Considerações sobre o desastre socioambiental do NM Haidar no Pará

Na visão ecossistêmica, uma instalação portuária não é uma ilha isolada do meio onde se insere. Ao seu redor, características biogeográficas interagem com fatores hidrodinâmicos, socioambientais, econômicos, culturais e políticos. 

O Complexo Portuário Industrial de Vila do Conde está situado à margem direita do Rio Pará, aproximadamente a 3 km da Vila de Murucupi (antiga Vila do Conde), em frente à Baía de Marajó, formada pela confluência dos rios Tocantins, Guamá, Moju, Acará, Arapiranga, Campompema e Guajará de Beja entre outros. (Companhia Docas do Pará, 2025: https://www.cdp.com.br/companhia-docas-do-para/porto-de-vila-do-conde). Em toda região há manguezais, praias, áreas residenciais e comerciais. 

Na manhã de 06 de outubro de 2015, o Navio Mercante (NM) Haidar estava atracado no Porto da Vila do Conde, embarcando 4.500 bois vivos, que seriam levados para a Venezuela, quando naufragou. Como consequência, extensa área foi poluída, e a comunidade ribeirinha foi muito prejudicada.

De acordo com o relatório de investigação de Segurança de Acidentes e Incidentes Marítimos (ISAIM) de 2015, da Capitania dos Portos da Amazônia Ocidental (CPAOR), o que “contribuiu para o naufrágio foi o fato de as defensas do píer terem ficado presas nas aberturas laterais, a bombordo do navio, com a variação de maré” do dia anterior (MB, 2015). 

O navio mercante (NM) Haidar transportava contêineres. Em 2015, foi convertido para o transporte de carga viva, com capacidade para embarcar até 5.000 cabeças de gado. Esta seria sua quarta viagem (MB, 2015).

O carregamento de feno, arroz para ração e água potável iniciou em 02.10 à tarde e terminou na madrugada do dia 04. Entre a tarde do dia 05 e manhã de 06, começou o carregamento do gado, com várias interrupções devido à influência de fortes ondas, que balançavam o navio” (MB, 2015).

Na baixa-mar, as fortes ondas balançaram o navio, e suas aberturas laterais ficaram presas nas defensas do cais (estruturas rígidas). Quando a maré começou a subir, o navio não se soltou e foi inclinando lentamente até virar. Segundo o citado relatório da MB, as ações de resposta do comandante do navio e do porto não foram eficientes para evitar todo o caos que se seguiu.

De acordo com a Marinha do Brasil – MB (2015) e com o Ministério Público Federal (2015): milhares de bois morreram afogados e 357,5 m³ de óleo combustível marítimo MF 380, vazaram juntamente com outros óleos (diesel, lubrificante e resíduo oleoso). Soma-se 90 t. de feno e 50 t. de fardos de arroz. Segundo Witt/O´Brien´s (2016), vazaram 135 m³ de óleo no total, considerando o volume que foi recuperado por empresa especializada, posteriormente. 

Dos 4.500 animais embarcados, 40 conseguiram sair do compartimento de carga, sendo resgatados com vida pela empresa Minerva Foods, que os estava exportando. A maioria, 4.460 bois se afogaram e, os que tentavam fugir foram capturados e mortos por moradores locais, para deles se alimentarem.

A Companhia Docas do Pará, pelo que consta dos laudos do MPF (2015), não acionou de imediato o Plano de Controle de Emergência e o Plano de Auxílio Mútuo – PAM do Porto, conforme a Norma Regulamentadora (NR) nº 29 - Segurança e Saúde no Trabalho Portuário – Portaria nº 158/2006 da Secretaria de Inspeção do Trabalho/Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho.

De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, a Cia Docas do Pará não possuía um Plano de Contingenciamento em operações envolvendo animais vivos.

Instalações portuárias, cuja atividade fim não seja carga/descarga e manuseio de petróleo e derivados, também devem atender à Lei Federal nº 9966/2000 e a Resolução CONAMA 398/2008 referente ao Plano de Emergência Individual. Conforme o relatório da MB, o Porto de Vila do Conde não possuía – PEI, aprovado pelo órgão ambiental competente.

Trata-se de um plano de emergência específico para atender vazamentos de óleo nas águas jurisdicionais brasileiras. É elaborado com base nas hipóteses acidentais e no cenário de pior descarga. Deve demonstrar que a instalação está capacitada para executar, de imediato, ações de respostas previstas para atendimento aos incidentes de poluição por óleo, com recursos próprios (humanos e materiais), que poderão ser complementados com recursos de terceiros, por acordos previamente firmados.

Seu conteúdo precisa apresentar, entre outras informações, um plano de comunicação, a estrutura organizacional de resposta, procedimentos para monitoramento da mancha de óleo, ações de combate, procedimentos de limpeza das áreas afetadas, plano de gerenciamento de resíduos, ações para proteção das áreas sensíveis, da população e da fauna.

Quando uma instalação (porto ou terminal) perde sua capacidade de resposta diante de um incidente de poluição por óleo nas águas brasileiras, deve acionar o Plano de Área que visa ampliar a capacidade de controle emergencial (Dec. Federal nº 4.871/2003, alterado pelo Dec. Federal nº 8.127/2013). Mas, para que este exista, é preciso que os PEIs da região estejam aprovados.

