COP30 EM PERSPECTIVA: O QUE ESPERAR PARA OS ANIMAIS?
Presidente Lula com outros chefes de Estado e líderes na COP30. Foto: Leandro Fonseca/Revista Exame
Terminou a 30ª Conferência das Partes, da Organização das Nações Unidas, que este ano foi sediada pelo Brasil na capital do Pará. Transcorrido entre 11 e 22 de novembro, o evento se realizou no Parque da Cidade, que foi dividido em dois grandes pavilhões. O primeiro se denominou Blue Zone, espaço oficial destinado aos chefes de Estado e aos representantes dos países participantes devidamente credenciados com suas delegações, para a realização de debates e negociações governamentais. Já a Green Zone, de entrada livre, tornou-se o espaço disponibilizado à sociedade civil, às instituições públicas ou privadas e, também, a líderes globais, aproximando a população da agenda climática. Neste setor mais democrático, circularam milhares de pessoas, sobretudo no pavilhão Brasil, distinguindo-se o protagonismo inédito de representantes das comunidades tradicionais e dos povos originários.
Logo na abertura do evento, a ministra do Meio Ambiente e Mudança de Clima Marina Silva enfatizou que é necessário não desmatar e fazer uma transição energética justa, trocando o padrão de desenvolvimento convencional ainda centrado na queima de carvão e petróleo pela energia limpa. Não há mais tempo a perder porque, segundo ela, a questão nos faz pensar em vidas. Nesse contexto, os países ricos têm de ajudar os países em desenvolvimento, permitindo que as políticas públicas básicas sejam adotadas em todo o mundo, como a reciclagem de materiais inservíveis, o consumo responsável e a transição energética. E na busca desses objetivos preconizados pela conferência da ONU que se propôs a defender as florestas, a participação popular se tornou imprescindível, até porque o ponto de não-retorno está muito próximo e as mudanças de comportamento são urgentes.
Cabe lembrar que em meio ao evento a divisão de setores distintos na COP foi questionada, tanto que um segmento da Marcha Global pela Saúde e Clima, que saiu em passeata pela cidade reunindo estudantes, movimentos sociais e vários grupos étnicos, avançou até o auditório do Pavilhão principal para levar suas pautas, mas foi contido pelas forças de segurança. Participaram da COP, aliás, mais de 3 mil representantes das nações indígenas, sendo que suas lideranças criticaram a falta de empenho governamental na demarcação de seus territórios e, também, o aval concedido às atividades de exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas.
Como evento político que é, a COP30 também atraiu manifestações diversificadas sobre temas dos mais diversos. Uma delas foi a Marcha da Cúpula dos Povos, que levou às ruas representantes de 65 países e comunidades tradicionais, a reivindicar ações contrárias ao uso de combustíveis fósseis, à exploração de petróleo na Amazônia e às atividades de mineração, além de pautas favoráveis à reforma agrária, à Palestina livre ou ao fim do capitalismo. Outro protesto inusitado aos organizadores da COP30 chegou por via eletrônica, assinado por Paul McCartney, que reclamou da incoerência de um evento relacionado ao meio ambiente em servir aos líderes mundiais pratos à base de carne animal, fato este que o ex-beatle chamou de “hipocrisia climática”.
Atento à questão dos animais, o Jus Animalis acompanhou os trabalhos da COP30 – do início festivo aos grandes impasses no término -, para mostrar aos seus leitores que as mudanças climáticas se agravaram nas últimas décadas e não foram enfrentadas como deveriam, razão pela qual se espera que as medidas buscadas alcancem efetividade. Nesta reportagem, permeada com imagens e entrevistas, trataremos da COP brasileira, do planeta em ebulição, dos impactos do aquecimento global na biodiversidade, seja na vida terrestre ou aquática, além do avanço da pecuária em áreas de mata nativa, com um aumento significativo das emissões de gás metano e onde a memória de um naufrágio ainda ecoa pela Amazônia. Em meio a esse cenário de incertezas, uma grave lacuna: a fauna, em si considerada, não foi incluída no grande debate global. Esqueceram que os animais importam!
A COP AMAZÔNICA
Finda a COP30, que durante duas semanas praticamente transformou Belém na capital do Brasil, tamanho o afluxo de gente que ali esteve, o que se busca agora é saber de seus resultados. A comunidade internacional pôde constatar, discutir e propor estratégias de contenção às mudanças climáticas que assolam o planeta, indicando medidas ambientais urgentes para conter o ritmo do aquecimento global que tem provocado desastres incomensuráveis em todas as partes do mundo. Os países signatários contribuíram, enfim, para a assinatura de um documento denominado Mutirão Global, cujas projeções em meio a era de incertezas em que vivemos traz ainda dúvidas sobre sua efetividade prática.
Costuma-se afirmar que os últimos dez anos, com base nos dados coligidos por pesquisadores especializados em medições, foram os mais quentes da história mundial. Só no Brasil tivemos, nesse curto período, eventos climáticos extremos e grandes desastres naturais, como secas prolongadas, inundações devastadoras, desmoronamentos de encostas, incêndios florestais arrasadores e geadas extemporâneas. Se o efeito das oscilações climáticas, seja na terra ou no mar, vem atingindo diretamente a população humana, não se pode negar que ele também impacta a vida animal e os ecossistemas, interferindo nos ciclos biológicos naturais a ponto de colocar em risco, se nada for feito, a própria continuidade da vida.
O evento brasileiro, embora sem a participação dos líderes de grandes potências mundiais como os Estados Unidos e a China, propôs-se a arrecadar 1,3 trilhão de dólares como plano financeiro voltado aos países em desenvolvimento, a fim de conter as mudanças climáticas até 2035. As emissões de efeito estufa teriam de ser reduzidas em 30%, até porque as medidas preconizadas no Acordo de Paris, em 2015, ainda não foram cumpridas a contento. A COP30, portanto, veio a pretexto de se tornar a “COP da implementação”, com o foco na sustentabilidade, enfatizando o slogan representado pelo binômio meio ambiente & desenvolvimento econômico.
Dentre as ações indicadas pela COP30 podem ser citadas algumas relacionadas à Amazônia, onde o crime organizado também atua no tráfico de animais, de drogas, na grilagem de terras, na exploração de minérios e na extração ilegal de madeira. Vieram sugestões de reforçar o policiamento interno e de fronteiras contra práticas ilegais; de proteger e financiar os povos indígenas, que são os que mais zelam pela floresta em pé; de conservar e restaurar a conectividade ecológica e zerar desmatamentos e queimadas até 2030; de proteger e estimular as sociobioeconomias; e de criar mecanismos financeiros de grande escala para conservação e restauração florestal.
Sobre a situação dos animais na Amazônia, especificamente, nada melhor do que ouvir o relato de quem vive e trabalha no estado do Pará e acompanha de perto a questão. Entrevistada pelo Jus Animalis, a promotora de Justiça Maria José Vieira de Carvalho Cunha, que atua na promotoria de Castanhal e desde muito tempo se identifica com a temática ambiental e faunística, pôde dar um panorama realístico do que ali acontece:
“Temos inúmeros problemas ambientais em especial por estarmos inseridos na Amazônia, maior floresta tropical do mundo que se caracteriza pela sua imensa biodiversidade. No estado do Pará, infelizmente, os problemas ambientais são agravados pelos desmatamentos e queimadas impulsionados pela agropecuária, madeireiras e grilagem de terras, que causam perda de biodiversidade e emissão de gases de efeito estufa. O garimpo ilegal, o uso indiscriminado de agrotóxicos com a poluição dos recursos hídricos, a falta de saneamento básico, o racismo ambiental, a exclusão dos povos tradicionais que são mais expostos a riscos ambientais e são ainda mais vulneráveis pelos escassos recursos básicos e ausência de políticas públicas afirmativas, a conjunção de todas essas ações colocam o Pará como um dos estados que mais protagonizam problemas ambientais no Brasil”.
Não é nada simples, segundo ela, o enfrentamento de tantos ilícitos ambientais:
“Apesar de a Amazônia ser o bioma brasileiro com maior riqueza de espécies da fauna e consequentemente grande vítima de todo tipo de ameaça ambiental, temos a difícil tarefa de combater a biopirataria, o tráfico de animais e a exploração predatória que impactam diretamente a sobrevivência das espécies. A fiscalização insuficiente e a influência de fatores como o turismo predatório, a caça ilegal, também são preocupações significativas para a conservação da fauna. Acredito ser necessário um maior recrudescimento da resposta do Estado na persecução criminal nos crimes contra a fauna, além de inúmeros outros desafios o que mais preocupa é o aumento da perda da biodiversidade ocasionada pela ação antrópica e que compromete o equilíbrio dos ecossistemas”.
Durante todo o evento os debates principais realizados por aqueles que detinham o poder decisório aconteceram no Pavilhão principal da Blue Zone, envolvendo temas como a adaptação humana ao aquecimento global, medidas preventivas a desastres naturais, preocupação com tempestades e ciclones, a elevação do nível do mar, a proteção às florestas e o estímulo ao agronegócio com sustentabilidade. Enquanto isso e, de modo paralelo, nos espaços populares de discussão montados na Green Zone, houve excelentes apresentações temáticas, enquanto interessantes sugestões de pautas foram encaminhadas aos organizadores.
Dentro dessa perspectiva de trabalho e, depois de subscrito o documento final que precisou ser adequado em razão do complexo desenho geopolítico que hoje existe no mundo, há que se perguntar: e agora, como pôr em prática as metas aprovadas? Quanto tempo será necessário para implementar efetivamente as ações subscritas pelos países signatários? Como e de que forma fazer isso? De que modo os animais, considerados em sua variedade de espécies, também poderiam ser favorecidos? Para refletir sobre isso e tantas outras indagações surgidas no encontro global, é preciso entender um pouco do que aconteceu este mês em Belém.
