Tamanduá bandeira sinaliza a gravidade do desequilíbrio ecológico

Este artigo objetiva demonstrar a correlação entre causa e efeito das agressões socioambientais e o declínio da população de tamanduá bandeira no Brasil, visando disseminar a ecologia consciencial.

Representante da fauna brasileira, mais particularmente do cerrado e do pantanal, o tamanduá bandeira está na lista vermelha de animais vulneráveis, da União Internacional de Conservação da Natureza – IUCN e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, pois sua população está em declínio desde 2013 (saiba mais em IUCN: Myrmecophaga tridactyla (Giant Anteater) (iucnredlist.org) e https://www.icmbio.gov.br/cepsul/destaques-e-eventos/704-atualizacao-da-lista-oficial-das-especies-ameacadas-de-extincao.html).

É considerado como “possivelmente extinto” no Uruguai, em El Salvador e na Guatemala. No Brasil, nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, segundo a mesma fonte.

Em 2018, o ICMBio criou o Plano de Ação Nacional para conservação do Tamanduá bandeira e do Tatu canastra (saiba mais em: PAN Tamanduá e Tatus — Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

No idioma tupi é conhecido como Tamanduá Açu (grande) ou Jurumi (boca pequena). O cientista sueco Lineu, em 1758, o denominou como “comedor de formiga com três dedos”. Isto porque caminham apoiados no dorso de três dedos, semelhante aos ursos. Anos depois, os zoólogos perceberam que possuíam cinco dedos, sendo três garras. Eles são parentes do bicho preguiça (saiba mais em: Tamanduá-bandeira: biologia e ameaças - Instituto Tamanduá)).

Ele é o maior dos tamanduás, e existem apenas na América Latina. Apresentam uma cabeça alongada e focinho comprido. Medem entre 1.60 e 2.4 metros e pesam entre 22 e 45 kg. Sua longa cauda (de 60 a 90 cm), quando erguida, lembra uma flâmula ou bandeira (saiba mais em: Tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla) (institutojurumi.org.br)

O menorzinho é o tamanduaí, de 20 cm e 300 g, que vive nas árvores, nas regiões Amazônica e Nordestina (saiba mais em: Tamanduaí: biologia e ameaças - Instituto Tamanduá). O tamanduá-mirim, é o intermediário, pesando entre 3,5 e 8,4 cm, tendo de 47 a 77 cm mais a cauda preênsil, de até 67 cm, adaptada para locomover-se pelos galhos das árvores. A coloração predominante é beje, tendo pelos mais escuros nas costas, sendo chamado de tamanduá de colete (saiba mais em Tamanduá-mirim: biologia e ameaças - Instituto Tamanduá)).

Há pessoas gananciosas, estimulando o comércio do tamanduá-mirim como pet, divulgando fotos deles vestidos com roupinhas para cães (Saiba mais em: 5 GRANDES motivos pelos quais TAMANDUÁS NÃO SÃO PETS! - Instituto Tamanduá). 

Além de ser uma prática ilegal, cabe esclarecer que possuem afiadas garras, e podem causar ferimentos letais em seres humanos, no chamado “abraço de urso”, por exemplo, agarrando uma das pernas de um adulto.

Os jurumis, com suas garras fortes e longas, golpeiam a rígida estrutura dos formigueiros e cupinzeiros, sem destruí-los por completo. Introduzem a língua comprida, de 60 cm, para capturar os insetos e se afastam, poupando-se das picadas. Estima-se que são capturados até 35 mil por dia. Desta forma, são essenciais para seu controle biológico, pois multidões de formigas e cupins causam grandes prejuízos à lavoura, às árvores, às casas e aos móveis de madeira.

As fêmeas têm gestação de um filhote por seis meses, normalmente, um por ano. Cuidam dos bebês, que ficam aderidos ao dorso da mãe, até os nove meses, quando se tornam independentes. Nesta fase da vida, eles são alvo de aves de rapina. Jovens e adultos são predados por onças e suçuaranas.

O habitat dos animais do cerrado e do pantanal está sendo destruído por motoserras e queimadas por aqueles que só têm cifrão nos olhos. 

