Campinas (SP): Lei oficializa figura do cuidador comunitário de cães e gatos
Uma mudança no Estatuto de Proteção, Defesa e Controle das Populações de Animais Domésticos de Campinas criou a figura do cuidador comunitário de cães e gatos de rua. A alteração foi publicada na edição de terça-feira (25/11/2025) do Diário Oficial do Município e garante o direito de manter casinha e vasilhas de água e ração na calçada para os animais com laços de dependência e de manutenção, mesmo que os cuidados sejam feitos por um grupo, não havendo um responsável único e definido.
A novidade foi instituída após a sanção do projeto de lei de autoria conjunta dos vereadores Gustavo Petta (PCdoB), Arnaldo Salvetti (MDB) e Luiz Carlos Rossini (Republicanos). Campinas tem cerca de 20 mil cães e gatos sem tutores, de acordo com levantamento do Departamento de Proteção e Bem-Estar Animal (DPBEA).
A organização não governamental (ONG) Gatos da Lagoa do Taquaral mantêm casinhas e alimentação para felinos nessa área de lazer há cerca de 30 anos. Ela conta com o apoio de uma equipe de voluntários e dos Amigos da Lagoa para cuidar e encontrar lares para os animais que nasceram nas matas ou foram abandonados, sendo atendidos em torno de 200 gatos.
Outros simpatizantes da causa também mantêm abrigos em calçadas em outros pontos da cidade, como na Rua Sérgio Zacarias Martini, no Parques das Universidades, e na Rua Dr. Alves do Banho, no bairro São Bernardo.
Nesse último local, um aviso afixado na casinha demonstra que a iniciativa nem sempre é bem-aceita. “Por favor, não nos faça mal. Só estamos tentando viver nossa vida, assim como os humanos. Sentimos fome, sede dor e medo!!!”, relatou o cartaz. Um caso famoso de animal comunitário foi o do cão Bob, criado por taxistas da Praça Santa Cruz, no Cambuí.
Após receberem uma notificação do Centro de Zoonoses de Campinas, eles decidiram lutar pela permanência do cachorro no local, recebendo o apoio de sociedades protetoras dos animais. O grupo venceu, ficando com o animal até 2013, quando ele faleceu.
A mudança no estatuto estabelece que o abrigo não poderá bloquear o tráfego pela calçada e fica proibida a qualquer pessoa a retirada sem a permissão do mantenedor ou dos órgãos de fiscalização pública. Ela recomenda ainda a utilização de vasilhas reutilizáveis ou a instalação de comedouros e bebedouros em tubos de PVC, e material reciclável, inox ou aço inoxidável. Ela orienta ainda que as caixas plásticas ou de madeira devem ser grande, com aberturas laterais e proteger a ração do sol e da chuva.
RESSALVA
A instituição do cuidador comunitário foi apoiada por pessoas com animais ou que atuam na proteção de animais desamparados, mas com ressalvas. O técnico em eletroeletrônica Paulo Ferreira é favorável a regularização da disponibilização dos itens de cuidados básicos, mas considera que o ideal é incentivar a adoção dos animais.
“É importante garantir o cuidado para os animais de rua, mas o melhor é colocá-los para dentro da casa”, afirmou. Ele já fez isso com Max, um vira-lata que apareceu diante de sua residência há cerca de 10 anos, quando ainda era um filhote.
Na época, o cão passou a conviver com outro vira-lata que já tinha Paulo Ferreira como tutor, o Tobi, adotado quando também era um filhote. Hoje, o técnico tem um terceiro cão, o buldogue francês Zeus, de 1 ano. Para ele, a adoção evitaria gerar um possível conflito com vizinhos.
“Eu colocaria uma casinha com água e comida em frente de casa, mas o vizinho não é obrigado a conviver com essa situação”, argumentou. Se encontrar abrigo e alimentação em um local, explicou Paulo Ferreira, o animal de rua se fixará no seu entorno, podendo gerar uma situação desagradável para as pessoas dependendo do seu porte, como reage diante da aproximação humana ou sujar as calçadas com a fezes e urina.