A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre o clima trouxe um debate de interesse comum relacionado ao enfrentamento das alterações climáticas cujos efeitos já afetam drasticamente todo o planeta. Nesta era permeada por desastres ambientais sem precedentes, os eixos temáticos da conferência trataram de temas como energia, indústria, transporte, florestas, oceanos, cidades, infraestrutura, águas, desenvolvimento social, povos indígenas e questões transversais que incluíram o problema da fome e do necessário critério de sustentabilidade nos sistemas produtivos de alimentos.
Realizar a conferência internacional ao lado da maior floresta tropical do mundo teve um significado simbólico pelo fato de que delegações dos 195 países participantes puderam ver ou sentir de perto um dos biomas mais ameaçados pelas mudanças climáticas, debatendo ideias, planos e ações concretas para minimizar os impactos ambientais do aquecimento global. Dentre as metas principais estavam o combate à emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, a transição energética para sistemas de energia limpa e seu financiamento pelos países mais ricos, com a criação do Fundo das Florestas Para Sempre e seu sistema de pagamento por serviços ambientais.
Mas uma pergunta não quer calar: por que a fauna não ganhou seu merecido espaço nas discussões da COP30? Não se pode nunca esquecer que nosso país, a partir do exemplo vivo da Amazônia, detém a maior biodiversidade do planeta, ao abrigar milhares de espécies da fauna e da flora. Se bem que o Brasil, segundo o IBGE, também é o maior produtor mundial de carne bovina, com 238 milhões de animais criados para consumo humano e exportação. Esta atividade econômica tem gerado o desmatamento de imensas áreas florestais para o plantio de soja e a abertura de pastagens ao gado, onde o gás metano aparece como uma das principais emissões poluentes lançadas na atmosfera.
Tais paradoxos revelam que a avaliação climática requer uma análise sistêmica sobre as relações de causa e efeito imprescindíveis ao estudo do aquecimento global, que incluem as florestas, as espécies silvestres e a atividade pecuária. Isso sem falar do sistema perverso que instrumentaliza os animais domésticos e os submete a atos de crueldade, como se vê também nos embarques marítimos de gado vivo, atividade econômica que impacta o solo, a água e atmosfera. O próprio estado do Pará protagonizou uma tragédia sem precedentes há exatos 10 anos e isso nem sequer foi tratado na conferência do clima.
A COP30 fixou-se no tripé ciência, cultura e sociedade. Trouxe estudos especializados e soluções técnicas, valorizando povos e etnias em seus hábitos e tradições culturais. Mas faltou incluir a questão dos animais no debate. Não apenas as espécies silvestres do meio terrestre ou aquático. Mas todos os bichos, nativos ou exóticos, domésticos ou domesticados, que estão de alguma forma envolvidos no problema do aquecimento global ou que certamente também sofrem com as mudanças climáticas. A advogada animalista Letícia Filpi, que alguns anos atrás ingressou judicialmente com processo para acabar com o embarque de animais vivos no Brasil, esteve na COP30 e falou com o Jus Animalis:
“Meu trabalho pelos animais começou há 13 anos como advogada independente dando consultoria para ONGs, depois foi crescendo quando passei a ajudar nos resgates até ganhar maior visibilidade quando entrei com a ação questionando os embarques bovinos no porto de Santos, o que fui realmente uma virada de chave na minha atuação como advogada animalista. Eu criei um coletivo de advogadas e esse coletivo passou a se chamar Gaia Libertas. Vim à COP30 para ser uma testemunha do que está acontecendo. E o que me chamou a atenção aqui foi a ausência do ativismo animalista, porque quanto mais presença de advogados e ativismo animalista seria melhor. Eu acho que precisamos estar presentes porque infelizmente a causa animal foi praticamente excluída da COP, apesar da grande quantidade de eventos temáticos”.
Coisas muito boas, todavia, conseguiu ver no encontro de Belém:
“O que mais me chamou a atenção foi um painel do MPF, focado no caso de Belo Monte e todos os impactos ambientais que a hidrelétrica ocasionou na biodiversidade e na vida das populações originárias. E olha que a hidrelétrica foi vista como uma produção de energia limpa. Só que essa produção que o governo fez tanta publicidade causou um ecocídio gigantesco e a COP agora está toda ela voltada ao assunto da transição energética. Mas o painel do MPF mostrou que nem sempre energia limpa é energia justa e nem sempre ela deixa de causar impactos, às vezes ela causa impactos irreversíveis no meio ambiente. Mas teve muito painel sobre transição energética, de justiça climática e problemas humanos - saúde, populações indígenas, ribeirinhas etc.”
Mas o antropocentrismo, segundo ela, prevaleceu em quase todos os debates:
“Não se fala em biocentrismo ou dos direitos da natureza, nem do rio Xingu e seu direito de viver e se regenerar. Parece que as pessoas se esqueceram completamente dos direitos da Pachamama. A discussão não evolui para os direitos animais, não avança para os entes da natureza que estão morrendo. Enquanto não houver um pensamento biocêntrico, não acredito que a COP seja efetiva no combate às mudanças climáticas, porque ela permanecerá incompleta. Enquanto a gente mantiver essa visão antropocêntrica não vamos sair do lugar. Foi bom ter estado aqui, ao lado da Animal Equality, da Provet, da Sociedade Vegetariana Brasileira-SVB e do Grupo de Resposta aos Animais em Desastres-GRAD, para ver tudo isso de perto. Se bem que nossa representatividade foi pequena. A gente precisa agir como movimento e se organizar melhor para as próximas COPs”.
Letícia Filpi, na Green Zone da COP30. Foto: Beatriz Cossermelli / Animal Welfare Observatory
TERRA EM TRANSE
O permanente estado de crise ecológica, tão temido pelos ambientalistas que acompanharam a Conferência de Estocolmo em 1972, parece estar se concretizando meio século depois. Basta observar o rigor dos fenômenos climáticos extremos que já afetam todas as partes do planeta, com altas temperaturas, secas prolongadas, ciclones devastadores, inundações inusitadas, derretimento de geleiras polares e outros tantos fenômenos naturais agravados, é claro, pelas intervenções antrópicas no meio ambiente. Nesse amplo contexto de causa e efeito aparecem as atividades industriais, o uso e o abuso de combustíveis fósseis, carvão e gás, somados a fatores desencadeantes de incêndios florestais, da desertificação, das erosões e da consequente destruição de ecossistemas, que afetam os ciclos biológicos e colocam em risco os seres vivos. Isso sem esquecer do sistema agropecuário e daquilo tudo que o envolve, criando condições propícias ao aumento da temperatura global.
Essa ruptura na relação primitiva entre homem e natureza vem da Revolução Industrial, que, em sua segunda fase, trouxe ao mundo o sistema de produção em massa movida à base do aço, da eletricidade e do petróleo, cuja matéria-prima demandava processos de extração complexos. A partir daí o mundo nunca mais foi o mesmo. Com o maquinário dispararam os níveis da produtividade no campo e, também, o uso indiscriminado dos chamados recursos naturais. A derrubada de florestas para a retirada de madeira permitiu, igualmente, novas áreas para expansão agrícola, fabril e urbana. Tudo isso sem que houvesse, em contrapartida, qualquer ideia de reposição ecológica ou medida compensatória pelos danos causados.
Uma das consequências ambientais que a Revolução Industrial provocou no mundo, haja vista as emissões incontroladas de gases oriundos de atividades industriais e das fábricas, foi o aumento da temperatura média global, o que se acentuou no século 20 e disparou na atualidade. Um exemplo brasileiro que pode ilustrar tal estado de coisas foi o que aconteceu em Cubatão, que na década de 80 foi considerada a cidade mais poluída do mundo e, por força da mobilização ecologista, do papel da imprensa e das ações governamentais, conseguiu reverter isso de maneira surpreendente.
Segundo o Relatório Especial do Painel Intragovernamental sobre Mudanças Climáticas-IPCC, que em 2007 analisou as emissões lançadas no planeta, 90% dos gases de efeito estufa que chegam à atmosfera terrestre vêm de atividades humanas, sendo que a principal delas é a queima de combustíveis fósseis. Nos últimos 100 anos, ainda segundo o relatório do IPCC divulgado 18 anos atrás, a temperatura média global saltou de 0,3 a 0,6º, projetando-se para um futuro próximo – caso não seja feito nada para conter o avanço das emissões – um aumento na faixa de 2,0 a 4.5º.
Depois disso o alarme científico soou novamente e em 2015 transcorreu em Paris a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), onde houve unanimidade entre os países participantes para adotar medidas ambientais de contenção capazes de reduzir a emissão de gases de efeito estufa, limitando seu aumento até no máximo 1,5º. Isso se demonstra por meio das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) de cada país na diminuição do uso de combustíveis fósseis e da implementação do desenvolvimento sustentável.
O Acordo de Paris, cuja natureza jurídica é de tratado internacional vinculativo aos países signatários, obteve a adesão de 195 Partes na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), em Paris, isso há quase dez anos.
As metas principais da COP21, de manter o aumento da temperatura média global bem abaixo de 2°C acima dos níveis pré-industriais e limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, ainda não foram plenamente alcançadas. Por isso que é a COP30, ao tratar das mudanças climáticas, esforçou-se em buscar efetividade àquilo que ainda está pendente e, ao mesmo tempo, propor avanços capazes de conter fenômenos naturais tão frequentes na última década em todo o mundo, como estiagens, ondas de calor, tempestades e inundações.
