Lutando pela unidade familiar de múltiplas espécies

Um caso incomum chegou aos tribunais da Colômbia este ano. No contexto da cessação dos efeitos civis de um casamento religioso, uma mãe solicitou, via ação de tutela, em nome de seu filho, a proteção de seu direito à unidade familiar, ao livre desenvolvimento da personalidade, à privacidade pessoal e familiar, entre outros, supostamente violados pelas autoridades.

O motivo de sua reclamação foi o fato de o tribunal de família, onde seu processo de divórcio estava sendo conduzido, ter ordenado a apreensão e a penhora de dois cães. A requerente alegou que isso não era correto, pois eles faziam parte de sua família.

Para fundamentar seu pedido, a mãe descreveu o estreito vínculo entre seu filho e os cães, uma vez que eles o acompanham desde o seu nascimento e porque retirá-los de sua casa lhe causaria grande angústia e até depressão.

A autora da ação também alegou que a apreensão e o sequestro foram solicitados com base no fato de que os cães seriam mera propriedade [1] e não levaram em conta que eles são seres sensíveis e membros de uma família, uma condição que, no caso de Clifor, um filhote de cachorro reconhecido, há quatro anos, como membro de uma família multiespécie em Ibagué (Tolima).

Apesar das razões apresentadas pela autora solicitando a suspensão da medida cautelar de apreensão e confisco dos cães, os juízes negaram seu pedido. A Suprema Corte de Justiça (STC1926-2023) concluiu que a ação de tutela não era o meio adequado e especificou que: "a precursora tem a possibilidade de apresentar sua oposição para que, no âmbito do respectivo incidente, submeta ao escrutínio do juiz de família as circunstâncias especiais aduzidas nesta sede - por exemplo, a suposta "propriedade" dos cães e a existência de vínculos afetivos".

Esse processo é relevante, pois, embora a requerente não tenha obtido amparo, suas alegações reiteram um fato inegável: que outros animais são membros queridos de nossas famílias multiespécies e a necessidade de desvinculá-los. Destaca também o fato de que a introdução do parágrafo, no artigo 655 do Código Civil, esclarecendo que são seres sencientes, não implica, na prática, uma mudança no tratamento que recebem, pois ainda são qualificados como bens móveis e não como sujeitos de consideração moral. 

Infelizmente, eles ainda estão à mercê de leis antropocêntricas e especistas na Colômbia, um país onde diversos empresários, acadêmicos e pessoas comuns resistem a uma mudança em seu status porque os consideram inferiores e porque negam sua própria condição de animais humanos.

Ainda há um longo caminho a percorrer para persuadir a sociedade da urgência de mudar a forma como nos relacionamos com todos os seres vivos e de abandonar a suposta superioridade humana propagada pelo direito e pelo judaico-cristianismo. 

No entanto, embora seja difícil romper com um paradigma obsoleto como o antropocentrismo, é essencial, em diferentes frentes - acadêmica, ativista, jurídica, ética, filosófica -, insistir em fazer justiça a esses e a outros seres vivos que têm sido sistematicamente violados ou, como nesse caso, considerados meros móveis, coisas que podem ser apropriadas, independentemente de suas necessidades e interesses, que, aliás, devem ser levados em conta nesse tipo de processo judicial, a exemplo de países como os Estados Unidos, que têm aplicado o melhor interesse do animal.


______

Nota:

[1] Aqui é importante lembrar que o Código Civil colombiano, art. 655, os trata como bens móveis, embora o parágrafo introduzido pela Lei 1774 de 2016 tenha acrescentado que eles são seres sencientes.

Artículo en Español

JOHANA FERNANDA SÁNCHEZ JARAMILLO
Johana Fernanda Sánchez Jaramillo, animal humano, mulher de cor e sentimentalista. Doutora em Direito pela Universidad del Rosario (Colômbia). Advogada. Comunicadora social e jornalista. Mestre em Relações Internacionais. Pesquisadora e Professora. Ganhou prestigiosas bolsas internacionais de jornalismo, bolsas de estudo de jornalismo internacional, como a do Carter Center, nos Estados Unidos, Justice for Journalists Foundation, no Reino Unido, e o International Center For Justice (ICFJ), nos Estados Unidos, além de prêmios na Colômbia e América Latina. Membro da Animal Lawyers Network no Reino Unido. Escreveu oito livros relacionados ao conflito armado colombiano, um sobre a tensão entre o direito a um ambiente saudável e o desenvolvimento (2022), e autora do livro: Los animales como sujeto de derechos, una categoría jurídica en disputa (2023), publicado pela Editorial Universidad del Rosario. 
Próximo
Próximo

Fim dos testes cosméticos em animais no Chile