Segundo Machado (2023) e, de acordo com o MapBiomas – plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, desde 2019, 45,4% do Cerrado foi destruído nos últimos anos. Em 2022, o desmatamento cresceu 20% em relação ao ano anterior, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento do Cerrado, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - Ipam, em parceria com a Universidade Federal de Goiás e MapBiomas. No total, foram perdidos 815,5 mil hectares de vegetação nativa no ano passado.

Estudos recentes indicam que o Pantanal “está à beira da pior seca da sua história”, razão pela qual o governador do Mato Grosso do Sul declarou estado de emergência ambiental (Martins, 2024).  

Os incêndios de grandes proporções, como aquele que ocorreu em 2020 no Pantanal, provocaram a morte de 17 milhões de animais entre répteis, aves e mamíferos (Bucheroni, 2020 e Souza et al, 2022). Muitos morreram sem serem salvos pelos brigadistas e socorristas. No caso dos tamanduás, as chamas aderem aos seus pelos grossos e suas caudas transformam-se em tochas. E há quem diga que o fogo se propaga na mata por causa deles! 

A etapa do “pós-fogo”, é igualmente prejudicial aos animais pela redução na disponibilidade de água e de alimento, por causar desidratação, baixa imunidade e interferir no ciclo reprodutivo, tamanduás resgatados, com queimaduras de 2º e 3º grau não sobreviveram (Souza et al, 2022 e Chamorro, 2023). 

O Instituto Tamanduá cuida e recupera filhotes de jurumis órfãos, cujas mães morreram devido às queimadas. Contam com o apoio do Fundo Internacional para o Bem-estar Animal, do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres - CRAS de Campo Grande, do Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul e da Pousada Aguapé, em Aquidauana.

Tamanduás bandeiras têm visibilidade reduzida, caminham solitários, em ritmo lento, principalmente ao anoitecer, em busca de alimento, por vezes cruzando as estradas, suscetíveis aos atropelamentos (Catella, Moraes e Mourão, 2010). 

Entre 2017 e 2020 (Machado, 2023), pesquisadores do projeto Bandeiras e Rodovias, do Instituto de Conservação de Animais Silvestres - ICAS, monitoraram 14% das rodovias asfaltadas do Mato Grosso do Sul. Eles registraram 12,4 mil animais mortos: 40% eram de grande porte como onças, antas e capivaras, sendo 761 tamanduás, incluindo fêmeas com filhotes. Os acidentes podem e devem ser evitados para preservar a fauna e a vida humana. 

Muitos moradores da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado, influenciados por crenças de seus antepassados, acreditam que os tamanduás são “veículos do infortúnio”, “perigosos, violentos e traiçoeiros”. Creem que terão muito azar se um deles cruzar a frente do veículo, “então, é preferível atropelá-lo” (Santos e Marinho, 2009; Catella, Moraes e Mourão, 2010). Dá para acreditar?

Em Minas Gerais, em 2019, surgiu o Projeto TamanduASAS, vinculado ao Plano de Ação Nacional para a Conservação do Tamanduá Bandeira no Brasil (Portaria IBAMA/ICMBio nº 355/2019). É o resultado da parceria entre: o Instituto de Conservação de Animais Silvestres – ICAS, Centros de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres de Minas Gerais, IBAMA, três universidades federais, Ministério Público de Minas Gerais, Projeto Bandeiras e Rodovias entre outros.

Assim, animais feridos por atropelamentos, queimaduras e ataques de cães domésticos podem ser tratados. Aqueles que sobrevivem são reintroduzidos em áreas de preservação, carregando equipamentos que possibilitam seu monitoramento (saiba mais em: Instituto Estadual de Florestas - IEF - Em seu sétimo ano, Projeto TamanduASAS prepara soltura monitorada do 20º animal em reabilitação).

Pesquisa realizada pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, analisou carcaças de animais atropelados, incluindo tamanduás.  A maioria era de jovens e adultos saudáveis, e isto representa uma grande perda para a sobrevivência da espécie, porque estavam aptos a se reproduzirem. Este trabalho foi feito em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros - CENAP, e concessionárias de rodovias dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Navas, 2024 apud Custódio, 2024). 

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa e o Centro de Pesquisa Agropecuária do Pantanal, promoveram medidas de segurança, campanhas de informação e conscientização sobre animais silvestres para motoristas, polícia rodoviária, prefeituras e órgãos públicos municipais (Catella, Moraes e Mourão, 2010). O estudo que acompanhou tais medidas de proteção constatou que a taxa de mortalidade por atropelamento caiu cerca de 80%.