Em 2015 a COP21 proclamou o célebre Acordo de Paris, preconizando a adoção, pelos países signatários, de uma série de medidas necessárias a conter os efeitos das mudanças climáticas, com a redução de emissões globais dos gases de efeito estufa. Deliberou-se que o aquecimento global não poderia superar 2 graus até 2100, isso em comparação ao período que antecedeu a era industrial. Sucede que apesar de alguns avanços importantes para mitigar o aquecimento planetário, as metas do Acordo de Paris ainda não foram cumpridas de modo satisfatório, haja vista que as etapas necessárias à descarbonização ainda estão longe do ideal.
Pode-se dizer hoje, sem risco de engano, que a Terra pede socorro. Os gases de efeito estufa, cuja nocividade vem sendo divulgada desde a ECO92, interfere no equilíbrio planetário e guarda estreita relação com temas correlatos que envolvem destruição da camada de ozônio, desertificação, crise hídrica, desmatamento e perda da biodiversidade. Não é de agora que os pesquisadores científicos apontam os malefícios dos principais gases poluentes que se acumulam na atmosfera terrestre, como o dióxido de carbono, o metano, o óxido nitroso, os hidrofluorcarbonos, os perfluorbarbonos e o hexafluoreto de enxofre.
O Protocolo de Quioto, tratado internacional ambiental assinado no Japão em 1997, já manifestava séria preocupação com o aumento do aquecimento global em decorrência da emissão desses gases que advêm, em regra, de ações e atividades industriais humanas. Em razão disso propôs aos países subscritores – classificados em desenvolvidos e em desenvolvimento – metas não homogêneas a serem cumpridas gradativamente, como envolver gradativas mudanças no setor de energia e transportes, limitar as emissões de metano, proteger as florestas e outros sumidouros de carbono, além de estimular o uso de fontes energéticas renováveis.
Muitas dessas metas que existem para conter as oscilações de uma Terra em transe parecem ser idênticas àquelas que foram debatidas na Conferência da Amazônia. Outras medidas similares foram anunciadas em solo brasileiro, durante a ECO92 e, depois, na Rio+20. Mas o fato é que algumas décadas se passaram entre esses encontros internacionais e cá estamos nós a buscar implementação das pendências da COP21. Enquanto isso, a natureza vai reagindo à sua maneira. Será que ainda teremos tempo?
Ricardo Tripoli, político de larga experiência como Deputado Federal, Deputado Estadual e Secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, já participou de muitos encontros ambientais internacionais, tanto que esteve presente como representante parlamentar brasileiro em oito COPs, sendo a mais importante delas a COP15, onde saiu o festejado Acordo de Paris. Autor do PL que institui o Código Federal de Proteção Animal, que ainda aguarda votação em Brasília com vários apensos, Trípoli pretende fazer com que ele entre em pauta, o que representaria uma salvaguarda a todos os animais. Em entrevista exclusiva concedida ao Jus Animalis, ele fala um pouco sobre o que pensa dos eventos climáticos globais e da lacuna deixada pela Conferência da Amazônia em relação à fauna:
“Como parlamentar membro do grupo brasileiro, participei de outras COPs com o Itamaraty, outros deputados e senadores. No evento do Brasil, a Rio+20, presidi uma comissão extremamente importante. Já a Conferência de Paris (COP21) foi a mais significativa de todas. Dela participaram 195 chefes de Estado, sendo que os signatários da Carta de Paris se comprometeram, em 2015, a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37%. Já estamos em 2025 e ainda não conseguimos cumprir essa meta. Agora passamos essa previsão para 2030 imaginando reduzir 43% dos índices de carbono. Realizar uma COP é importante. Quando você tem as entidades governamentais que não seguem nem de perto as não-governamentais, o acordo desanda, porque sua implementação não ocorre. As políticas públicas brasileiras hoje estão muito distantes dos objetivos que tínhamos no ano da COP 21, que foi um evento muito bom. Mas o grande defeito da COP30 e das anteriores é não cumprir as metas acordadas. E o Brasil, país precursor da questão ambiental em termos de legislação, inclusive, não fez sua lição de casa. Acho que falta implementação de uma agenda voltada à redução das emissões. Não adianta os países assinarem documentos e não os cumprirem”.
Sobre o melhor enfrentamento do problema climático, ele traz uma sugestão inovadora:
“Penso eu que os partidos poderiam se reunir até sem COP, aproveitando as contribuições não governamentais oferecidas ao término de cada evento, com documentos técnicos muito substanciais sobre a questão climática. Toda vez você ouve cientistas falando a mesma coisa. Onde você tem desertificação você tem enchente, onde tem enchente tem desertificação. Tempos atrás, o estado do Rio Grande do Sul foi testemunha ocular disso. No litoral paulista, São Sebastião também protagonizou um desastre ambiental seríssimo, com reflexos terríveis. Por isso é que eu digo: o evento paralelo é sempre melhor do que o encontro de Estado. É mais avançado e traz a experiência. Se no encontro mundial os Chefes de Estado se reúnem apenas uma vez por ano, no paralelo o encontro é diuturno, sempre com ideias, atividades e projetos, demonstrando maior intimidade com a questão debatida. Eu penso que não há motivo nenhum para as COPs se reunirem enquanto não foram definitivamente implantados os resultados pendentes”.
Quanto à fauna, seu posicionamento já é conhecido em todo o país:
“Outra coisa importante a ser dita é que os animais não podem ficar à margem da discussão. Mas na COP30 ficaram. O que se precisa é inserir dentro desses temas da COP uma questão específica de proteção animal, porque o apelo da fauna é muito forte, as pessoas logo percebem isso e se atentam à importância das florestas e das espécies silvestres. Lembro que na Rio + 20, em 2012, realizamos o primeiro evento paralelo de proteção animal. Fiz uma proposta parlamentar e a ministra Isabela Teixeira compareceu, juntamente com várias outras autoridades, para falar de sua importância. Hoje temos outro problema sério que envolve a questão da pecuária. Onde já se viu ter uma população de 213 milhões de brasileiros e 238 milhões de animais no setor de produção? Não faz sentido. Essa política precisa mudar. Não entendo como não incluir na discussão climática o problema relacionado à criação de gado, à exportação marítima em pé, isso é uma loucura, maldade e sacrifício”.
Ricardo Trípoli defende que as COPs devem sempre incluir os animais. Foto de arquivo pessoal
A IMPORTÂNCIA GLOBAL DA BIODIVERSIDADE
Durante muito tempo, no curso da história recente, o Brasil era visto como o país do futebol e do carnaval. A Amazônia não destoava dessa mesma linha de interpretação folclórica e permeada com toques de exotismo, algo que remetia à ideia da selva imensa repleta de perigos, habitada por animais ferozes e tribos indígenas. Hoje em dia, com o avanço da pesquisa científica, das telecomunicações, a velocidade da informação e o implemento do discurso ecológico em toda parte, é possível perceber que o verdadeiro diferencial de nosso país é outro, algo que se mostra essencial aos processos naturais e privilegia o Brasil: a sua vasta biodiversidade.
Considerada como multiplicidade de vida na Terra, além de ser dotada de um valor cultural, social e econômico, a biodiversidade assume um papel ecológico fundamental para o equilíbrio dos ecossistemas e, consequentemente, a regulação do clima. Conservá-la é a melhor maneira de mitigar os impactos e desastres provocados pelas mudanças climáticas. Ciente de sua importância, a Cúpula do Clima elegeu o tema como prioritário às discussões levadas à COP30. Falar em biodiversidade significa falar de flora e fauna, de ecossistemas, de qualidade do ar, de água límpida, de fertilidade do solo, de polinização por beija-flores, abelhas, borboletas e outros insetos...
A ideia da educação ambiental inclusiva parte do princípio de que a biodiversidade está na base de sustentação do mundo natural. Afinal, o equilíbrio dos ecossistemas ajuda na obtenção de alimentos, na obtenção de água potável, na captura do carbono necessário à vida, na riqueza florestal, na manutenção dos habitats e na redução do risco de doenças infecciosas ou mesmo zoonóticas. Com isso, a biodiversidade contribui para a regulação do clima, porque o equilíbrio do planeta requer o funcionamento pleno de seus mecanismos físicos, químicos e biológicos. Por outro lado, ela favorece o ecoturismo, o lazer e a cultura regional das comunidades locais.
Especialistas dizem que no planeta há três tipos de biodiversidade: genética, de espécies e de ecossistemas. A primeira, genética, envolve a variedade de genes em cada ser vivo, que assim aumenta sua capacidade de sobrevivência em determinado ambiente. A segunda, de espécies, possibilita o equilíbrio ecológico por abranger todas as formas de vida. Já a terceira, de ecossistemas, se reporta à variação das comunidades biológicas e seus ambientes, de modo a criar habitats para que a vida se desenvolva. Assim, de modo interligado, a biodiversidade assume um papel imprescindível para que a paisagem se desenvolva e os processos ecológicos aconteçam sucessivamente, constituindo a grande Teia da Vida que une todos os seres.
Não foi à toa que cientistas especializados em meio ambiente defenderam a necessidade de inserir o tema da biodiversidade na COP30. Afinal, debater as mudanças do clima sem falar em biodiversidade seria um equívoco, até porque os fenômenos climáticos extremos podem ser ocasionados, muitas vezes, por desmatamentos severos, pela desertificação ou por incêndios florestais devastadores. A força dos desastres naturais prejudica o meio ambiente, seja com a perda de cobertura vegetal na terra arrasada, seja pela destruição de corredores ecológicos, seja pela morte, redução ou fuga das populações animais afetadas.