“A intenção da lei é boa, mas não estamos preparados, não temos edução para isso”, afirmou o analista Victor Ribeiro. Para ele, a criação de pontos fixos de alimentação gera o risco dos animais serem envenenados.
“Quem coloca a casinha pode ter toda a boa vontade, mas outras pessoas mal-intencionadas podem se aproveitar para envenenar a comida”, justificou. Além disso, acrescentou, o cuidado comunitário poderia servir de estímulo para aumentar o abandono de animais. “Às vezes, a pessoa pega o cão quando é filhote, que depois cresce e passar a ser considerado um problema. A pessoa não tem paciência e o abandona. Sabendo que o animal encontrará alimentação e abrigo, isso poderá servir de estímulo”, argumentou Ribeiro.
COBRANÇA
Ele já viveu isso ao adotar um vira-lata que um membro da família não queria mais, o que lhe criou situação delicada. O analista teve que adiar por nove meses a mudança para um apartamento que comprou e foi entregue até encontrar alguém aceitasse ser o novo tutor do cão.
Durante esse tempo, teve de continuar pagando aluguel, disse Victor Ribeiro. Ontem, ele jogava bola com o filho, Arthur. A dupla era observada pelo Pudim, o shih tzu sob cuidados da família. “Eu tive cães de vários portes, mas tive que escolher um pequeno quando mudei para o apartamento”, acrescentou.
Para a apoiadora da causa animal Gláucia Cardoso Messina, o cuidador comunitário ameniza a situação dos cães e gatos de rua, mas defende a adoção de uma política pública para tratar do assunto, com a criação de um abrigo municipal para retirá-los dessa situação.
“Sinceramente, acho que isso não é uma solução efetiva. A solução realmente é criar uma estrutura melhor para atender esses animais, tirá-los da rua, mas de uma forma organizada e se possível, encaminhar para adoção”, afirmou.
Ele faz doações e participa de campanhas, como a realização de bingo, para angariar recursos para pessoas que atuam na proteção de animais de rua. “Essa é uma situação séria, tem muito cachorro abandonado em Campinas, é muito triste. Há pessoas que fazem de tudo para dar um abrigo para eles, mas não é uma situação difícil, pois muita vezes falta dinheiro”, disse Gláucia.
VETO
Para ela, deveria também ser criado um Conselho Municipal Pet para tratar dessa questão e desenvolver ações para ajudar os protetores. “A questão toda é não ter animais de ruas”, afirmou. A mudança no Estatuto de Proteção dos Animais foi sancionada com um veto do prefeito Dário Saadi (Republicanos) ao artigo que tratava da manutenção de casinha e alimentação de animais em locais públicos. Na justificativa, a decisão foi tomada por gerar despesas para a prefeitura, com a Constituição proibindo essa iniciativa partindo de vereadores.
“A Câmara Municipal foi muito além de suas atribuições. Ingressou ao campo da iniciativa reservada ao prefeito e, desta forma, violou sua prerrogativa de análise da conveniência e oportunidade em matéria de gestão pública”, argumentou a administração. Para o vereador Gustavo Petta, houve uma interpretação equivocada do projeto de lei.
“A prefeitura compreendeu que a obrigação dos abrigos, da alimentação, dos cuidados com o animal comunitário, seria de responsabilidade dela. O sentido da lei não é esse, é garantir o direito do cidadão em dar esses cuidados [mesmo em locais públicos]”, argumentou o vereador.
O artigo vetado parcialmente do projeto de lei diz que “fica assegurado a todo cidadão o direito ao fornecimento de abrigo, casinha, alimentação, água e demais cuidados que visem garantir o bem-estar do animal comunitário em espaços públicos e em condomínios horizontais e verticais fechados ou não, clubes, escolas, respeitando as condições de higiene e mobilidade urbana.”
Petta disse que buscará a derrubada do veto para garantir a aprovação da mudança do estatuto em sua totalidade. “Nós não concordamos com o veto parcial. Eu acho que há um entendimento equivocado por parte da prefeitura sobre a interpretação da lei”, disse. Ele acrescentou que buscará dialogar com a prefeitura e com o líder do governo na Câmara Municipal, Paulo Haddad (PSD), para reverter a decisão.
Fonte: Correio Popular