Outro dado preocupante é a constatação de pesticidas derivados do chumbinho (produto utilizado para envenenar animais) em 30% das amostras analisadas nas carcaças encontradas à beira das estradas. 

Amaral et al. (2015) relataram caso de intoxicação em um tamanduá-bandeira adulto, por organoclorado, em Goiás, atendido no Hospital Veterinário da Regional Jataí (UFG). Felizmente, o animal sobreviveu e foi libertado! Este teve a sorte grande, mas, quantos outros perecem envenenados?  

Prova disso é o registro de dois tamanduás bandeiras, monitorados por pesquisadores, encontrados mortos em fazenda de soja, em Minas Gerais. Análises indicaram intoxicação por organofosforado (Machado, 2023).

A natureza criou os tamanduás para controlar a superpopulação de formigas e cupins. A indústria química criou os agrotóxicos que matam insetos, contaminam os solos, as águas e, também matam abelhas, aves e outros animais.

Pequenos homens destroem as florestas, mandam colocar fogo na mata, modificam as leis de proteção à natureza para expansão da agropecuária, das rodovias, e alteram o equilíbrio ecológico e hídrico para atender a seus interesses gananciosos, porque se sentem donos da natureza. 

Grandes homens se dedicam ao reflorestamento, à prevenção das queimadas, à proteção e conservação da biodiversidade, às fazendas sustentáveis, e à produção de alimentos saudáveis, porque se sentem integrados à natureza. 

Nossos antepassados causaram a extinção de muitas espécies de animais, pela caça e pela destruição de seu habitat. Não queremos que o mesmo ocorra com os tamanduás nos anos futuros. Que eles sejam a bandeira da nova era de consciência ambiental!



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Referências bibliográficas

Amaral, A., Assis, P., Assis, P., & França, F. Intoxicação por organoclorado em tamanduá-bandeira: relato de caso. Enciclopédia Biosfera, 11 (21). 2015. In: https://conhecer.org.br/ojs/index.php/biosfera/article/view/1851. Acessado em abril 2024

Bucheroni, G. Fogo no Pantanal: impacto na população de tamanduás-bandeira preocupa pesquisadores | Terra da Gente | G1 (globo.com)  05/10/2020. Acessado em abril 2024

Catella, A.C., Moraes, W., e Mourão, T.G.de M. BR-262 no Pantanal: cenário de encontros entre homens e animais silvestres. EMBRAPA. 1981-7223 Dezembro, 2010. In: DOC111 (embrapa.br). Acessado em abril 2024.

Chamorro, P. Órfãos das queimadas do Pantanal, tamanduás-bandeira voltam à natureza | National Geographic (nationalgeographicbrasil.com). 03.02.2023. Acessado em abril 2024

Custódio, J. : Atropelamentos em rodovias matam animais saudáveis da fauna brasileira – Jornal da USP. Jornal da USP. 16.04.2024. Acessado em abril 2024.

Machado, L. De agrotóxicos a atropelamentos: os riscos à existência do tamanduá-bandeira no Cerrado | Meio Ambiente | G1 (globo.com) 07.03.2023. Acessado em abril 2024.

Martins, I. Pantanal está à beira da pior seca da história - Sagres Online. Sagres Online. 26.04.2024. Acessado em abril 2024

Santos, O.F. dos; Marinho, M. Imagens do Pantaneiro na obra poética de Manoel de Barros.  In: O Brejo e o Solfejo – Marcelo Marinho e colaboradores. 2009 – Letra Livre Editora – Campo Grande

Souza, T. G. de; Barros, M. A. de; Zorzo, C.; Borges, J. C.; Magalhães, T. B. S.; Mendonça, A. J.; Alkmim, J. G. M.; Morgado, T. O.; Kukzmarski, A. H.; Palermo, A. l. P. Clinical and hematological changes in giant anteaters (Myrmecophaga tridactyla) victims of fires in the Pantanal Mato-grossense: Case report. Research, Society and Development, [S. l.], v. 11, n. 3, p. e42811327113, 2022. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/27113. Acessado em abril 2024.

IRIS FERNANDES POFFO

Bióloga com doutorado em Ciências Ambientais pela USP/SP. Pós doutorado em Psicologia pela PUC/SP. Terapeuta holística. Escritora.

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