Uma das especialistas que, no início deste ano, já defendia publicamente a inserção da biodiversidade na Cúpula do Clima, é a diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, a geógrafa Ane Alencar, que assim declarou em conferência proferida este ano na FFAPESF:
“Os cientistas costumam dizer que a biodiversidade é a base dos serviços ecossistêmicos, pelo fato de regular a água, clima e o solo, haja vista que os ecossistemas têm papel fundamental na absorção do CO2 [dióxido de carbono] da atmosfera. Neste sentido, evitar o desmatamento e recuperar a funcionabilidade dos ecossistemas significa reduzir o carbono na atmosfera, mitigar as emissões de gases de efeito estufa, medidas essas muito importantes no combate às mudanças climáticas. Também não se pode negar a estreita relação de causa e efeito que existe entre clima e biodiversidade, sabido que um não existe sem o outro. Pode-se dizer que estamos diante de uma via de mão dupla, haja vista que a biodiversidade influi no clima e o clima, em contrapartida, favorece a biodiversidade. Sem esse equilíbrio o meio ambiente se fragiliza e se torna suscetível a desastres naturais. E quando se pensa em impactos ambientais que ocasionam grandes estragos na natureza logo vem à mente os incêndios florestais, que se tornam cada vez mais frequentes e destruidores no planeta. Embora eles sejam na maioria das vezes atribuídos a causas naturais, por conta do rigor das alterações climáticas, não se pode deixar de dizer que a maioria de suas ocorrências, no Brasil, são criminosas. E os estragos que isso traz à fauna são gigantescos, pelo fato de ocasionarem dor, sofrimento e morte dos animais afetados”.
A gerente de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano, em entrevista concedida à InfoAmazonia.org, em 2022, disse ao Projeto PlenaMata que a importância da conservação da biodiversidade amazônica passa não apenas pela garantia de sobrevivência às milhares de espécies de fauna e flora que ali habitam, mas também pelos serviços ecossistêmicos que a própria biodiversidade presta ao Brasil e ao mundo. Segundo ela, associada a tamanha biodiversidade, a Amazônia assume um papel fundamental para a regulação do clima no planeta:
“Toda sua cobertura vegetal funciona como um grande ar-condicionado ao regular as temperaturas. Serve ainda como uma fábrica de chuvas, por meio dos rios voadores, que são imensos fluxos aéreos de vapor d’água que a floresta distribui para o continente. Além disso, armazena entre 150 e 200 bilhões de toneladas de carbono no seu solo pela vegetação”.
Ilustração extraída do Site Info.Amazonia.org. Matéria publicada em 15.12.2022
Não deixa de ser interessante citar, ainda, o relato que o zoólogo Moisés Barbosa de Souza, do Departamento de Biologia da Universidade Federal do Acre, deu ao referido site Info.Amazonia, ao se referir à exuberante biodiversidade e à riqueza de ecossistemas que existem na Amazônia, repleta de florestas densas, áreas de várzea, ambientes de terra firme, rios, matas de igapó, campos alagados, savanas, refúgios montanhosos e formações pioneiras. Por trás disso tudo, como enfatizou o pesquisador na citada matéria jornalística, o clima e a água são fatores essenciais:
“Percebe-se assim que a estabilidade climática na região amazônica, sempre quente e úmida, apesar de algumas variações de temperatura, favorece a adaptação dos seres vivos dentro daquele ecossistema e propicia, consequentemente, o desenvolvimento de uma gama de animais, vegetais, fungos e até bactérias em contínua conexão biológica. Isso tudo sem ignorar o fato de que a Amazônia é detentora da maior bacia hidrográfica do mundo, com 7 milhões de km² de extensão, repleta de biodiversidade, carbono e força vital”.
Na esteira dos argumentos científicos especializados, o governo brasileiro acabou se convencendo da importância de pautar a biodiversidade como um dos temas centrais da Conferência realizada justamente ao lado da maior floresta tropical do planeta, cujas áreas protegidas alcançam o percentual de 40% do bioma amazônico, incluídas as terras indígenas. Ainda segundo os cientistas, nele habitam 425 espécies de mamíferos, 371 de répteis, 1.300 de aves, 2.400 de peixes e 50 mil espécies de plantas vasculares.
Não foi por acaso que o governo brasileiro indicou a Amazônia como lugar estratégico para sediar a COP30, até mesmo para que os representantes das nações participantes e suas delegações pudessem ver ou sentir de perto esse ciclo vital tão presente nas florestas e em seus magníficos processos de fotossíntese, assim como na infinidade de cursos d´água, onde a flora e a fauna se tornam imprescindíveis para o equilíbrio ambiental. Mas nem tudo são flores. Pensar nessa floresta tão importante para a regulação do clima planetário significa também pensar em suas espécies endêmicas.
Seria importante fortalecer as políticas públicas para a proteção e a conservação dos animais nativos, que incluem aves, mamíferos, peixes, répteis, insetos e uma infinidade de outras formas de vida que merecem viver em um habitat preservado. Apesar de o Brasil possuir leis avançadas na tutela ambiental e da fauna, o fato é que as práticas criminosas e ilícitas ainda acontecem em larga escala em áreas de mata e os bichos sobreviventes eventualmente resgatados dispõem de poucos locais para acolhida, tratamento e preparo para soltura.
Sobre essa grave problemática da necessidade de melhor tutela dos animais, que aflige tanto as espécies arrancadas da floresta e, não raras vezes, chega àquelas resgatadas nas comunidades ribeirinhas ou em áreas urbanas, o Jus Animalis conversou com a coordenadora do Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres-CETRAS da Universidade Federal Rural da Amazônia, Ana Silvia Sardinha Ribeiro, que é médica veterinária e professora universitária. Ela contou um pouco sobre o trabalho de atendimento faunístico que realiza em Belém desde 2012 e como está atualmente a situação dos animais:
“Eu trabalho há 25 anos na área acadêmica e depois, com o aval do Ibama, me tornei também coordenadora do CETRAS situado na área em que se encontra a universidade federal rural, em Belém. Nessa atividade de atendimento aos animais feridos e sequelados, recebemos bichos de toda parte, seja da região da capital, seja de municípios mais distantes como Xingu, Santarém ou Tapajós, que são encaminhados principalmente pelos órgãos ambientais, como o Batalhão de Polícia Ambiental, as secretarias estadual e municipal de meio ambiente, o Ibama e o Icmbio, quando a ocorrência é em área de Unidade de Conservação. Muitos desses animais, sobretudo aves, vêm do tráfico e ainda têm o comportamento natural preservado, o que facilita a reintrodução. Nosso Cetras não é grande e o custo operacional e manutenção é bancado pela universidade. Hoje só consigo manter 50 animais por vez e após o atendimento trabalhamos com a hipótese, de possível, de rápida reabilitação e soltura. Quando o animal entra no Cetras a conta é nossa, da universidade, é minha. Em termos de suporte público faltam muitas ações, eu vejo uma fragilidade do próprio Estado em relação a fauna porque ninguém quer parar o desenvolvimento”
No tocante a esse problema, que afeta áreas que constituíam habitats, ela desabafa:
“Agora mesmo estão construindo uma estrada a menos de 100 metros do Cetras, causando perda de cobertura vegetal da nossa área de soltura, além de muito barulho das obras, mas a gente não vê a empresa nos procurando para assumir alguma responsabilidade, minimizar o impacto ou definir alguma medida compensatória. Temos muitos animais que morrem durante processos de desmatamentos nas áreas próximas à cidade. Belém tinha muitas áreas verdes interessantes, mas aí foi avançando sem o cuidado e responsabilidade do estado brasileiro em pensar nessa fauna, como ser que tem direitos de viver entre a gente. E não podemos deixar de dizer que a fauna, ainda que vítima das intervenções humanas, deveria ser considerada parte da solução do problema, porque sabemos que as espécies nativas, nas florestas tropicais, são responsáveis por mais de 80% da dispersão de sementes e a gente ainda não discute isso de forma séria. Outra coisa, no Cetras a gente recebe primatas eletrocutados, que sempre vão a óbito. Aí se pergunta: por que o corredor ecológico foi interrompido? Não existe neste mundo tecnologia capaz de proteger os fios de alta tensão e evitar a morte dos macacos? É tão caro assim esse investimento que as empresas poderiam assumir em razão do impacto que causam à biodiversidade? Sabemos que a gente não vai frear o desenvolvimento. Mas pensar que a fauna existe está ali é importante, mas não é valorizada como elemento que vai ajudar no combate às mudanças climáticas. Eis algumas críticas minhas. O que as empresas estão fazendo de concreto para minimizar impactos? Há muita coisa possível, é claro, mas não é feito”.