Como não se investiu na prevenção, manchas de óleo e carcaças de animais mortos, juntamente com o feno, deslocaram-se pela movimentação das marés e correntes fluviais, contaminando toda região. A água do rio ficou imprópria para consumo, banho e pesca da população ribeirinha. O odor dos animais em decomposição nas praias era insuportável, segundo as reportagens.

Representantes de várias instituições estiveram presentes: ANTAQ, IBAMA, Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará – SEMAS, Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, Capitania dos Portos, Prefeituras, Vigilância Sanitária, entre outras. 

Foi exigida a contratação urgente de empresas para contenção e recolhimento do óleo, limpeza de praias e atendimento à população afetada (cerca de 108 famílias). As carcaças removidas foram destinadas a um aterro sanitário, construído em carácter emergencial.

Consta, do citado documento do MPF, laudo do Instituto Evandro Chagas comprovando nexo causal entre a poluição pelo navio e o dano ambiental do rio Pará, quanto aos aspectos microbiológicos, físico-químicos e biológicos, com risco potencial de exposição da população a doenças de veiculação hídrica.

Com “o vai e vem das marés”, a poluição ambiental tenderá a diminuir, as imagens deste desastre tenderão a sair das manchetes dos jornais, mas não da memória da população ribeirinha. E o navio jaz naufragado no porto há 10 anos.

Além dos instrumentos legais, desconsiderados pelos réus, citados anteriormente, vale mencionar a Lei Federal nº 9.605/1998, que condena os maus-tratos aos animais; a Lei Federal nº 8.171/1991, que trata da política agropecuária; a Resolução nº 791/2020 do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, que consolida as normas para o transporte de animais vivos; a Norman nº 203/2023 da Diretoria de Portos e Costas da Marinha do Brasil, na Sessão II, referente às condições para carregamento de carga viva; entre outros.

E, o Projeto de Lei Federal nº 521/24, que visava proibir a exportação de animais vivos para abate ou reprodução, devido às preocupações com maus-tratos e más condições de manuseio foi arquivado na Câmara dos Deputados. Ele alteraria o Art. 28-A da Lei Federal nº 8.1711991 (Portal da Câmara dos Deputados).

Nestas considerações, há mais dois apontamentos. Primeiro, que outros navios continuam carregando gado vivo neste porto, que responde por aproximadamente 90% das exportações brasileiras, segundo Ministério da Agricultura (citado pelo MPF). Animais criados em fazendas situadas nas regiões sul e sudeste, transportados em caminhões até o Pará. 

E, em segundo, é que o desastre do Haidar não está isolado. Destacamos dois naufrágios ocorridos em 2009 na costa do Líbano, de um navio carregado com 17 mil bois, e em 2020 na costa do Japão, com 6 mil animais. Nestes três casos, os navios foram convertidos, conforme relata matéria do Repórter Brasil de 2024 (Pesadelo no mar: o trabalho nos navios de exportação de gado vivo - Repórter Brasil).

Portanto, temos de um lado, a necessidade urgente dos portos e terminais se adequarem às exigências legais para investimentos em prevenção, preparação e resposta à derrames de óleo nas águas brasileiras. Do outro, a incorporação de políticas ecologicamente corretas para o merecido respeito aos animais, como seres vivos sencientes.

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Referências


Marinha do Brasil. Diretoria de Portos e Costas. Adernamento e Naufrágio Sem Vítimas do NM Haidar em 06/outubro/2015. Relatório de Investigação de Segurança Marítima. Disponível em: *ISAIM-NM-HAIDAR-ptbr.pdf Acessado em 15.10.2025.

Repórter Brasil, 2024. Por Isabel Harari e Daniela Penha. Edição Bruna Borges. Em 11/06/2024. Disponível em: Pesadelo no mar: o trabalho nos navios de exportação de gado vivo - Repórter Brasil. Acessado em 22.10.2025.

Normas da Autoridade Marítima para Operação de Embarcações Estrangeiras em Águas Jurisdicionais Brasileiras. Marinha do Brasil. Diretoria de Portos e Costas 2023. Norman nº 203/2023. Disponível em: normam-203.pdf. Acessado em 20.10.2025.

Ministério Público Federal. Caso Haidar. Processo nº 0028538-38.2015.4.01.390. Disponível em  caso-haidar.pdf Acessado em 15.10.2025.

Witt|O’Brien’s Brasil e Minerva Foods. Relatório Unificado. Projetos Ambientais: Naufrágio do Navio Haidar, Baía do Capim/PA. Maio/2016. Disponível em: minerva_relatoriounificado_final.pdf  Acessado em 26.10.2025.

Agência Pará. Estado avalia Plano da CDP e reforça apoio em Vila do Conde. Por Redação - Agência PA (SECOM). 21/10/2015. Disponível em: Estado avalia Plano da CDP e reforça apoio em Vila do Conde | Agência Pará Acessado em 26.10.2025.

IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

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Sônia Felipe, filósofa ecoanimalista