades escolares, a fim de conscientizar  as crianças (e porque não adultos também?!) quanto à responsabilidade para com bem-estar dos animais e meio ambiente, formando cidadãos responsáveis nas causas ambientais e animais. (CAMARA MUNICIPAL CAMPO GRANDE-MS, 2024)

Conclusão

Pelo exposto, algumas ações foram implementadas e encontram-se em execução contínua pela SUBEACG, no Município de Campo Grande/MS, todavia, ainda há muito a ser realizado para que seja atingida uma estrutura ideal de bem-estar desses animais, evitando-se o abandono e maus-tratos de seres em situação de vulnerabilidade.

Embora, não exista lei que ampare a proteção de animais comunitários em âmbito federal, os Estados e Municípios devem promover legislação específica que atenda a esta demanda e garanta direitos aos animais que ali habitam, tendo uma visão sistêmica, onde atendam aos anseios tanto destes como da população humana, baseados em princípios constitucionais, já que isso vem sendo uma luta constante de ativistas da causa animal que se deparam, por vezes, na omissão daquele que deveria resguardar a vida destes seres sencientes.

E caso não haja cumprimento por parte do poder público, o Judiciário deve ser acionado, através dos meios legais, para incluir os animais como parte da vida cotidiana da cidade, tendo direitos garantidos e mantidos pela comunidade local e administração pública.

Diante do fato de ser uma pasta de gestão municipal nova, com tema também muito atual e problemático, diante da quantidade de animais ainda a serem atendidos no dia-a-dia, trata-se de uma ação contínua e que pode ser melhorada com destinação de uma quantidade maior de recursos financeiros que sejam despendidos diretamente para a causa animal, auxiliando ONGs, protetores independentes e munícipes de baixa renda. 

Ademais, é importante frisar que a conscientização e a educação poderão modificar todo o cenário presente e, quem sabe, pode-se vislumbrar um futuro onde os direitos animais são garantidos em busca de saúde e respeitando-se os direitos constitucionais e infraconstitucionais destes.


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Referências Bibliográficas


ATAÍDE, Vicente de Paula Junior. Introdução ao direito animal brasileiro. Disponível em: Revista Brasileira de Direito Animal, e-issn: 2317-4552, Salvador, volume 13, número 03, p. 48-76, Set-Dez 2018. Acesso em 17 abr. 2021.

ATAÍDE JÚNIOR, Vicente de Paula. Princípios do direito animal brasileiro. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFBA, v. 30, n. 1, p.106-136, jan.-jun. 2020.

BARBOSA-FOHRMANN, Ana Paula; LOURENÇO, Daniel Braga (Orgs.); AUBERT, Anna Caramuru Pessoa (Coord.). Estudos e Direitos dos Animais: teorias e desafios [recurso eletrônico] / Ana Paula Barbosa Fohrmann; Daniel Braga Lourenço (Orgs.); Anna Caramuru Pessoa Aubert (Coord.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2022.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei 13.426, de 30 de março de 2017. Dispõe sobre a política de controle de natalidade de cães e gatos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 31 mar. 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13426.htm. Acesso em 20 jan 2024.

COSTA, L. dos P. Os animais comunitários e o direito à cidade: uma proposta ética e solidária na contramão da invisibilidade pública. Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/os-animais-comunitarios-e-o-direito-a-cidade-uma-proposta-etica-e-solidaria-na-contramao-da-invisibilidade-publica/1981464664 - Acesso em 09 jan 2024

HOLSBACK, E. CAMARA MUNICIPAL CAMPO GRANDE-MS. Com olhar voltado à causa animal, Professor Riverton destina emenda parlamentar à Subea. Disponível em: https://camara.ms.gov.br/vereador-professor-riverton/com-olhar-voltado-a-causa-animal-professor-riverton-destina-emenda-parlamentar-a-subea. Acesso em 18 jan 2024. 

CARMEM VERÔNICA FANAIA MIQUILINO

Bacharel em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Municipal. MBA Gestão Socioambiental. Especialista em Direito Animal pela EJUSP. Mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Uniderp. Discente do Programa de Doutorado em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco. Gestora do Núcleo Socioambiental do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul.

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