Na COP30, mais exatamente na Green Zone, Ana Silvia foi uma das palestrantes do painel dedicado aos animais aquáticos em risco, oportunidade em que falou sobre o trabalho que desenvolve no CETRAS em favor do peixe-boi amazônico, dentre outros animais, enfatizando que a fauna não é valorizada em si mesma e tampouco como elemento de combate às mudanças climáticas, em razão da produção de carbono:
“Sobre minha participação em um painel da COP digo que, já que me convidaram, serão obrigados a ouvir o que vou dizer. Apesar da pauta gigante que existe na COP, não há quase nada direcionada à questão da fauna. Na verdade, em toda minha vida dedicada à fauna silvestre eu percebo que temos a falsa impressão de que os animais são protegidos, haja vista a legislação dos órgãos ambientais existentes. Mas vejo poucas ações voltadas à conservação da fauna. O peixe-boi da Amazônia, por exemplo, está na categoria de animal em risco de extinção. Há um esforço tremendo na região do Pará para aprovação de legislação em favor deles, lembrando que temos o projeto Bicho d'Água na Ilha do Marajó e em Castanhal. Aqui no Cetras eu já recebi quatro filhotes de peixe-boi bem debilitados, um deles com um arpão na cauda. Eles vieram do Tapajós, da ilha Mosqueiro e dois de Marajó. Eles estão sendo bem cuidados, mas por falta de recursos atualmente não temos condições de receber mais nenhum. Analisando as outras COPs, vejo que, em relação à fauna, essa temática não tem sido abraçada por nenhuma das COPs de forma mais contundente como gostaríamos que fosse. A gente não consegue ver propostas amplas para isso, bem claras, tudo fica no meio do tema biodiversidade. Há painéis falando da temática na zona verde, que é livre, mas não na zona azul onde estão as grandes discussões de valorização da biodiversidade, sensibilização etc. Não conseguimos perceber essa implementação de políticas para frear isso. Quando se libera uma licença ambiental numa região metropolitana com áreas verdes e onde ocorre desmatamento, não há nada voltada para minimizar impactos à fauna. Enfim, não consigo perceber na COP30 uma pauta forte e voltada seriamente para os animais que compõem a biodiversidade”.
Ana Silvia Sardinha Ribeiro, coordenadora do Cetras da UFRA, na COP30. Foto: Cleonice Figueiredo
Um outro assunto importante a ser considerado, quando se pensa no tema da biodiversidade, diz respeito à conservação dos habitats e o papel desempenhado pelos povos indígenas, que se tornam autênticos guardiões da floresta. As manifestações que aconteceram durante a COP30 e o grande afluxo de indígenas ao evento global de Belém, para garantir a proteção de seus territórios e impedir ameaças extrativistas, reforçam a necessidade de o mundo olhar a Terra sob perspectivas muitas vezes diversas da convencional. Sobre isso, o ex-deputado federal Ricardo Trípoli contou ao Jus Animalis que viveu uma experiência inusitada e ao mesmo tempo extraordinária numa tribo:
“Certa vez fui à festa do Kuarup no Alto Xingu a convite de Noel Vilas Boas, que é filho do Orlando Villas Boas. Ao retornar eu disse: nós avançamos tecnologicamente, mas regredimos socialmente. Isso porque constatei de perto que o respeito que os índios têm pela floresta é incrível. Essa tribo que conheci, Yawalapiti, vive da pesca, da mandioca e das frutas da região. E protege a floresta como se ela fosse uma Igreja para aqueles que professam a fé religiosa. Não tem sentido acabar com essas etnias, cuja consciência dá vida para as florestas”.
IMPACTOS DO AQUECIMENTO GLOBAL NA FAUNA
A temperatura média da Terra tem aumentado de maneira significativa nas últimas décadas e isso tem desencadeado uma série de desastres naturais pelo mundo. O aquecimento global, que é potencializado pelos gases de efeito estufa lançados no ar, interfere no equilíbrio dos ciclos biológicos e afeta os ecossistemas terrestres e marinhos. Basta uma alteração da temperatura média do ambiente para que as populações acostumadas a determinado clima sofram as consequências dessa mudança. E não estamos falando apenas da população humana. Há necessidade de também adotar, nesse tema, uma perspectiva biocêntrica da natureza.
Isso porque nas áreas de mata o habitat dos animais silvestres também é igualmente impactado por fatores externos, por exemplo, o desmatamento ou os incêndios florestais. Sabe-se, afinal, que a perda da cobertura vegetal, a interrupção dos corredores ecológicos e a desertificação acarretam consequências gravosas para os biomas e a vida que neles existe. Da mesma forma, isso acontece em relação aos animais aquáticos. As geleiras que em razão do aumento de temperatura se derretem no Polo Norte, desprendendo imensos icebergs na Antártida e na Groenlândia, elevam o nível do mar e interferem, assim, na sobrevivência de muitas espécies marinhas.
Em 2009 um grupo de pesquisadores do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto Climático-PIK, analisando os processos essenciais para a manutenção do equilíbrio ambiental na Terra, constatou que se não controlarmos o aumento global da temperatura, o colapso de ecossistemas e os desastres climáticos extremos se tornarão cada vez mais frequentes. A partir do conceito de “limites planetários”, que são os indicadores científicos que medem se a Terra ainda opera em condições seguras para sustentar a vida, o debate mobilizou especialistas da área, ao demonstrar que o planeta já rompeu sete dos seus nove limites planetários. Na lista científica elaborada por Johan Rockström, diretor do PIK, além do aumento da emissão de gases de efeito estufa, a biodiversidade foi incluída na zona de risco pelo fato de várias espécies serem extintas pela degradação dos habitats naturais e ou pela exploração humana.
A preocupação com o rigor das mudanças climáticas que avançam em proporções geométricas pelo planeta, tal qual manifestada na COP30, é algo real e enseja medidas urgentes. Basta dizer que, segundo constatado por diversas pesquisas científicas que estudaram os biomas brasileiros, se nada for feito até o final deste século, a maioria das espécies nativas de nosso país terão sua sobrevivência seriamente ameaçada pela perda de habitat ocasionado pelo aquecimento global, com sério risco de extinção. Essa situação alarmante pode ser vista no Pantanal, na Mata Atlântica e na Amazônia, bem como em outros biomas espalhados em diversas regiões do mundo.
Encontra-se nesse rol de ameaças a derrubada intencional de florestas que transformam ecossistemas naturais em áreas agrícolas ou urbanas, em prejuízo dos animais que ali habitam. Se as medidas redutoras de emissão de gases de efeito estufa referendadas no Acordo de Paris fossem cumpridas nos prazos indicados, o aumento da temperatura global ficaria limitado a no máximo 2°C, reduzindo a 14% o número de espécies ameaçadas no Brasil. Mas se as emissões continuarem no ritmo que se encontram, em poucas décadas a Amazônia poderá perder definitivamente 25% de suas espécies ameaçadas.
Urbanização descontrolada, desmatamento ilegal e exploração de áreas ambientalmente protegidas, dentre outras práticas nocivas à natureza, afetam as paisagens naturais e interferem nas funções ecológicas desempenhadas pela fauna e flora nativas. Um dado estatístico que merece ser considerado e que foi bastante transmitido na COP30, mais especificamente nos debates paralelos relacionados à preservação das florestas, diz que a partir de 2000 e chegando até 2018, quase 90% da perda de cobertura vegetal no Brasil decorreu da expansão de terras agrícolas, sendo 52% relacionada ao cultivo de alimentos e 37% pela criação de gado.
Sim, é possível afirmar que o aquecimento global que se intensifica na atualidade decorre das atividades humanas tanto nas emissões de gases na atmosfera como no uso temerário da terra, sem atentar ao critério ambiental da sustentabilidade. Isso, sem dúvida, tem afetado a regularidade climática. E tal fenômeno não se limita às emissões de CO₂, mas a outros gases de efeito estufa como metano e óxido nitroso, além dos aerossóis. Esses gases todos que a atividade humana lança na atmosfera já superam 2,79 W/m², marca ainda considerada segura para a regulação do clima. Cada vez em que há aumento desses índices mais aumentam as temperaturas na atmosfera, fazendo com que impactos do aquecimento resultem em eventos climáticos extremos.
O impacto desses fenômenos extremos que deixam grandes rastros de destruição e mortes por onde passam, afetando a zona urbana e a rural, indistintamente, motivou um trabalho singular desenvolvido no Brasil por uma equipe voluntária de profissionais especializados no resgate de animais vítimas de desastres naturais e crises humanitárias. Estamos falando do Grupo de Resposta a Animais em Desastres-GRAD, que iniciou suas atividades na época da avalanche em Nova Friburgo, depois atendeu a tragédia de Brumadinho, passando pelo caso das búfalas de Brotas e, mais recentemente, socorreu os animais impactados pelas inundações do Rio Grande do Sul e pelo ciclone que destruiu uma cidade no interior do Paraná.
O GRAD Brasil participou de exposições na Blue Zone da COP30 e foi uma das poucas entidades que falaram diretamente sobre a defesa dos animais que também sofrem as consequências das mudanças climáticas. Durante o evento global sua vice-diretora, a médica veterinária Vânia Plaza Nunes, fez um apelo pelas redes sociais pedindo que os animais sejam sempre incluídos nas discussões ambientais sobre o clima, até porque na programação da COP30 não se vê em a palavra animais ou mesmo o coletivo fauna:
“Nós do GRAD estamos fazendo uma grande mobilização para que a fauna e os animais não sejam esquecidos. Tanto faz que eles sejam animais silvestres, animais explorados na pecuária ou animais de estimação, porque todos os animais precisam de pautas animalistas que sejam discutidas principalmente nesse momento de imensa crise climática e em especial quando a gente tem tantos desastres ambientais acontecendo no país. Nós estamos aqui para lembrar vocês que precisamos que os animais sejam lembrados. Eles não podem só ser explorados ou serem tratados apenas nos momentos interessantes para a sociedade brasileira. Eles precisam estar nas discussões que vão reger os países em todo o mundo, em especial o nosso país nos próximos anos e nas próximas décadas”.
