Práticas culturais ou tortura?
Múltiplas formas de exploração e tortura são protegidas por normas e decisões judiciais, como é o caso da Colômbia, onde o tratamento cruel ao qual os animais são expostos é tradição e cultura. Os pronunciamentos de legisladores e juízes contradizem um dos objetivos da Declaração de Toulon (2019), que estabelece que os interesses de outros animais devem ser protegidos: seu direito à vida, à liberdade, a uma existência livre de maus-tratos, violência e tortura.
Embora algumas regras e sentenças busquem justificar o injustificável, vale a pena citar uma reflexão de Francione (2000) a esse respeito: "a questão não é que o comportamento faça parte da cultura; todo comportamento faz parte de alguma cultura. A questão é se ela pode ser moralmente justificada" (p.196). Essa questão deve ser colocada aos juízes e à sociedade para que reavaliem as razões que perpetuam atos atrozes chamados de cultura/tradição, tais como o coleo e o rodeio.
Coleo e rodeio
No coleo, não há uma, mas duas vítimas. O cavalo é montado pelo coleador e o touro é violado em meio ao júbilo dos espectadores. Na Colômbia, o coleo é um “esporte” e seus praticantes são membros da Federação Colombiana de Coleo (Fedecoleo).
Consiste, conforme explicado no artigo 54 dos regulamentos da Fedecoleo (2023), em que um “coleador”, montado em um cavalo, agarra o touro pela cauda, com as duas mãos, sentado, no estribo, e o faz cair e rolar no chão da rampa, que é um terreno arenoso ou gramado, em torno do qual os espectadores são colocados. A pontuação do “deportista” será maior dependendo do tipo de queda, do arrasto do touro e do local onde ele o faz. Dependendo dessas variáveis, a pontuação varia de cinco a quarenta pontos.
Além de ser promovida como esporte, a Fedecoleo (2023) afirma ter uma política ambiental:
“O meio ambiente, as árvores, os animais, os estuários, os rios e córregos são as maravilhas que temos em nossa imensa planície, e como ela é bela quando é enfeitada por uma manada de gado; a paixão que se transmite em uma tarde de tourada, em que toureiro e cavalo são os vencedores”. (Fedecoleo, 2023, p. 1)
Observe o cinismo ao afirmar que os “animais, árvores, etc., são as maravilhas da região”, mas eles os submetem a sofrimentos indescritíveis para exibir um pouco daquela frágil masculinidade, virilidade, que caracteriza o homem llanero e o coleador.
Enquanto isso, uma atividade semelhante ocorre nos Estados Unidos, na Austrália, na Nova Zelândia, no Canadá e em alguns países da América Latina, como o Chile: o rodeio, uma prática em que o cowboy mostra sua resistência montando um touro e tentando não ser derrubado.
As pessoas que o praticam são de origem agrícola, têm ranchos, fazendas e acreditam que isso não representa um perigo para o animal, pois, segundo elas, raramente são feridos. Os praticantes de rodeios defendem algo eticamente condenável porque viola a integridade física e emocional de outros animais. Os especialistas da Peta afirmam que eles sofrem lesões, problemas musculoesqueléticos e chifres quebrados. Outros ficam paralisados devido a ferimentos e os feridos são abatidos. (Nawac, 2018)
Aqueles que lucram com esse negócio argumentam que estão buscando seu bem-estar e reduzindo o sofrimento. Dessa forma, defendem atos que restringem sua liberdade, inclusive a liberdade reprodutiva, pois são criados para esse fim e causam dor apenas para entreter os humanos, apesar da ansiedade e da agitação que isso causa aos animais (Animal Liberation Australia, 2023). Embora Pittsburgh, Baltimore e Rhode Island (Estados Unidos) tenham emitido decretos que impedem o uso de dispositivos que dão choque nos touros e exigem a presença de um veterinário durante o evento, eles não proíbem esses shows, mas os protegem com a ideia de bem-estar e entretenimento.
A perspectiva de bem-estar, que caracteriza o sistema jurídico colombiano, regula e valida essa atividade de coleo por meio do cumprimento de um regulamento da Lei 1774 de 2016, que permite garantir que os praticantes de coleo o façam com o mínimo de sofrimento. Infelizmente, a Corte Constitucional colombiana, por meio de sua jurisprudência, tornou outras práticas minoritárias, como a briga de galos, quase intocáveis, catalogando-as como uma tradição.
Por fim, embora a Colômbia tenha obtido uma importante vitória ao proibir as touradas, outras “tradições” continuam em vigor. A Sentença C-666/10, e outras que seguiram esse precedente, delinearam o futuro dos outros animais ao catalogar as práticas aberrantes como manifestações culturais e, assim como as “expressões artísticas”, protegidas pela Constituição Política de 1991, artigo 70. Consequentemente, diante da colisão do direito a essa atividade “cultural” versus o direito do animal, os direitos dos outros animais cedem e o dever de proteger os animais é reduzido. Essa posição ratifica a visão antropocêntrica, que privilegia os interesses e as necessidades humanas em detrimento da violência contra outros animais.