As mudanças climáticas repercutem negativamente não apenas na terra, mas também no mar. A propósito disso, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima alertou, em 2007, que as geleiras e a neve das montanhas na região do Ártico estão derretendo com o aumento da temperatura polar, de modo a causar efeitos danosos nos ecossistemas marinhos. 20% de toda na camada de gelo do oceano Ártico diminuiu em apenas três décadas, fazendo desprender grandes quantidades de icebergs em torno da Antártida. A temperatura da superfície do mar atingiu recordes preocupantes em outubro de 2025, com a média chegando a 20,54°C.
E não se pode deixar de dizer que mais de 90% do calor adicional do aquecimento global é absorvido pelos oceanos, potencializando eventos climáticos extremos, dentre eles o derretimento do gelo polar e o aumento do nível do mar. Isso revela que o aquecimento da atmosfera afeta severamente a fauna do continente gelado, como ursos polares, pinguins, morsas e baleias, que sofrem com a redução de oferta de alimentos. Outro problema grave é que a elevação do nível do mar não apenas interfere na cadeia alimentar das espécies como também acarreta perigo para as ilhas e zonas costeiras com o aumento de tempestades e inundações, prejudicando peixes, anfíbios e áreas de desova de tartarugas marinhas.
Em data recente um outro fator na escala de risco veio à tona: a acidificação da água dos mares, fenômeno este que advém do aumento de CO₂ na atmosfera. Isso significa que os oceanos se tornam mais ácidos a ponto de prejudicar a vida marinha. A partir de 2024, portanto, o tema se tornou um novo motivo de preocupação ambiental, porque se antes a situação dos oceanos estava no limite do tolerável, agora ele já faz parte das questões que ultrapassaram a chamada fronteira de segurança. Isso motivou pesquisadores especializados em vida marinha a se dedicarem ao estudo desses índices de criticidade ambiental nos oceanos, relacionando-os ao rigor das mudanças climáticas.
Tais constatações no meio aquático revelam que, em meio a tantos fenômenos climáticos que vêm prejudicando o equilíbrio dos oceanos em escala mundial, houve aumento nos índices de acidez, redução de oxigênio e superveniência de ondas de calor. Em razão dessas mudanças, os recifes de corais, moluscos e ecossistemas inteiros já enfrentam condições adversas para sua sobrevivência. Também as baleias, com o aumento gradativo da temperatura do mar, têm reduzida sua oferta alimentar de krill. Para a comunidade científica estamos diante de uma situação alarmante, pelo fato de o oceano também funcionar como regulador climático que fornece oxigênio para a atmosfera.
Um dos pontos mais positivos da COP30 aconteceu na Green Zone, quando da apresentação do painel Casa Voz dos Oceanos, pela família Shepard. Esta temática levada ao evento paralelo foi muito interessante, por trazer à discussão o tema da biodiversidade marinha e falar dos animais aquáticos que sofrem com os impactos das mudanças climáticas. Neste particular foi fundamental a palestra de Paul Watson, que nos anos 70 fundou no Canadá o Greenpeace e posteriormente se lançou aos mares para defender as baleias dos arpões dos países caçadores. Esses eventos pontuais valorizaram a COP30 em assuntos quase nunca tratados, de modo que se pode dizer que a fauna marinha foi bem representada e saiu fortalecida no grande encontro climático da Amazônia.
Neste particular a participação da Sea Shepherd na COP30 fez a diferença. Trazendo para o evento paralelo propostas de debates públicos e mobilização da sociedade em face do aquecimento global, pelo discurso da proteção dos oceanos, o grupo defendeu a vida aquática e a criação de áreas marinhas protegidas. O ativista Paul Watson, que sofre ameaças de ser preso pelo Japão em decorrência de supostos danos que causou a um navio baleeiro japonês, prometeu continuar lutando em defesa da vida marinha, lembrando aos delegados da ONU que além das florestas há necessidade de o mundo proteger os oceanos, que produz o fitoplâncton do ar que respiramos. Nessa ocasião a Sea Shepherd lançou a campanha “Sem Azul Não Há Verde”.
Paul Watson e Letícia Filpi na COP30. Foto: Beatriz Cossermelli / Animal Welfare Observatory
Sobre a importância da COP30 o Jus Animalis também entrevistou Fábio Feldmann, que é um dos principais nomes do ambientalismo brasileiro e cuja atuação vem desde a época em que, como deputado federal, esteve à frente da redação do capítulo do meio ambiente da Constituição Federal de 1988. Hoje, como integrante da Ação Americana de Artes e Ciência, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP e Consultor Sênior do Centro Brasil no Clima, Feldmann disse à reportagem que a COP30 é um palco privilegiado para o protagonismo brasileiro, apesar dos riscos de retrocesso que a legislação ambiental sofre e se agrava pela crônica falta de implementação de políticas públicas estratégicas. Mesmo assim, como afirma o grande constituinte do meio ambiente brasileiro, precisamos permanecer firmes e seguir em frente:
“Nos últimos 40 anos, no mundo todo, a questão ambiental de modo geral e a climática alcançaram um patamar extraordinário. Basicamente em razão da gravidade e urgência desses temas tão presentes no cotidiano das pessoas. Creio que os desafios são claros e com isso a necessidade de tomada de decisões a curtíssimo prazo, eis que sabemos com exatidão o que precisa ser feito até 2030 e 2050: imediata renúncia dos combustíveis fósseis e, no caso brasileiro, chegarmos à meta do desmatamento zero. Minha experiência pessoal mostra que os avanços estão aí e tendem a se consolidar, em que pesem esforços em contrário cada vez mais atuantes nas COPs por parte da indústria petrolífera e demais lobbies”.
“Do ponto de vista institucional temos um déficit claro: desenhar uma arquitetura no governo federal e nos subnacionais que coloquem essas questões no centro decisório do país. Estamos diante de decisões que permeiam setores diferentes e que devem ser abordados numa perspectiva holística. Além disso num país organizado num pacto federativo as atribuições de cada ente são constitucionalmente singulares. Não podemos esquecer que pouquíssimos países têm ativos como o Brasil: uma sociedade civil invejável, uma comunidade científica de primeiro nível e com muitas iniciativas interessantes em curso. Um tópico sempre importante e incontornável está na transformação de decisões internacionais em políticas nacionais, pelo fato de que elas afetam interesses concretos de diversos segmentos da sociedade”.
“Um dos aspectos positivos da COP em Belém está em mostrar ao Brasil a importância do multilateralismo climático e com isso demonstrar que essa agenda veio para ficar. Ou seja, o quanto antes conhecermos seus riscos e oportunidades melhor estaremos posicionados. Com isso poderemos superar contradições e dilemas essenciais nosso futuro e das gerações vindouras. Poucos países têm nossas condições para enfrentar as atuais crises planetárias: clima, biodiversidade, poluição por plástico, além da pobreza e desigualdades. E o respeito aos animais deverá estar presente nas múltiplas alternativas de soluções, como um imperativo ético e, mais recente, legal”.
Fabio Feldmann na COP30, com Cila Schulman e CEO do JAQ. Foto: Marco Nascimento/ Revista Náutica
O AVANÇO DA PECUÁRIA: MAIS EMISSÕES, MENOS FLORESTAS
Não há como falar de aquecimento global sem falar da pecuária, cujos processos de criação animal para fins de consumo lançam índices significativos de gás metano na atmosfera. Dentre os gases de efeito estufa que mais causam preocupação à sociedade, o metano está em segundo lugar. E não é nada surpreendente tal colocação quando se sabe que, apenas no Brasil, o número de bovinos criado para o abate supera toda a população humana. Isso sem falar que nos últimos anos tivemos um crescimento expressivo nos sistemas produtivos: as áreas de pastagem, tanto na Amazônia quanto no Cerrado, aumentaram significativamente em razão do desmatamento agrícola a ponto de o país se tornar o maior exportador mundial de carne bovina.
O debate sobre a relação entre o mercado de proteína animal alavancado pela atividade pecuária e o agravamento das mudanças climáticas que decorrem também das emissões provenientes dos bovinos a ela submetidos começa a ganhar, aos poucos, os espaços de discussão. Apesar de ter reduzido os índices de desmatamento nos últimos anos, o que é uma excelente notícia no ano da COP30, o Brasil ainda é considerado o país que mais derruba áreas florestais no mundo, sendo que uma das principais razões dessa prática degradadora é justamente favorecer a atividade agropecuária.
Importa também ponderar que as áreas de florestas nativas - enquanto sumidouros de carbono –, caso sejam cortadas para servirem de pastagens ao gado ou fazendas de soja, se transformam em fontes emissoras de gases de efeito estufa. Ou seja, a lógica da natureza se inverte e isso traz consequências graves. O gás metano (CH₄), produzido nos processos digestórios dos ruminantes e expelidos na atmosfera, acaba sendo liberado pelos arrotos e gases dos bovinos. E seu potencial de aquecimento global é aproximadamente 28 vezes superior ao do dióxido de carbono (CO2).
É só fazer a conta para constatar o tamanho do prejuízo. A extensão territorial do Brasil favorece a criação de gado em larga escala, o que se torna prejudicial à terra que serviu de pastagem porque o solo do pastoreio se degrada com o tempo e tende à desertificação. Nesse cálculo desanimador também entra o óxido nitroso (N₂O), que é emitido pela decomposição de fezes e urina dos animais ao ar livre. Também o uso de fertilizantes químicos no preparo da ração distribuída para o gado é outra fonte significativa de óxido nitroso.
O rebanho bovino brasileiro, assim denominado pelo IBGE em 2024, alcançou a impressionante marca de 238,2 milhões de animais. A esse respeito informou o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa-SEGG que em nosso país a agropecuária representa aproximadamente 27% de todas as emissões de gases no Brasil. E o mais preocupante é saber que, em 2020, quase 70% das emissões derivadas do setor agropecuário vieram da atividade pecuária, que envolve a produção de carne, leite, ovos e derivados.
Estamos aqui falando apenas dos aspectos técnicos da criação de gado, onde o manejo inerente à produção impacta a natureza com substâncias químicas poluidoras e nocivas. Mas se formos pensar a fundo na questão, a pecuária envolve aspectos outros que afrontam a própria Constituição Federal brasileira em virtude dos maus-tratos que impõem aos animais, do nascimento até a morte, como costuma enfatizar a filósofa ecoanimalista Sônia Felipe em suas obras, dentre elas Galactolatria – mau deleite, Carnelatria - escolha omnis vorax mortal e Animais na trama abolicionista: nós supremacistas, que revelam a dimensão do sofrimento físico e psíquico que recai sobre os animais direcionados ao setor produtivo alimentar.
Sabe-se que o agronegócio é uma atividade estratégica para qualquer governo, independentemente de feição ideológica, pelo simples fato de contribuir com um percentual significativo do Produto Interno Bruto. A questão do lucro também entra nesse jogo. No Brasil há uma dificuldade política em mudar o problema das emissões, ainda que elas sabidamente prejudiquem o meio ambiente, porque no Congresso Nacional a chamada bancada ruralista detém maioria nas casas legislativas, com aproximadamente 280 parlamentares que compõem a Frente Parlamentar da Agropecuária. Não é nada simples, evidentemente, mudar as coisas.
Ainda a respeito deste tema cabe aqui citar novamente a geógrafa Ane Alencar, em entrevista que ela concedeu para a edição nº 357 da revista Pesquisa FAPESF. Ao ser questionada pelo jornalista Marcos Pivetta a respeito do uso do fogo na Amazônia para “limpar” a área de uma floresta recém-desmatada e, assim, renovar a pastagem, a pesquisadora paraense e atual diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia—IPAM, contou detalhes acerca de referida prática ainda tão comum na região amazônica:
“Inicialmente ocorre a queima da floresta para abrir caminho para a pastagem e aumentar a fertilidade do solo. Em seguida, a pastagem é queimada periodicamente para renovar as gramíneas e eliminar árvores e tocos não consumidos por queimadas anteriores. Diferentemente de outras partes do Brasil, onde há um pasto mais bem manejado, com pessoas trabalhando nesse processo sem o uso do fogo, na Amazônia os pastos são de uso extensivo. O gado come em alguns lugares específicos, que geralmente ficam com o solo mais exposto. Nesses locais, acaba crescendo uma vegetação arbustiva. A forma mais rápida e barata de limpar esse pasto, deixá-lo sem tocos, é com o fogo. Investir em maquinário é caro. Segundo dados do MapBiomas, 88% de toda a área desmatada na Amazônia virou pasto”.
Não resta dúvida, portanto, que a atividade pecuária brasileira se alastra por regiões ambientalmente protegidas, ao longo do bioma da maior floresta tropical do mundo, que abrange nove países sul-americanos e, no Brasil, está presente nos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Tocantins e em parte no Mato Grosso e no Maranhão. E ela se expande para o segundo maior bioma brasileiro, que abrange pelo menos 22% do território nacional e constitui sua maior reserva hídrica. Também está bem presente noutros biomas, como no Pantanal, na Caatinga e nos Pampas gaúchos.
Pensando certamente nisso tudo e disposta a minimizar os impactos negativos da criação bovina, a organização global Health for Animal, que representa a indústria de medicamentos veterinários, liderou um movimento internacional para posicionar a saúde animal como pilar da sustentabilidade na atividade pecuária de corte e na produção de leite. A exemplo da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação-FAO, ela defende o uso de tecnologia voltada à saúde animal como meio de reduzir as emissões do setor em 35% até 2050. Para atingir essa meta anunciada na COP30, propõe que haja uma cadeia produtiva mais moderna e com tecnologia de ponta, que permita produzir mais carne em menos áreas, com menor consumo de recursos naturais e redução consistente das emissões de gases do efeito estufa.
Pelo Brasil esteve presente na AgriZone da COP30 a Embrapa Pecuária Sul, com o mesmo discurso voltado à implementação de estratégias mitigadoras do lançamento de gases de efeito estufa pelo gado, contribuindo para tornar a atividade pecuária mais sustentável. Uma das tecnologias apresentadas foi a Prova de Emissão de Gases, uma avaliação que escolhe bovinos que absorvam melhor o alimento ingerido e emitam menos gás metano, sendo que a identificação de jovens reprodutores e com menores índices de emissão pode servir de parâmetro para o melhoramento genético dos animais.
O que se pode concluir, com base nessas apresentações levadas à COP30, é que o setor pecuário usou o discurso da sustentabilidade como argumento voltado à chamada solução climática, prometendo a redução das emissões de gás metano seja com medidas restritivas de espaços, seja com intervenções de aprimoramento genético. Em linhas gerais, a criação de gado se daria em espaços menores e a engorda no menor tempo possível, sob a alegação de que animais saudáveis atingem mais rápido o peso ideal e provocam menos emissões. Eis a fórmula da “sustentabilidade” que se volta à indústria do abate fomentado pelo mercado da carne: produzir cada vez mais em menos tempo. E o lado mais fraco, como sempre, não tem voz.
Sobre esse assunto a advogada Letícia Filpi, que acompanhou com espanto, na Green Zone, algumas das propostas anunciadas por entidades voltadas ao sistema de produção animal, teceu comentários muito pertinentes:
“As discussões da COP30 não chegam no problema da pecuária. Fala-se em monocultura, mas não na pecuária. Vi um painel do AgroZone, em que se discute uma pecuária sustentável. A proposta deles é confinar gado, o máximo possível, isso certamente vai aumentar os índices de maus-tratos. Querem também fazer modificação genética para que o gado emita menos gases, e que isso diminua o desmatamento. Mas veja a que preço. Eles querem transformar os bois indivíduos em máquinas de produção, confinar cada vez mais e fazer a propaganda deles”.
O advogado animalista Yuri Fernandes Lima, ouvido pelo Jus Animalis, reforçou que as mudanças climáticas estão diretamente associadas à pecuária. O desmatamento da Amazônia é majoritariamente causado por essa atividade, para abertura de pasto e para o plantio de soja para alimentar o gado. Tudo isso causa aumento das temperaturas, alteração do regime de chuvas, desertificação, impacto sobre os aquíferos e os oceanos, perda da biodiversidade. É urgente pautar a pecuária nas discussões sobre meio ambiente e mudanças climáticas, inclusive nas COPs. Para Yuri, a humanidade precisa repensar seus hábitos de consumo e de vida para respeitar todas as formas de vida e garantir que elas sobrevivam em paz e harmonia:
“A mera objetificação e instrumentalização dos animais ofende o princípio constitucional da dignidade animal, pois cada indivíduo tem o direito à vida digna, à liberdade, a viver e morrer de forma natural, a exercer seus comportamentos naturais. Em sistemas de criação intensiva a violação desses direitos é mais gritante, pois os animais são confinados e, portanto, privados de tudo. Não bastasse tudo isso, a pecuária inflige aos animais mutilações e intenso estresse, sendo que hoje já sabemos que o bem-estar animal não é apenas físico, mas também psíquico”.
MEMÓRIAS DE UM NAUFRÁGIO
Embora não tenha sido pautada na COP30, uma coisa é certa e precisa ser dita: no Brasil de hoje o setor pecuário avança como nunca se viu, tanto que há mais bois do que gente e as empresas do ramo até exportam animais vivos para outros continentes. Tornou-se comum, nos portos de Santos, São Sebastião, Rio Grande e Barcarena, por exemplo, ver grandes navios cargueiros se preparando para embarcar milhares de bovinos às travessias que costumam levar de 20 a 30 dias em alto-mar.
Nesse percurso os animais convivem em meio a dejetos de todo tipo, sofrendo privações, dor e sofrimento incomensuráveis. 10 anos atrás, no porto da Vila do Conde, que fica a 40 km de Belém, um navio de bandeira libanesa que se preparava para zarpar naufragou com quase 5 mil bois a bordo. Os corpos dos animais afogados, que se misturavam à borra dos 700 mil litros de óleo combustível que vazaram do navio, ficaram espalhados pelas praias de toda a região, acarretando gravíssima poluição hídrica e enormes prejuízos às comunidades ribeirinhas.
Bois vítimas do naufrágio do navio Haidar em Barcarena/PA. Foto: MPPA
Sobre essa tragédia que ainda remanesce na memória dos paraenses, a articulista do Jus Animalis, Íris Fernandes Poffo, escreveu que desastres marítimos dessa magnitude já aconteceram antes, um em 2009 na costa do Líbano, de um navio carregado com 17 mil bois, e outro em 2020 na costa do Japão, com 6 mil animais. Em seu artigo Considerações sobre o desastre socioambiental do NM Haidar no Pará, a autora acrescenta que o porto de Vila do Conde, em Barcarena, responde por aproximadamente 90% das exportações brasileiras de gado, sendo que os animais ali embarcados são provenientes de fazendas das regiões sul e sudeste do país e chegam de caminhão até o Pará.
Um mês antes da abertura da COP30, a Organização Não-Governamental Mercy For Animals, juntamente com a Procuradoria da República no Pará, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Barcarena e a Comissão de Direito Animal da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará, realizaram o seminário “10 anos depois: o naufrágio do navio Haidar”, mediante debates acerca da necessidade de proibir a exportação de gado vivo por via marítima no Brasil, propondo até que isso aconteça a adoção de medidas fiscalizatórias da atividade. No evento ficou evidenciada a extrema crueldade que recai sobre os bovinos transportados pelo oceano, que durante as viagens são submetidos a sol escaldante e a altíssimas temperaturas, tanto que muitos perecem durante a viagem e são lançados ao mar.
Paula Cardoso palestrando no Ministério Público em Barcarena/PA. Foto: Camila Sousa
A diretora jurídica da Mercy for Animals na América Latina, Paula Cardoso, esteve presente no seminário e disse que as chances de uma nova tragédia como a do naufrágio do navio Haidar acontecerem aumentaram muito, porque este ano o Brasil se tornou o maior exportador de bovinos vivos do mundo e, desse total, 66,4% da atividade está concentrada no porto de Vila do Conde, situado quase que ao lado da cidade sede da COP30. À nossa reportagem ela contou que desde 2018 a Mercy For Animals no Brasil vem trabalhando pelo fim da exportação de animais vivos por via marítima, tanto que ao lado da organização Princípio Animal propuseram uma ação civil pública focada nas questões do estresse térmico que recai sobre os animais transportados nos navios cargueiros e, também, no licenciamento ambiental da atividade. Sobre o evento público em Barbacena, às vésperas da COP30, Paula Cardoso disse o seguinte:
“Nós tínhamos muito claro que a data não podia passar em branco, seja porque a comunidade de Barcarena ainda sofre com os efeitos desse naufrágio, seja porque todas as vidas não-humanas perdidas merecem ser lembradas. Contamos com a presença de lideranças comunitárias, que puderam compartilhar suas experiências e apresentar suas demandas, e de autoridades locais, que compreenderam e reconheceram esses impactos. A possibilidade de poluição ambiental que a exportação de animais vivos por mar é capaz de causar é real, e o desastre ambiental decorrente do naufrágio do navio Haidar é prova disso. Estamos falando de uma atividade que utiliza uma frota de navios majoritariamente antiga e precária, com alto risco de ocorrência de acidentes que levam não apenas ao sofrimento e morte de animais e seres humanos, mas também à contaminação de águas”.
Perguntada pelo Jus Animalis se o tema relacionado à criação e exportação pecuária deveria ensejar renovados enfrentamentos, dadas às implicações ambientais e climáticas que a atividade provoca, a entrevistada foi enfática:
“Existem dois aspectos da exportação de animais vivos que estão intrinsecamente ligados à questão climática. O primeiro deles foi bastante explorado em nosso Relatório Investigativo, que é grande exposição da atividade a desmatamento ilegal. O Estado do Pará tem as taxas de desmatamento mais elevadas da região amazônica e concentra de dois terços da exportação de bois vivos. O segundo aspecto é o estresse térmico. Esse é um dos problemas mais graves que os animais enfrentam durante as viagens e, com o aquecimento global, ele só tende a piorar. Diversos países já adotaram medidas, como proibições sazonais, para reduzir os efeitos das condições climáticas extremas sobre os animais a bordo de navios, mas o Brasil ainda permite que esses animais viajem em altas temperaturas. A COP30 está tão atenta às discussões sobre as mudanças climáticas, mas além da superação dos atuais sistemas alimentares não estar no centro desses debates, me parece que os efeitos do aquecimento global sobre os animais explorados para consumo não estão nem à margem. É uma pauta praticamente inexistente. Os projetos de lei que hoje tramitam nas casas legislativas propõem a proibição total, a proibição gradual e restrições à atividade. Acredito, sim, que há chance de um desfecho positivo. Acredito até que ele está mais próximo do que imaginamos. Mas, para isso, precisamos de engajamento social. As eleições de 2026 serão determinantes para que esses projetos avancem ainda mais, então meu convite é para que as pessoas busquem saber quem tem um efetivo comprometimento com a pauta antes de votar”.
Seminário sobre o naufrágio do navio que matou 5.000 bois no Pará. Foto: Camila Sousa
Vale por fim observar que no exato momento que as conclusões da COP30 eram anunciadas em Belém, o navio cargueiro Spiridon 2º - embarcação responsável pelo transporte de 2.850 vacas exportadas para o Oriente Médio – havia sido impedido de desembarcar na Turquia e recebeu ordens de voltar a seu ponto de partida, o Uruguai. Os animais que se encontram à deriva, depois de passarem 58 dias no mar, agora retornam à América do Sul, em situação degradante, sob forte calor e odores fétidos. 58 vacas já morreram e quase uma centena de bezerros nasceram a bordo, em condições precárias. A comunidade internacional precisa estar atenta ao problema e dar um basta ao sistema econômico brutal que desconsidera a sensibilidade dos animais para considerá-los tão somente como produtos.
COP30, BALANÇO FINAL
As mudanças climáticas têm sido, nos últimos anos, assunto central de estudos ambientais especializados que suscitam pautas como aquecimento global, inversões térmicas, desastres naturais, perda da biodiversidade e necessidade de transição energética. Não se pode perder de vista que nosso país, sede da COP30, possui a maior floresta tropical do mundo, ao abrigar milhares de espécies da fauna e da flora, da mesma forma que também é o maior produtor de carne bovina em todo o planeta, com 238 milhões de animais criados o para consumo humano.
A COP30 focou em pilares tradicionais como mitigação das mudanças climáticas (redução de emissões), adaptação aos seus impactos, financiamento climático para países em desenvolvimento, transição para energias renováveis e bioeconomia, além de medidas para a preservação das florestas e da biodiversidade. Temas emergentes incluíram a transição energética justa, a valorização de povos indígenas e comunidades vulneráveis, a importância de soluções baseadas na natureza e a inclusão da agricultura e dos oceanos nos debates.
Palco de amplos debates governamentais e, simultaneamente, de manifestações populares das mais diversas, a COP30 se encaminhou ao final com muitas divergências entre os países participantes. O problema das metas de redução dos combustíveis fósseis, a afetar diretamente as indústrias de carvão e de petróleo, foi um dos impasses não superados. Da mesma forma, o valor do financiamento climático, dos países ricos para os mais pobres, não definiu valores e nem mecanismos para sua transparência. O rascunho do texto final do acordo da Conferência das Partes, em meio a tensões e divergências de blocos antagônicos, não obteve consenso.
Ao apagar das luzes da COP30, o pretendido Mapa do Caminho deu lugar ao documento denominado Mutirão Global: unindo a humanidade em uma mobilização global contra a mudança do clima". Este texto final preferiu não citar os combustíveis fósseis, mas apresentou propostas estruturais de ampliação à agenda de cooperação para futuros debates e inclusão da meta de triplicar o financiamento global até 2035. No encerramento dos trabalhos, o presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, prometeu criar dois mapas: um para reverter o desmatamento e outro fazer a transição energética afastando-se dos fósseis. Recebeu aplausos, embora a comunidade científica e os ambientalistas não tenham saído satisfeitos do encontro.
O referido documento diz que a transição global para um desenvolvimento de baixas emissões é irreversível e que o Acordo de Paris “está funcionando”, mas precisa ir “mais longe e mais rápido”. Segundo o último Boletim Informativo da COP30, o texto final também convoca uma mobilização global para acelerar a efetivação das metas climáticas de cada país (as NDCs), além de lançar o Acelerador Global de Implementação e estabelecer que Nações devem trilhar caminhos alinhados ao limite de 1,5°C. Mas tudo isso sem citar a redução de combustíveis fósseis e muito menos a origem dos financiamentos aos países pobres. Já em relação à fauna, como já se esperava, nenhuma palavra. Aqui, infelizmente, não há muito o que comemorar.
A COP30, que se voltou à temática global das mudanças climáticas, até que seria um lugar adequado para discutir e propor soluções mitigatórias ao flagelo que ameaça o planeta e recai não apenas sobre os homens, mas também nos animais. A ideia de zerar as emissões líquidas até 2040 e o desmatamento até 2030, ao que tudo indica, continuará a ser apenas uma ideia. Já o problema das emissões de gases de efeito estufa, afastada por enquanto a discussão dos combustíveis fósseis, remanesce em relação ao gás metano oriundo da atividade pecuária apenas como medida mitigatória.
Dentre os pontos positivos da COP30, além das indicações voltadas à preservação do habitat dos animais nativos, cabe mencionar o reconhecimento da interdependência entre oceanos e florestas, enquanto recursos naturais que regulam o clima e sustentam a biodiversidade, tal qual enfatizado no painel “Sem o Azul Não Há o Verde”. Organizado pela WWF Brasil, essa proposta traz planos de gestão sustentável de florestas, oceanos e biodiversidade, com ênfase em soluções baseadas na natureza e oportunidades de cooperação e financiamento internacional. Outro tópico promissor enfatiza a proteção dos recifes de corais, como solução necessária para fortalecer territórios e ajudar na resiliência climática.
Se de um lado a COP30 trouxe iniciativas louváveis para a preservação e conservação dos ecossistemas terrestres e marinhos, seja na defesa dos habitats, seja pela vislumbrada interface entre florestas e oceanos, em contrapartida, os bovinos submetidos aos processos econômicos de criação em áreas desmatadas, em todos os biomas brasileiros, tornaram-se invisíveis aos olhos do mundo. Lamenta-se que, de modo geral, os animais - seres sensíveis que, a exemplo do homem, também sofrem as consequências das mudanças climáticas - permaneceram à margem dos debates globais.
Ativista indígena Isabel da Fonseca com sua filha ZAGTXO na COP30. Foto: Karina Yamamoto / UOL